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terça-feira, 12 de junho de 2018

Em pouco tempo, esquerdas voltarão ao poder na América Latina, diz cientista política

MATÉRIA INTERESSANTÍSSIMA





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O desempenho da China e da Índia na economia faz com que a atenção se volte para a Ásia quando se tratam de análises geopolíticas e de estratégias futuras. É lá que está o maior investimento em tecnologia da atualidade e é onde se definirão as novas correlações de forças.
Em entrevista à revista La Migraña, realizada pela vice-presidência da Bolívia, a professora de sociologia e ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mônica Bruckmann comenta as relações entre a América Latina e os países asiáticos, a importância do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e a correlação de forças na América Latina, onde avalia que haverá, em breve, uma nova reconfiguração regional com a volta da esquerda ao poder. Confira a entrevista:
Sergio Callisaya: O que o ressurgimento da Ásia na economia mundial significa para a América Latina?
Monica Bruckmann: É importante para retomar a discussão sobre a reemergência da Ásia na economia mundial e a importância do Brics [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] nas políticas econômicas, incluindo reconfigurações globais e culturais. Porque a verdade é que, historicamente, a Ásia, e particularmente a China, já eram o centro dinâmico da economia mundial, pelo menos dos séculos 5 e 11 até o final do século 17. A China era onde a manufatura mais elaborada era produzida e exportada para a Europa, e era para a China onde todo o ouro e prata do sistema mundial daquela época iria parar, durante 8 séculos a China ocupou esse papel de centralidade; Isso explica por que em pouco mais de 30 anos deixa de ser uma economia camponesa para ser a primeira economia mundial, se medirmos seu PIB por dólar de acordo com seu poder de compra, a China desde 2014 é a maior economia do mundo, o segundo lugar, os Estados Unidos e, em terceiro lugar, a Índia, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). E as projeções para 2050 dizem que a China permanecerá em primeiro lugar, a Índia em segundo lugar e os EUA em terceiro, estima-se que das dez maiores economias do mundo, sete serão economias do Sul, incluindo uma economia africana.
Estas são mudanças muito profundas e a tendência é que todo o dinamismo econômico se desloque da Europa e dos EUA para a Ásia, particularmente China e Índia. Este é um fenômeno que deve ser visto a partir dessa acumulação civilizacional que a China e a Índia tiveram como centros dinâmicos da economia mundial por oito séculos e que agora ressurgem tão rapidamente.
Esse é um grande desafio na América Latina, porque você deve primeiro entender a dinâmica desse processo e especialmente as projeções da economia mundial e, em segundo lugar, como isso afeta a América Latina. Por outro lado, há a necessidade de reposicionar a região neste contexto, pois possui reservas muito importantes de recursos naturais estratégicos que esses projetos econômicos vão demandar, por exemplo, a nova rota da seda da China que foi proposta em 2013 e que já hoje em dia é uma realidade em plena construção.
Certamente em pouco tempo estaremos, desde o início da nova Rota da Seda, enfrentando um novo ciclo de boom no preço internacional das chamadas commodities e a pergunta é: O que a América Latina vai fazer? Continuará reproduzindo sua inserção dependente e subordinada no sistema mundial como exportador de matéria-prima sem valor agregado? Ou, ao contrário, aproveitará essa oportunidade histórica de agregar valor à exportação desses recursos naturais para fazer cadeias de valor regionais, industrializar, subordinar essa comercialização de recursos naturais à transferência de tecnologia, à colaboração científica, industrial. É o desafio.
Neste momento, a região passa por tensões profundas, a visão hegemônica integracionista que tinha dois ou três anos atrás, desde o início do século, está enfraquecida, eu acho que em um curto período de tempo, certamente a correlação de forças políticas na região vai mudar novamente, no sentido de fortalecer os governos de esquerda, porque esses governos de direita que surgiram, por exemplo, na Argentina e no Brasil, que são países tão importantes para definir este processo, se desgastam muito rapidamente; O Presidente Temer está governando um país como o Brasil com 1% de aprovação, gostaria de saber em que outro país poderia um presidente governar com a aprovação de 1%? Há uma deslegitimação muito rápida, em menos de um ano, Temer se desgastou terrivelmente, o mesmo acontece com Macri, na Argentina. Em um curto espaço de tempo, certamente teremos uma nova correlação de forças, onde a esquerda estará de volta no poder em uma maioria na região.
Essas questões precisam ser reposicionadas no debate, especialmente a necessidade de construir uma visão estratégica comum para posicionar a América Latina diante dessas profundas mudanças que estão ocorrendo, que ocorrerão com ou sem a participação da América Latina, logicamente que seria melhor com sua participação e também com capacidade de influência regional na definição dos rumos que este processo irá tomar.
Em quais nações as forças de esquerda retomariam o controle?
A Argentina está vivendo um ano eleitoral, já teve suas eleições primárias para o Congresso, até o final do ano terão as eleições que definirão o novo Congresso argentino. O peronismo e o kirchnerismo estão trabalhando duro para voltar ao poder e acho que há amplas condições para que regressem ao poder na Argentina, sob a liderança de Cristina Kirchner; no caso do Brasil, ainda temos um processo de disputa, mas é claro que a direita está muito deslegitimada, envolvida com questões de corrupção, 80% do Congresso brasileiro tanto na Câmara dos Deputados como o Senado têm não só evidências, mas provas de corrupção, muitos deles estão sendo processados.
Eles estão tentando impedir a candidatura do ex-presidente Lula, como ele foi condenado em primeira instância, sem qualquer prova, com evidências, mas não provas, mostrando o Poder Judiciário no Brasil, que foi capaz de produzir um golpe institucional e depor uma presidenta sem nenhum crime comprovado. Isso levou a um crescente processo de mobilização popular no Brasil e a pressão daqueles que eram favorecidos pela política social do governo do PT, como os estudantes que podiam acessar gratuitamente uma universidade pública e que agora estão sendo profundamente ameaçados, tudo isso levará a uma nova correlação de forças políticas e populares, que certamente mudarão a cor do governo no Brasil.
Estamos em um momento de definições, de grandes tensões, mas a tendência, no médio prazo, é que essa direita, que visa colocar na agenda novamente um projeto neoliberal ortodoxo, a rendição da soberania, a militarização dos territórios, entrem em aliança com um poder em declínio como os Estados Unidos, ignorando o papel da Ásia na economia mundial neste momento.
É um erro histórico e de falta de visão o que essas direitas estão cometendo, aliando-se aos Estados Unidos, que todos sabemos já perderam a supremacia econômica. A única supremacia que mantêm é a militar, mas na medida em que não podem financiar mais esta supremacia militar, a tendência é que isso mude também.
Então, vivemos momentos de grandes desafios, um deles é fazer uma avaliação crítica e honesta do que foi feito nesses 15 anos de governos esquerdistas da região, do que não foi feito, do que foi feito de errado e tudo o que devemos rever, corrigir, para um novo período de ascensão da esquerda no nível regional.
É conveniente ou não para a América Latina que a China esteja em primeiro lugar na economia mundial?
Isso depende da posição que a América Latina assume. Obviamente, a China não está interessada em uma guerra sobre os recursos naturais no nível planetário, que é exatamente o que os EUA fizeram, especialmente desde 2001, quando abre esta campanha de luta contra o terrorismo, cujo objetivo principal era a apropriação dos recursos naturais do petróleo do Oriente Médio e não as armas nucleares do Iraque.
A China representa neste momento a possibilidade de entrar em um processo de negociação de benefícios compartilhados com a América Latina. Eles desenvolveram uma política para a América Latina em 2008, que diz em sua introdução “China a maior economia em desenvolvimento do mundo está disposta a negociar em condições de paz e benefício mútuo com os países da América Latina com as sub-regiões ou com a região como um todo”, e me pergunto por que a China quer negociar com a região como um todo, se sabe que perde sua posição e força na negociação, e a resposta é relativamente simples: a China está interessada em resolver seus problemas de soberania alimentar, de acesso a recursos estratégicos a longo prazo, não em 5 anos, mas em 20, 30, 50 anos e é por isso que uma negociação regional garante certa estabilidade nesse tipo de negociação.
O problema é que o que a América Latina fez, por falta de visão estratégica, ausência de projetos nacionais e muito menos regional, foi reproduzir a condição de exportador de matérias-primas sem valor agregado, condição que tivemos por mais de 500 anos; Assim, por exemplo, em 2004, 38% e 39% das exportações totais da América Latina para a China eram matérias-primas sem valor agregado e em 2008 chegaram a 75% e 80%, ou seja, reprimimos nossa cesta de exportação da América Latina para a China. no momento em que poderíamos e deveríamos fazer exatamente o contrário, aproveitar os pontos fortes da região, aproveitar a dependência da China de recursos naturais estratégicos para negociar em outros termos, promover cadeias de valor regionais, agregar valor a esses recursos naturais, para deixar de ver os recursos naturais como mercadorias e começar a vê-los como a base para ciclos tecnológicos e ciclos industriais em desenvolvimento ou emergentes de uma economia global.
Isso significa recuperar uma visão de soberania científica e tecnológica para transformar esses recursos naturais em produtos e atender o mercado mundial, não como exportadores de matérias-primas, mas como produtores em áreas estratégicas que a região deve escolher e decidir de maneira soberana.
A posição política da região está voltada para essa visão estratégica?
Infelizmente não, houve momentos muito importantes de análise deste problema e tentativas de construir uma visão estratégica comum, por exemplo, em 2012, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) colocou um elemento central no debate, a necessidade de construir uma estratégia de utilização dos recursos naturais para o desenvolvimento integrado dos países da Unasul e dos povos, cuja preocupação era como aproveitar esses recursos naturais, mas não para reproduzir a matriz primária exportadora da região no sistema mundial, mas para produzir processos de aprofundamento da integração regional a partir de cadeias de valor regionais.
Uma infraestrutura ligada aos centros de produção, transformação e consumo de produtos da região que tinham instrumentos financeiros significativos para o desenvolvimento, daí surge o papel do Banco do Sul, tão importante porque se destina a financiar o que as empresas não estão interessadas em financiar porque não representa para eles um lucro imediato, mas que para o Estado interessa financiar para produzir um desenvolvimento de médio a longo prazo.
Durante dois ou três anos, houve intensa discussão a nível de governos, acadêmicos e movimentos sociais sobre essas possibilidades, infelizmente, com a mudança na correlação de forças políticas na região, a chegada de Macri no Governo da Argentina, o golpe de Estado no Brasil, dois países que são importantes para impulsionar a integração regional, caiu nas mãos de pessoas que não estão interessadas na integração regional; ao ponto de declarar que não estavam interessados na submissão à Unasul e Celac, como fez o ex-chanceler José Serra no Brasil, mas era importante para recuperar a sua relação histórica e estratégica com os Estados Unidos. Então, essas pessoas não estão interessadas em uma visão soberana de projeto nacional, infelizmente estão ligadas exclusivamente a interesses econômicos pessoais que passam em grande parte por estruturas de corrupção e máfias locais.
Que país da América Latina estará mais bem preparado para dar um passo à frente do seu status de simples produtor de matérias-primas?
Eu acho que países como Venezuela e Equador, este avançou muito nessa questão, embora seja desconhecido o que acontecerá naquele país; mas o Equador foi um dos países que viu com muita clareza a necessidade do que chamaram de mudança de matriz produtiva, fizeram seu Plano Nacional de Bem Viver no primeiro governo, depois no segundo governo de Rafael Correa, onde entre seus objetivos estratégicos estava o uso soberano de recursos naturais para processos de produção, soberania científica e tecnológica e formação de talentos humanos, por isso o Equador foi em todos esses anos o país que mais investiu proporcionalmente em relação ao produto interno bruto, em ciência, tecnologia, inovação e treinamento de seus cidadãos em nível de pós-graduação dentro e fora do Equador.
O Equador tinha um Plano Nacional de Bolsas sem teto orçamentário — que eu saiba, o único país do mundo a ter algo assim —, no qual qualquer equatoriano aceito em uma das 100 melhores universidades do mundo, automaticamente tem as bolsas de mestrado e doutorado aprovadas, portanto, o Equador tinha uma consciência clara da importância da soberania científica e tecnológica para promover uma mudança de modelo de produção que levará o país a deixar de ser um exportador de matérias-primas para se tornar um país que exporta ciência, tecnologia, conhecimento e produtos industrializados.
Outros exemplos são a Argentina, que possui uma acumulação significativa de tecnologia, o Brasil, que tem um parque industrial que é o maior da América do Sul e um dos maiores na América Latina junto com o do México, por isso temos capacidades significativas, temos estruturas científicas, engenheiros, uma academia que cresceu, mas tudo isso está sendo ameaçado por esta visão neoliberal, como no Brasil que retirou pressupostos fundamentais para o desenvolvimento científico e tecnológico, que aprovou uma medida provisória chamada PEC 55 através do qual os gastos com saúde e educação estão congelados por 20 anos, com isso estão destruindo a universidade pública e gratuita, que foi uma grande conquista do povo brasileiro, que foi o resultado de muitas lutas e muito acúmulo de participação popular, neste momento a universidade pública e livre no Brasil está profundamente ameaçada, bem como a instalações de produção científica e tecnológica.
E como você acha que a Bolívia está nesse contexto?
Na região, a Bolívia ainda representa um dos bastiões, é possível desenvolver um projeto de transformação, mas que é como qualquer outro, tenso, que tem contradições, que tem avanços, retrocessos, mas que, em geral, conseguiu uma situação econômica, que está bem acima do que a região alcançou, por exemplo, o crescimento econômico da Bolívia é de 4,5%, 4,6% ao ano, enquanto a região está praticamente estagnada economicamente com um crescimento abaixo de 1%.
A Bolívia representa para nós a possibilidade de desenvolver importantes processos de transformação político-econômica, que serão acumulados para novas e mais profundas transformações. A Bolívia conseguiu inventar um novo modelo de Estado que não existia na região, construímos nossos Estados nacionais à imagem e semelhança dos Estados europeus, das lutas pela independência do século 19.
A Bolívia e o Equador, quando propõem e estabelecem um Estado Plurinacional, não significa apenas o reconhecimento da existência de uma multiplicidade de nações como conformação demográfica, cultural e civilizacional, mas também as estruturas de poder de cada uma dessas nações são incorporadas a uma estrutura maior do Estado boliviano.
É um desafio teórico tremendo pensar em um modelo político diferente e ser capaz de construir uma institucionalidade radicalmente diferente da anterior, mas profundamente democratizante, e não dizendo que é perfeito, tem muito a percorrer ainda, é um projeto em construção, mas é profundamente democratizante, porque inclui uma enorme variedade de nações indígenas a uma construção cidadã maior; o fato de que a Bolívia tem 36 línguas oficiais não é uma coisa menor, isso significa que essas pessoas podem manifestar-se em todos os órgãos do Estado em sua língua materna e isso não é apenas questão demográfica e política, é uma questão muito profunda que tem a ver com identidades, com valorização da própria identidade.
Os processos de colonização em nossa região foram profundamente violentos no sentido de negar identidades, negar a possibilidade de que as pessoas se expressem em suas línguas nativas e quando isso se recupera, também se recupera um estado de espírito e uma capacidade de empoderamento desses povos para tomar as rédeas do seu próprio destino. Eu acho que a Bolívia representa para nós essa construção política inovadora, mas também a construção simbólica de afirmação identitária que é fundamental.
O que deve ser melhorado para enfrentar essas novas relações comerciais?
A Bolívia possui reservas muito importantes de minerais, muito estratégicas para a economia mundial, por exemplo possui cerca de 70 a 74% das reservas mundiais de Lítio, que é importante para a produção de baterias recarregáveis para dispositivos eletrônicos portáteis, para a produção de veículos híbridos e elétricos, para a possibilidade de mudar a matriz energética de energia fóssil, petróleo, gás, carvão, para energia renovável e limpa, energia eólica, fotovoltaica, energia geotérmica.
Essas energias renováveis e limpas dependem muito do clima, no dia em que não há sol, nenhuma energia fotovoltaica é captada, pois, implica, para a mudança de matriz energética para este tipo de energia, grandes reservatórios de energia; os europeus estão atualmente estudando o uso do lítio para fazer esses grandes reservatórios de energia e a Bolívia tem um mineral extremamente estratégico, nestes três ciclos tecnológicos, acho que o grande desafio é pensar que isso não é matéria-prima mas sim base para esses ciclos tecnológicos, e isso significa uma mudança radical de visão, já que o lítio não é mais uma commoditie.
A Bolívia não deveria se contentar em exportar carbonato de lítio ou exportar lítio bruto, por exemplo, exportar baterias de lítio, já que a Bolívia atualmente tem uma fábrica de baterias de lítio ainda em estado de teste, de protótipos, mas acho que já está ocorrendo essa mudança de visão, o que é fundamental, não apenas em relação ao lítio, mas também a qualquer recurso natural.
Também é importante a questão indígena e as tensões que existem, isso tem que ter algum tipo de distinção, a situação boliviana é muito marcada por uma certa visão de comportamento antiextrativista, que não vê que a extração de recursos naturais por si só leva a diferentes projetos, isto é, qualquer tipo de extração da natureza é o extrativismo? É preciso responder à questão do que é extraído, para os interesses de quem e quem extrai? e evidentemente como é extraído.
É falso dizer que os povos originais não usaram a natureza, esta é uma posição totalmente anti-histórica. Os povos originais usaram a natureza para sobreviver, para desenvolver suas próprias decisões de vida coletiva, etc. O problema é que temos que caminhar para uma discussão sobre o que é o comportamento extrativista, o que significa extrair recursos naturais para atender a interesses estrangeiros que geram e expandem a miséria, a pobreza e o que é extrair e sob que condições para projetos nacionais a serviço do povo. Então, aqui está um debate importante que tem que ser feito não apenas na Bolívia, mas em toda a América Latina, porque toda esta região depende, em maior ou menor grau, da exportação e produção de recursos naturais estratégicos, uma mudança de visão é fundamental.
Finalmente, é mais saudável a relação comercial entre Ásia – América Latina em comparação com os Estados Unidos – América Latina?
Será saudável na medida em que a região vai aproveitar esta nova oportunidade histórica, no entanto, não o será se a região se contentar em simplesmente jogar o seu papel como um exportador de matérias-primas sem valor agregado, se isso acontecer simplesmente estaremos frente a mudança de uma hegemonia por outra, com as mesmas consequências negativas para a região.
O desafio é como aproveitar essa oportunidade para o benefício da região e colocar em prática o que os próprios chineses dizem em uma relação ganha-ganha, onde ganham eles e nós; logicamente não é a China que vai nos dar estas possibilidades de negociação, é a América Latina que tem de reclamá-las e você que tem que colocá-los na mesa de negociação, aqui devemos saber que estamos negociando com um país que tem 3.900 anos de experiência comercial, mas também temos 5.000 anos de experiência comercial.
A civilização Caral, que surge há cerca de 5.000 anos na costa peruana, conseguiu, a partir de um importante desenvolvimento tecnológico, uma superprodução agrícola, especialmente na área de algodão e foi capaz de fornecer uma ampla rede de vendas desde a região da costa peruana para o Andes, a Amazônia, a região sul do continente, inclusive com uma projeção para a América Central.
Nós também temos uma experiência comercial importante, se os chineses tiveram sua rota da seda que surge 200 anos a.C., que tem seu pico no momento da era Genghis Khan, no século 13, e agora é tomado como inspiração para a nova Rota da Seda do século 21, nós, na América Latina, tivemos a rota do algodão, que tem de ser repensado como fato histórico, temos que reescrever e retrabalhar nossa história de ser uma das civilizações mais jovens do planeta, porque com a descoberta da civilização Caral, passamos a ser uma das civilizações mais antigas do planeta, a terceira mais antiga, e, também, uma civilização que produziu ciência e tecnologia que no momento, por exemplo, o povo japonês e a Nasa estão estudando.
Há três anos os japoneses vêm estudando a tecnologia de construção antissísmica que Caral utilizou para construir suas pirâmides — pirâmides que ainda estão de pé após 5.000 anos — para aplicar essa tecnologia nas regiões mais vulneráveis a terremotos no Japão atual; Os pesquisadores da Nasa estão estudando o uso da tecnologia de vasos comunicantes que Caral aplicou na irrigação e que eles entenderam que havia surgido apenas na Europa no século 16 e ficaram perplexos ao ver que Caral já conhecia essa tecnologia há 5.000 anos.
Então nossos povos indígenas que duvidavam de sua condição humana, porque todo o debate do século 16, quando os espanhóis chegaram a este continente, era se os índios eram seres humanos ou não, se tinham ou não uma alma, isto é, todo um debate teológico para discutir se temos ou não a condição de seres humanos; finalmente, decide-se que sim, os nativos tinham alma, portanto eram seres humanos e, portanto, deviam contribuir com pagamento de impostos à coroa espanhola.
Temos que reelaborar essa visão, dos indígenas, analfabetos, daqueles que duvidavam de sua condição de seres humanos, aos indígenas que por 5.000 anos foram produtores de ciência, tecnologia e que contribuíram enormemente para a civilização do continente americano; Então, isso é uma inspiração para repensar o que pode ser a rota do algodão na América Latina que, do meu ponto de vista, foi o primeiro momento de intensa integração regional e não apenas comercial, mas também um dinamismo de intercâmbio linguístico e cultural — e é neste momento que se formam as raízes linguísticas dos povos originários — que é uma inspiração para pensarmos em uma nova utopia mobilizadora, uma nova ilusão mobilizadora regional que nos ajudará a reapropriar-nos de nosso futuro.
Então, o que significaria se a China deslocasse os Estados Unidos da economia?
Isso significará uma mudança radical, porque não apenas a China deslocou os Estados Unidos em termos econômicos, mas também em termos científicos e tecnológicos. Embora os Estados Unidos ainda sejam um grande produtor de marcas e patentes, que é um indicador normalmente usado para medir a produção científica e tecnológica entre países e compará-los, a China, por exemplo, está formando atualmente 26% dos cientistas e engenheiros do mundo, a Índia 23%, ou seja, 50% dos cientistas e engenheiros do mundo estão sendo formados por China e Índia, isso significa que a construção de capacidades locais para a produção de ciência e tecnologia mudará o dinamismo da produção tecnológica em um curto espaço de tempo dos Estados Unidos e da Europa para a Ásia, particularmente a China.
O maior investimento em ciência, tecnologia e desenvolvimento em todo o mundo é feito nos países da Ásia e Sudeste da Ásia (36,8%), em segundo lugar na América do Norte (29%), então tudo isso vai mudar, incluindo a supremacia em termos de produção científica e tecnológica em todo o mundo, vemos também que a tendência é que tudo seja direcionado para a Ásia.
*Monica Bruckmann é Socióloga e Cientista Politica, Professora do Departamento de Ciência Politica e do Programa de Pós-graduação de História Comparada da UFRJ; Presidenta da Agência Latino-americana de Informação — Alainet

Uma escritora que sempre nos emociona -VILMA ARÊAS



Flip 2016 - “Luvas de pelica”, com Sérgio Alcides e Vilma Arêas

Vilma Arêas


Faço esta matéria por se tratar de uma escritora de alto naipe do Brasil e pouco divulgada.A literatura tem se proliferado com novos que pouco traz de novidades de conteúdo e  forma.Vilma é uma autora madura e confunde-se com a alta literatura deste país.


Fluminense, estreou na ficção com Partidas(contos, Francisco Alves, 1976). Aos trancos e relâmpagos (literatura infantil, Scipione, 1988) e A terceira perna (contos, Brasiliense, 1992) mereceram o prêmio Jabuti. Em 2002,Trouxa frouxa (contos) recebeu o prêmio Alejandro José Cabassa (44o. aniversário da União Brasileira de Escritores), e em 2005Clarice Lispector com a ponta dos dedos(ensaio) recebeu o prêmio APCA categoria literatura. Professora titular de literatura brasileira na Unicamp, Vilma Arêas vive há muitos anos em São Paulo.(Por Cia das Letras) .

Vamos lá:
Não sou crítico literário, ao pé da expressão,nem tenho intenções para tal, escrevo sobre o que gosto, crítico sou , de mim e do mundo que me rodeia, mas não da Literatura, que mesmo sendo vida, é um tricô mais complicado. Enfim vamos ao que nos interessa aqui, e é o caso de Vilma Arêas Pouco ainda conhecida pelo grande público, o que é uma pena; a professora Vilma Arêas, me impressionou com seu livro de Contos-Vento Sul.-Cia das Letras, 2011-como que me trazendo uma nova onda de boa literatura madura, firme e densa.



Este livro me chega as mãos poro Fábio S. Cardoso, o qual fez uma entrevista sobre a mesma, junto com o Rogerio Pereira na revista Rascunho-Curitiba-Pr. (http://bit.ly/zdvPAJ), por sinal excelente revista de Literatura, senão a melhor que temos. Antes de ler o autor indicado especulo, cavo ,mexo, remexo busco informações , vou ao- senhor é meu pastor nada me faltará -nome dado pelos alunos- ao Google, enfim cato e dai me chegam informações importantes. A autora organizou poemas de uma diva minha- Sophia de Mello B.Andresen ,escreveu sobre Clarice Lispector e gosta de Graciliano Ramos. Em seguida, flagro no Suplemento do Diário oficial de Pernambuco uma matéria sobre a mesma, por Ronaldo Bressane (http://bit.ly/KjE63j) na qual ela despeja o verbo sobre a literatura como todo e sobre si. Muito bem, leio o livro numa tacada só, num dia de semana a noite. Impressiona-me.



Chama-me atenção seu imaginário, sua poesia embutida em sua escrita e seu jeito urbano-rural, coisa aliás afastadas dos temas da prosa, refiro-me ao meio rural. Há um não sei quê ,que me faz juntar-me a ela, celebro com ela suas estórias, chego a sentir cheiros, texturas em sua escrita. As vezes penso que estou lendo uma nordestina, das boas, qual o quê, ela é Fluminense-Rio de Janeiro de Campos dos Goytacazes.- ha um cheiro de interior brasileiro. Ai sim, fica mais claro para mim esta mulher, mesmo assim quero ve-la, ouví-la , apelo para o You tube. Num pequeno trecho, da entrevista , com Cadão Volpato-Metrópolis-TV Cultura,onde o mesmo alarmantemente titubeia, ante o simples de Vilma, mas diante do que ouço e vejo apaixono-me pela mesma, sou assim, há que me passar fascínio , como assim foi Clarice, é Nelida Pinon, Maria do Carmo Barreto Campelo,Sergio Santana, Joao Gilberto Noll,,João Cabral, Gulhermo Arriaga, o saudoso ,Carlos Funtes e tantos outros. Parto para ler outras obras suas , contos como: A Trouxa-2005 e A terceira Perna 1998, em que encontro uma mesma tessitura textual, mas com maturidade diferente. Mas desliza em toda sua escritura a poesia que ela tece opacamente, mas que risca seu bordado de sua escrita de ponta a ponta. Na terceira perna seu olhar lispectoriano é comprovado nas citações iniciais...uma nova terceira perna que em mim renasce fácil como o capim..(C Lispector), mas Vilma vai além ela convulsiona em destreza nos contos –Dó de peito e Seda Pura. Mas, no todo dela admiro seu jeito de falar, suas opiniões face aos grandes da Literatura, ela os traça de modo inteligente direto e reta, mas denso, passando por Clarice Lispector , sobre a qual tem uma obra, e faz criticas pertinentes ao B. Moser , indo a P..Roth, Coetzee etc. Suas imagens esculpidas nas palavras, no meu imaginário, me passam uma serenidade de gente que tem bom faro, que esfrega-se ao solo para retirar fermento para sua escrita e existência.Ela confessa isto nas entrevistas, sua história , seu caminhar como pessoa de bom tato e olho fino. Seus contos tem um ar de terra, vindo destes ventos que se espalham em nossas vidas e não nos damos conta, o seu tal Vento Sul.



Vilma, corre manso e largo na sua escrita, sem rcocós maiores, mais com estupefaciente exatidão do léxico, do ambiente ao qual pinta e põe seus personagens e enredo. A estrutura do seu conto é breve, como gosto, e no entanto ao final pensamos que lemos um romance, ela dá látex para isto na sua textualidade avantajada. As vozes polifônicas perfilam -se em amontoados de um brilho memorável Seus contos tem um quê do conto tradicional, na estrutura temporal, mas sem grandes delongas, na verdade seu conto é uma pintura com bordas de arte abstrata,o que me lembra Sophia de M.Bryner Andressen, que ela tão bem conhece.



O livro –Vento Sul-encontra-se divido em 4 partes- que aliás não compreendo o porquê, mas enfim percebo que nele se misturam contos e quase ensaios, ou poemas como que tendo um ar lispectoriano, ja que a memória nossa é associativa, mas confesso que não gosto de tais comparativos, enfim saiu, ta aí. De cara deparo-me com dois contos seus-Thereza e República Velha, são contos que deixam-me embeiçado ,pelo estilo, propriedade léxicas e concisão. Há uma poética do rompante que me eletriza na descrição do feminino do lugar da mulher historicamente neste país, do ideal de amor e companheirismo, e mesmo em passagens alucinantes a autora tece filigranas poéticas com uma malha estética muito poderosa e de fauna inusitada, por sois, ventos, bichos, gritos. Se em Thereza tais fatos exalam as relações maritais , no segundo, República Velha, ela retorna para mais poetar, ela enverga o macho e torce-lhe pelo amor e companhia. A puta não é uma qualquer, é aquela mulher eleita, que tantos querem como a verdadeira puta da vivência, do chamego do objeto do desejo, da mulher, do homem puto que necessita de outro de sua laia, e que por vezes não enxergamos ou não queremos, ou não podemos. Sei, lá o quê?



Vilma insinua-me estas questões para o convier entre companheiros é necessário nada e tudo. O macho atende a si e depois que desmascara a mulher com outro e passado algum tempo conclui: “...Dentro do silêncio que se fez, só quebrado por uns latidos de cachorro ao longe, completou já de pé: Puta por puta fico com ela que já estou acostumado. “ Não posso deixar de ler o silêncio cortado por latidos de cachorros, sim cachorros , que a autora nos oferece leiam como quiserem, e a decisão do outro. Em- Habitar – outro conto a autora é bachelardiana, lembrei-me da Poética do Espaço- de Gaston Bachelard -1977 ...”este é o ponto frágil da fantasia, que funda o absurdo, porque no íntimo ele sabe que a vida não vive. Negando a verdade cristalina, fingindo que não vê, parece que respira por um garagalo.. Mas não esta está só aqui, neste conto, se perfila em todos os contos da obra , como antes já anunciei. E isto faz uma trilha com-outros contos como: Encontro- Canto noturno de peixes, Zeca e Dedeco e por fim um grande conto poema –O vivo o morto: anotações de uma etnógrafa – “ .... A seta está cravada no vazio....neste ponto se esboça o gesto, abrindo espaço ä poesia... “ Vilma é uma poeta e tanto,e lembrando minha saudosa Sophia de M.B Adressen- “ Perfeito é não quebrar A imaginária linha Exacta é a recusa E puro é o nojo “-Mar Novo 1958.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Últimas palavras de Oswald de Andrade





*O ator Ayrton Salvanini interpreta em grande performance a última entrevista que Oswald de Andrade deu ao jornalista Frederico Branco. Nestes tempos de manifestações e reflexões sobre mudanças, estas palavras são muito bem vindas.

Um literato que fez e refez as palavras dos brasileiros. 

José Oswald de Sousa Andrade (SP, 1890-1954)


Patrícia de Freitas Camargo em A Ficção da Língua na Literatura Brasileira (http://bit.ly/oxUCIZ) fala de Oswald de Andrade em suas paródias e apropriações linguísticas para um projeto modernista nacional, ao mesmo tempo apontando sua ironia e preocupação em um pensar antropológico, dentro do quadro da nossa língua, com etnias variadas. Veja os poemas a seguir:



Brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
– Sois cristão?
– Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
– Sim, pela graça de Deus
– Canhém Babá Canhem Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
O Gramático
Os negros discutiam
que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou
Azorrague
– Chega! Paredoa!
Amarrados na escada
A chibata preparava os cortes
Para a salmoura
(Poemas da Colonização. Andrade, O. 1972:31)
Do mesmo modo, Beth Brait em seu último livro Literatura e Outras Linguagens (São Paulo: Ed. Contexto, 2010), bem como no artigo Estudos linguísticos e estudos literários: fronteiras na teoria e na vida (http://bit.ly/onBgK9), aponta que coube ao poeta modernista tematizar poeticamente a rica variedade da língua portuguesa. Sendo possível citar o seguinte poema:
erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
(Poemas menores. Andrade, O. 1972:115)
“J.M.P.S.” (da cidade do porto)

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria , além de contista e poeta com livros publicados .

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Audálio Dantas exemplo de jornalismo







Audálio Dantas,alagoano, há muito radicado em São Paulo. Este homem foi um guerreiro,sempre e sempre,ele além de Jornalista,escritor, poeta foi um  agitador cultural.Inesquecível na área jornalistica e sua conduta política,com destaque para o período da Ditadura militar.O poster abaixo-Facebook, via João Lopes/Ricardo Kotscho
Paulo Vasconcelos


João Lopes
1 h
MORREU O GRANDE JORNALISTA AUDÁLIO DANTAS, UM DIGNO CIDADÃO BRASILEIRO
30 De Maio De 2018 Ricardo Kotscho


Fiquei sabendo agora pela Thaís, neta dele, que trabalha com minha filha Mariana, uma notícia muito triste para todos os jornalistas e cidadãos brasileiros: morreu meu amigo Audálio Dantas, um cara que batalhou pela vida até o seu último suspiro.
Estive com ele poucos dias atrás num almoço com velhos amigos no Hospital Premier, onde ele viveu seus últimos dias, com a mesma dignidade de toda uma longa jornada de lutas, nem sei de quantos anos, porque até hoje há controvérsias, mas foram muitos, alguma coisa entre 80 e 90.
Trabalhou até onde deu, vivia com muito aperto apenas dos seus escritos, que lhe garantiam a sua sobrevivência e a da brava e unida família Dantas, comandada pela guerreira Vanira.
Audálio há tempos sofria de muitos achaques da saúde, um após outro, mas tenho certeza de que morreu foi mesmo de tristeza, ao ver o que fizeram do seu país, pelo qual sempre foi muito apaixonado.
Nas nossas últimas conversas, ele já estava desesperançado de que a nossa geração ainda conseguisse ver o Brasil com que sonhamos a vida toda, mais justo, mais humano, mais decente.
Sertanejo valente das Alagoas, este brasileiro de muito talento e firmeza foi um dos protagonistas da passagem da ditadura para a democracia, quando falar a verdade sobre o assassinato do jornalista Vlado Herzog nos porões da ditadura era correr risco de vida.
Para quem quiser saber mais sobre a sua história, é só entrar no Google, porque agora vou ao velório para ver se é verdade que ele morreu mesmo.
Homens como Audálio Dantas nunca deveriam morrer. Continuarão vivos na nossa lembrança como exemplo dos brasileiros que não se vergaram nunca.
Vida que segue para quem fica

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segunda-feira, 28 de maio de 2018

UMA RESENHA CORRETA DE PHILIP ROTH - por Mauro Donato DCM





DCM Divulgação


Fui leitor contumaz deste norte -americano P.Roth.Após sua morte, li resenhas e  resenhas sobre sua obra.Pensei até em escrever de meu próprio punho, mas encontrei esta do Mauro Donato* no Diário do Centro do Mundo,jornal a qual tenho estima.Tenho admiração, também, pelo Mauro, dentro de sua carreira jornalística , sua incursões  no  mundo fotográfico e na sua primeira obra literária que ainda não li-  “Além do pó” -Ed Chiado Books. Donato faz um mapeamento limpo, do autor principal aqui referido, cujos contornos batem com os meus, assim melhor exibí-lo pois é perfeito.Abaixo texto na integra: ......https://bit.ly/2ksH25S

Philip Roth sempre foi um antídoto contra ondas moralistas. Por Mauro Donato

Philip Roth é dos poucos autores que li toda a obra. E daqueles raros escritores que merecem releitura, pois muitos de seus livros abordam temas que se mostram atualíssimos.
Sociedade polarizada? Tem. Roth foi um mestre em descrever os habitantes de sua Newark natal, e os americanos como um todo, retratando magnificamente bem o comportamento e a personalidade de uma sociedade polarizada como os Estados Unidos nos anos imediatamente pré, durante e pós Segunda Guerra. Os republicanos, os comunistas, as perseguições, as delações que arruínam uma vida.
Já há muito tempo Philip Roth tratava – e alertava corajosamente – sobre o perigo dos julgamentos superficiais, sobre a incapacidade de se reconhecer a complexidade dos indivíduos e como precisam ser respeitados, como no romance A Marca Humana, no qual o professor Coleman Silk é acusado de racismo por ter se utilizado de um termo dúbio durante uma aula e então tem sua carreira e vida pessoal devastadas.
A obra de Roth é um tratado sobre as consequências de ondas moralistas que assolam o individualismo ao rotular e atacar sistematicamente alguém em razão de comportamentos translúcidos, mas não obrigatoriamente condenáveis e muito menos criminosos.
Nesses tempos de grande cinismo que vivemos, é sintomático que ele nunca tenha recebido um Nobel de literatura. A academia vinha levando a indicação em banho-maria, sobretudo após seu anúncio de aposentadoria em 2012. A premiação teria que vir pelo ‘conjunto da obra’ e o clube temia as patrulhas contemporâneas. O escritor seria alvo de apedrejamento por sua literatura ‘machista’ (deus ilumine essas pessoas que não sabem ler). Justo a academia, agora envolta em escândalo de assédio sexual entre seus membros. Irônico, não?
Não conceder o prêmio a alguém da estatura de Philip Roth diz muito mais sobre a academia do que sobre o escritor, cuja literatura é irreparável.
Sua literatura é de uma regularidade assombrosa, sempre um narrador onisciente, sempre um homem, quase sempre da faixa etária equivalente a do autor na época em que estava escrevendo a obra. Roth não fazia uso de recursos como narrar pelo ponto de vista de um feto, ou de um cão, ou de um defunto (e não que isso desmereça a obra de Machado de Assis, ou o genial Enclausurado de Ian McEwan, pelo contrário). Mas Roth nunca fez malabarismos para contar uma história muito bem contada, rica até a medula, através do subjetivismo. Não pode jamais, portanto, ser acusado de roubar o ‘lugar de fala’ de ninguém.
Grande parte de seus personagens – masculinos e não machistas – têm seu desejo sexual exposto a nu. O que não significa que o autor os glorifique. Muitos deles têm sua decrepitude igualmente exposta. Sim, isso se dá principalmente nos livros mais recentes dado, como já dito, a tal paridade entre idade do personagem e idade do próprio autor. Por isso é fundamental conhecer a obra de Roth como um todo e não por meio de pinças.
Uma das raras oportunidades em que Roth enveredou por uma narrativa distópica, resultou no brilhante Complô Contra a América, livro que faz a projeção de como seriam os Estados Unidos caso Charles Lindbergh, um piloto de avião (o primeiro a cruzar o Atlântico em voo solo), supremacista e anti-semita, tivesse vencido as eleições de 1940 no lugar de Franklin Roosevelt. Com amplo apoio dos republicanos, Lindbergh seria o cara certo para costurar uma aliança com os alemães no intuito de derrotar o comunismo. Os Estados Unidos tornariam-se aliados de Hitler e não teriam a imagem de guardiões do mundo com que se auto-intitulam. Embora ficcional, a obra é toda concebida sobre fatos e pessoas reais.
Philip Roth já fazia falta desde que parou de escrever. A irreversibilidade dessa condição deixou o mundo mais pobre de inteligência e humor.
*Apud Editora Chiado
Mauro Donato  por 
https://bit.ly/2xkWMkq


Nascido em São Paulo e publicitário de formação, Mauro Donato é jornalista, colunista dos sites DCM e Justificando, “Além do pó” é seu primeiro livro, fruto de pesquisas realizadas na cidade de Voghera (Italia) e baseado nos relatos de sobreviventes da Segunda Guerra e nas memórias dos momentos vividos junto ao protagonista partigiano

terça-feira, 22 de maio de 2018

A norma culta que se lasque!


E apoi, eu estou com Marcos Bagno há tempo.Concordo inteiramente.A língua é viva no certo e errado, a língua tem chupamento de razões do dizer, mode a vida, madre o contexto que se vive.E mais, há muita coisa que se desconhece na língua, falamos um português  antigo e com influências luso-espânicas. GUIMARÃES ROSA, JOSE LINS ,JORGE AMADO E MUITO OUTROS dizem o seu romance a língua viva , afora a literatura oral e  outras produções do povão que não chega ao grande público,  então que se lasque mesmo.

Vejam abaixo a entrevista em:



Marcos Bagno -
https://bit.ly/2KxWxEu

Marcos Bagno: "Toda e qualquer maneira de falar vale ouro na luta contra o fascismo!".


Uma acusação recorrente que se faz aos linguistas, especialmente aos sociolinguistas (que estudam as relações entre linguagem e sociedade), é que eles defendem o “vale-tudo” linguístico: para nós não existiria “certo” nem “errado”, apenas “variantes”, ou seja, formas alternativas de dizer a mesma coisa (por exemplo, “assistir o filme”/“assistir ao filme”). 

Nós, pesquisadores, costumamos nos defender dessas acusações com argumentos muito bem elaborados, apoiados nas teorias que orientam nossas investigações e conclusões. No caso da sociolinguística, os conceitos mais importantes com os quais lidamos são os de “variação” e “mudança”. O lema da nossa bandeira é: “Toda língua varia no espaço e muda com o tempo”. 

O espaço em que a língua varia é o espaço geográfico propriamente dito (pessoas de regiões diferentes falam de modo diferente), mas também o espaço social (pessoas de classes sociais diferentes falam de modo diferente). A mudança se processa no correr do tempo: o latim laxaremudou primeiro em leixar e depois em deixar. E, claro, a mudança não parou aí, porque deixar enfrenta hoje a concorrência de dexá, uma forma já plenamente vitoriosa na fala de todas as pessoas, sobretudo em situação informal, embora a ortografia provavelmente não venha a acompanhar a mudança na pronúncia, pois já deixou de fazer isso há muito tempo.

O que costumamos oferecer em defesa das nossas propostas de “reforma” da norma-padrão tradicional é o seguinte: quando uma forma inovadora (um "erro" na avaliação de senso comum) já alcançou a fala/escrita mais cuidada dos falantes urbanos mais letrados é porque essa inovação já se enraizou plenamente na língua de todas as pessoas, independentemente da classe social. Isso porque as inovações surgem, em geral, na fala mais espontânea das camadas médias-baixas da população. Aos poucos elas vão, como digo brincando, "subindo na vida", isto é, vão sendo incorporadas à atividade linguística das camadas superiores até que chegam ao topo da pirâmide, onde deixam de ser vistas como "erros".

Esse é um dos aspectos mais estudados na sociolinguística: a avaliação social da mudança linguística. Desse modo, muitas coisas que a tradição normativa condena como "erro" já estão plenamente incorporadas na atividade linguística de todos os falantes, incluindo os urbanos mais letrados. Nossa proposição, portanto, é do convívio dessas formas novas com as antigas: quem quiser continuar usando "assistir a X" que fique à vontade, mas não condene ninguém por usar "assistir X". 

Por outro lado (tudo isso é muito complexo, evidentemente), existem determinados usos linguísticos provenientes das camadas mais baixas da hierarquia social que jamais ultrapassam a barreira das classes, que nunca "sobem na vida". São principalmente realizações fonéticas, com destaque para "grobo", "pranta" etc. e "trabaiá", "muié" etc., ao lado de aspectos gramaticais, com destaque para a simplificação da morfologia verbal (nós fala, vocês fala, eles fala etc.).

Na sociolinguística falamos de "traços graduais" (formas que são empregadas por todos os falantes, variando apenas na frequência dos usos) e "traços descontínuos" (aqueles usos que não avançam na hierarquia social). É claro que, com o passar do tempo, essas avaliações vão mudando, e um bom exemplo é o "pra mim fazer" que comparece cada vez mais na fala de pessoas altamente letradas (cada vez mais encontro essa construção no uso de médicos, engenheiros, arquitetos, advogados e até de professores de português): assim, essa construção tem toda a chance de, daqui a 50 ou 100 anos, ser considerada correta ou mesmo a única correta.

O que eu e outras pessoas temos dito nas últimas décadas é que já passou da hora de aceitar sem mais reservas essas inovações linguísticas que constituem os “traços graduais” que descrevi acima. Por que censurar uma forma como “deixa eu entrar”, se ela é empregada por todas as pessoas no Brasil, do Caburaí ao Chuí? (Em tempo: se você acha que o Oiapoque é o ponto extremo norte do Brasil, revise sua geografia!)

Ora, pois muito bem. Uma leitora muito atenta, Ivete Santos, me escreveu há pouco para fazer uma pergunta daquelas que põem a gente contra a parede. Ela questiona se esse projeto de incorporar no padrão aquilo que já é plenamente aceito pelas camadas urbanas letradas não seria uma nova forma de elitismo, uma vez que desconsidera os usos das outras camadas sociais, infinitamente mais numerosas?

Para meu alívio, a resposta já foi dada por ninguém menos do que Carlos Alberto Faraco, um dos linguistas mais lúcidos que temos entre nós. Em texto de 2011, contido no livro Políticas da norma e conflitos linguísticos (Editora Parábola), ele escreve sem rodeios: “Nosso raciocínio de linguistas é, como se pode ver, muito sóbrio, muito ponderado, muito bem empiricamente informado e, digamos com todas as letras, conservador”.

Para muitos sociolinguistas, ser chamado de “conservador” é mais que um tapa na cara, é um soco no estômago. Mas Faraco tem toda a razão, porque, no fundo, ao querermos defender uma “norma culta” que inclua os usos já enraizados na atividade linguística das camadas urbanas letradas, o que estamos fazendo é aceitar “a hierarquização social das normas como ela está dada”, conforme ele escreve.

Ou seja: dizer “deixa eu entrar” não tem problema, é “norma culta” porque os falantes “cultos” empregam essa construção. Mas dizer “as pessoa só qué trabaiá em paz” não deve ser aceito, porque “sofre rejeição”. Sim, cara-pálida, mas rejeição de quem? Muita gente diria: sofre rejeição “da sociedade”. Mas desde quando a sociedade é um todo homogêneo, um bloco compacto? Essas formas sofrem rejeição de uma parcela da sociedade, isso sim, precisamente a parcela, ínfima, que ocupa as posições mais altas da pirâmide socieconômica, que tem acesso à boa escolarização e aos direitos da cidadania. Segundo Jessé Souza, essa parcela não chegaria a 20 por cento da população total. Faz aí as contas.

Já escrevi muito sobre essa necessidade de “reformar” o padrão de acordo com os usos das camadas urbanas letradas. Hoje estou revendo essa postura e radicalizando ideologicamente meu pensamento a esse respeito. Já sabemos que as “reformas” que não implicaram nenhum tipo de ruptura com a ordem social secularmente estabelecida acabaram nos jogando nesse abismo trágico, nesse pesadelo monstruoso que é o Brasil neste exato momento. A conciliação, o entregar os anéis para salvar os dedos, o se satisfazer com as migalhas do banquete, não permitiu nem vai permitir nunca acabar com o horror social que é ter um jovem negro assassinado a cada 27 minutos, uma mulher assassinada a cada hora e meia, que é ocupar uma liderança mundial no assassinato de LGBTs e de militantes ambientalistas, que é ter um total de 60.000 pessoas assassinadas por ano, mais que o número de civis mortos na guerra da Síria. E esse terrorismo de Estado só tende a se acentuar se a máfia que assaltou o poder permanecer nele.

Temos visto nos últimos tempos a luta e as conquistas arduamente obtidas pelas mulheres, pelas pessoas negras, pelas pessoas que vivem nas periferias pobres e violentas das cidades, pelas pessoas que se opõem à heteronormatividade sexual. Temos presenciado o crescimento de movimentos sociais poderosos como os dos trabalhadores sem terra e sem teto. Toda essa gente representa a imensíssima maioria da população brasileira. E sua visibilidade crescente, sua conquista de espaço e de voz não pode se expressar a não ser nos modos de falar que são as delas e os deles, que constituem seus corpos sociais naquilo que eles são, modos de falar que são o elemento mais importante na construção incessante de suas identidades. Se recusar a “adequar” sua linguagem ao que uma parcela da sociedade exige e espera é mais uma frente de batalha na guerra pela liberdade de existir, pela ocupação dos lugares sociais que são delas e deles de direito e que sempre lhes têm sido negados.

A norma culta que se lasque, que se dane, que se esboroe!A norma culta que vá ralar o cu nas ostras! Saber falar o “bom português” nunca permitiu a ascensão social de ninguém, ao contrário do que prega a propaganda enganosa da pequena, pequeníssima burguesia. A mulher negra pode ter absoluto domínio do “padrão culto”, mas já encontra muitas portas fechadas por ser mulher e negra. Então que jogue esse padrão, esse patrão no lixo e parta para a luta com as palavras que são dela!

A partir de hoje, quando me chamarem de defensor do vale-tudo vou dizer que sim, defendo o vale-tudo na língua. Se a elite reacionária, escravocrata e genocida se vale de tudo o que tem para não ceder um milímetro de sua riqueza obscena, e isso inclui evidentemente sua forma de usar a língua, ao lado dos golpes de Estado, das arbitrariedades judiciais e do uso explícito das armas de fogo contra o povo e seus verdadeiros representantes, não tem por que exigir dos oprimidos nenhum tipo de adequação, muito menos linguística.
Toda e qualquer maneira de falar vale ouro na luta contra o fascismo!

quinta-feira, 17 de maio de 2018

AVESSO DA PALAVRA


 
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“O que digo é um desdizer como cuspir para dentro, não reverbera”, “Tenho medo dos dicionários que dizem palavras presas”.





Um percurso pelo Avesso da Palavra
Palavra, tempo, memória: são as peças que escolho para seguir o fio que me conduz pelo Avesso da palavra.
É preciso de um fio condutor: existe um, dado pela sequência de poemas, e também vários, puxados por cada leitor, que se deixa perder na solidão da “cartografia vencida” do poeta, labiríntica como o ser.
Falo do poeta, mas falo de mim. Falo do poeta, mas do sujeito em devir. Permitem-me isso a ausência de títulos para os poemas, os movimentos que sugere cada parte do livro (uma ordem, entre outras possíveis), além do próprio jogo proposto pelo trabalho que é feito com a palavra.
Colocar a palavra pelo avesso, dobrá-la/desdobrá-la, é buscar pela “despalavra”, é “catar feijão”. É , como diria Roland Barthes, “trapacear” o tempo inteiro com a linguagem, como um jeito de não se aprisionar pelo seu “fascismo”: tentativa de dizer as coisas, o mundo, as coisas do mundo, por imagens, como no primeiro poema, em que tempo, morte e baía sem peixes e crustáceos são encadeados de forma a compor uma unidade que não se basta e é sempre movimento: “Os estômagos das palavras fazem cadeia [...] / Explosões destes estômagos e seus cais”.
O “homem palavra”, sujeito que se elabora nos poemas, reconhece que é feito de linguagem, mas anda “à procura de palavras para abafá-las”. E, embora as palavras sejam pouco para o mundo, contraditoriamente, é por meio delas que se pode “focinhar a vida e gritá-la como se assim ardesse menos”.
Assim é que Paulo Vasconcelos desnuda o teor do seu fazer poético, como é possível perceber em inúmeras passagens da travessia: “Eu lia com as mãos [...] / Eu aprendia com todo o corpo / Hoje fecharam as mãos para o mundo e se aprende só com as letras”, “O que digo é um desdizer como cuspir para dentro, não reverbera”, “Tenho medo dos dicionários que dizem palavras presas”.
Nesse jogo, entretanto, Vasconcelos faz reverberar, além da literatura oral, Manoel de Barros e João Cabral de Melo Neto, outras vozes, como a de Octavio Paz, para quem a imagem poética tem o objetivo de dizer o indizível. Escreve Vasconcelos: “Poemar é nada dizer dizendo o que é inacessível”.
É precisamente por conta dessa busca sem fim e pela impossibilidade de representar a realidade que, segundo o olhar de Barthes, existe a literatura. Dessa maneira, faz-se a poesia de Vasconcelos: “O real nos doerá para sempre” (Orides Fontela).
Por essa trilha, tempo e memória são tramados e destramados ao longo dos poemas, que, no desengasgar da palavra, expõem um sujeito que se reconhece incerto e se reelabora através da linguagem:
Meu coração não tem fibra
O poema dá-lhe franja
Mas não finjo nem digo
Apenas assoletro o que o juízo me dita
Junto com as minhas mentiras
Verdade escolhidas
No manto do homem palavra

Se a percorro de posse de uma “cartografia vencida” e colho os signos pelo avesso, a memória, o passado, com que me deparo é refeito “por imagens, por eflúvios, por afeto”:

Não sei de onde venho,
Não sei de onde fui,
Sei que sou de nada
Sou estampa desbotada entre pedaços de linhas retrós
Botões em costureiro velho

Nesse sentido, vários elementos são combinados de forma a compor uma espécie de mitologia pessoal, atravessada, além de leituras – algumas já destacadas – por diversos símbolos.
Estes remontam a tempos e espaços singulares (a infância, o Nordeste, a cidade de São Paulo...), entretanto, simultaneamente, mitificados: “No pão doce do meu pai / as abelhas estancavam [...]/ Pintando aos abanos as tardes na padaria”, “Caranguejos [...] / que silenciosamente confabulam com nichos de águas e dejetos assoletrando / Capibaribe”, “[ ...] o sol batendo nas arueira do sertão”, “Um coração vazio e aliviado como cabaça na seca”, “flores de sabugueiros”, “cianinhas brancas”, “Minha vó ao centro da máquina pedia-me / A colher e punha se a mexer o açúcar / Que coloria a casa de sabores de notas violadas”, pés de castanheiras, “E me apaulistei pouco a pouco mas nunca esquecerei / Das vogais do meu coco catolé”, “Nas vielas da cidade adotada falta cheiro de cajueiro / Tem ausências de cantares de borboletas no cio”, “Vendia abacaxi no centro e dizia o mior abacaxi de Sampalo com cheiro de me de abelha” são algumas das imagens que constituem um sujeito em devir: palavra, bicho, árvore, cidade...
O passado recuperado pelas palavras não é o espelhamento de uma sequência de fatos vivenciados por um verdadeiro eu, mas resultado de um processo de leitura e reescrita de si levado a cabo pelo sujeito múltiplo que ganha corpo nos poemas.
Sem pretender esgotar os sentidos para a poesia de Paulo Vasconcelos, esta breve travessia é, portanto, um convite para que o leitor trace seu rumo por entre as brechas da linguagem, por suas dobras. Mediante esse traçado, é possível desfrutar do prazer do texto, ao percorrer o espaço de fruição que se cria entre escritor e leitor pela dialética do desejo que entre eles se estabelece.

Antonio Laranjeira
Doutor em Teoria da Literatura
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

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