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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

GUARANI, O POVO QUE QUER SER FELIZ



por Isabel Lucas (imagens: Karina Freitas)





Abrindo rapidamente 

O Suplemento Pernambuco, Recife, Pe-CEPE, inda é pouco lido por estas bandas sudestinas, todavia suas fronteiras são amplas cobre o Brasil e o mundo com suas matérias.
Poucas revistas ou  suplementos culturais sobrevivem no Brasil de Hoje.A Companhia Editora de Pernambuco-CEPE é um dos suplementos de cultura  que se salvou face a esta onda, tsunami que cortou, fez desaparecer cadernos culturais.
Entre tantas matérias escolhi esta cujo olhar é  a questão dos originários da pátria e daqui de São Paulo, vale a pena ser lida.

GUARANI, O POVO QUE QUER SER FELIZ



Esta é a quarta reportagem da série Viagem ao país do futuro, na qual Isabel Lucas pensa o Brasil a partir da literatura e da realidade que a ficção representa. O trabalho é publicado em parceria com o jornal português Público. Exceto em situações que criem ambiguidade em relação ao português brasileiro, a grafia mantém o original da autora, escrito de acordo com o português de Portugal. As transcrições da Carta pras Icamiabas (cap. 9 de Macunaíma), que têm trechos propositalmente criados em desacordo com a norma gramatical, obedecem à versão estabelecida por Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo para o Macunaíma lançado pelo selo Penguin Companhia. 
***

Em São Paulo há uma aldeia guarani onde os habitantes reclamam o direito a escrever a sua história. Na sua língua e na língua dos brancos do Brasil. É uma escrita cheia de contaminações, talvez a única capaz de fazer sentido num país de identidade mestiça que Mário de Andrade satirizou no clássico Macunaíma, e Olívio Jekupé, o guarani, pratica nos livros que escreve para crianças. Estamos no mundo onde homens viram bicho, a morte não é para sempre e o lamento pode ter fim.

Maité caminha pela floresta. Vai sozinha, os galhos e as folhas contra o chão húmido debaixo dos pés a emitirem um som abafado. Tudo está quieto, as copas das árvores não mexem. Não fosse o canto dos pássaros no alto das árvores e dir-se-ia que o mundo tinha feito uma pausa. Maité desce um carreiro estreito até ao lago grande, uma massa de água a reflectir todo o verde à volta, num imenso espelho cor de musgo. Leva uma história na cabeça.


“Havia numa aldeia um guerreiro que parecia gente, mas não era. Era o Lua (em guarani, lua é masculino). Ele se fez de índio para poder fazer um pássaro que queria muito. Criou então uma menina e, quando ela cresce, ele diz que vai embora e deixa a filha. A filha fica na aldeia com a mãe e ele vai para o céu de novo. A menina começa a subir nas árvores para ver o pai. Ficava lá e toda a noite chorava. Com o passar do tempo ela virou mulher e a vida foi correndo até ela falecer. Quando ela falece, vira um pássaro chamado urutau. Em todas as aldeias a gente vai escutar a história do urutau. Em São Paulo, Paraná, Santa Catarina, existe esta história, esse mito.”


A história que Maité ouviu foi contada minutos antes, em guarani, pela avó, Maria Kerexu, e traduzida para português pelo tio, Tupã. Fala de recompensa, de verdade de sentimentos, de fidelidade, valores que os guaranis passam de geração em geração através da palavra dita na “cadência triste e melancólica particular aos índios”, como a definiu José de Alencar no romance O guarani. Maria tem essa toada que embala. Maité já a escutou em múltiplas versões da mesma história, dependendo da mensagem que a avó quer fazer passar, e ouviu-a mais uma vez com o semblante sério como diante do sagrado, os cachorros sentados por perto, o cantar dos galos em fundo. Agora caminha, o mesmo rosto sereno, passos certeiros sem pressa como se fosse impossível perder-se no mato denso que envolve a aldeia. Tem 10 anos, fala pouco. Sabe português, mas o seu pensamento é em guarani, a primeira língua que aprendeu e que partilha com sete milhões de pessoas no mundo concentradas na América do Sul. Maité pertence a uma minoria, dizimada, estereotipada, narrada pelas palavras dos outros, que conhece o preconceito e a exclusão. Ocupa um lugar na fatia estreita dos 0,26% da população indígena (dados da Funai) que compõem o conjunto dos 190 milhões de brasileiros. São cerca de 800 mil, segundo os censos de 2010. Em 1500, eram mais de três milhões, ou seja, 100% dos habitantes do território onde hoje é o Brasil. Em 1957, eram apenas 70 mil. Nunca haviam sido tão poucos.


Não se pode ler a história trágica de um povo no rosto de uma pessoa, mas também não se pode olhar o sorriso tímido de Maité sem pensar nisso. Responde às perguntas brevemente, uma ou duas palavras acompanhadas de um gesto que sublinha o que diz, e sempre com um sorriso como que a deixar claro que tudo está bem, que é mesmo assim, silenciosa. Conta que todos os dias, ao cair da noite, costuma fazer aquele caminho com a família em direcção à casa da reza onde a comunidade se junta para cumprir os rituais que fortalecem a identidade guarani, o povo que, em português, tem um nome que significa “guerreiro”. No regresso, já escuro, se não houver lua, acendem velas para iluminar os trilhos.


São duas da tarde, não há sol, o céu está cinzento mas há luz suficiente para sair do núcleo onde Maité vive com a família e ir sem tropeços, pelos carreiros mais estreitos, até ao centro da aldeia. Antes de sair, põe um gorro de lã. O inverno está no fim, não chove e estão quase 30 graus. Muito quente para um gorro. “Tenho vergonha”, justifica, enquanto compõe uma madeixa de cabelo, o rosto corado ciente da perplexidade de quem a olha e que ela não é capaz de desfazer. Desce depois a vereda, perdendo-se nas árvores.


“Maité virou mulher”, dirá Olívio Jekupé quando a neta já não estiver por perto. “Quando uma menina vira mulher, tem de cortar o cabelo bem curto e ficar uma semana em casa. As pessoas veem o cabelo curto e sabem que agora ela é mulher, por isso ela fica com vergonha.”


Maité fez o que fazem todas as mulheres que cumprem os preceitos da cultura guarani. Cortou o cabelo e resguardou-se, “porque a natureza a mudou”. Tupã, o tio, também fez o que fizeram todos os homens guaranis antes dele. “É quando a gente passa da adolescência para virar homem, pelos 14, 15 anos. A minha mãe é tradicional e ela pedia para eu ficar em casa um mês, dois meses, sem sair, sem pescar, sem caçar. A gente não pode ir no rio nem na floresta porque a gente espalha nosso cheiro e atrai muito bicho. Se eu atrair uma cobra, um sapo, ela vem até mim, eu posso me apegar ao bicho, levá-lo para minha casa e se eu me apegar posso ficar muito louco e me matar. E depois que eu morrer posso virar esse sapo. Já vi isso aqui. Eu tinha 10 anos e aconteceu nesse cemitério que a gente tem. Eu vi esse acontecimento.”


Tupã conta a sua história como se quisesse também traduzir para português a tal cadência que só é possível em guarani. Para um estranho, esse momento é o da percepção do corte, da certeza da impossibilidade de chegar à verdade que Tupã quer fazer passar a quem não é guarani. Como toda a tradução, esconde uma maior ou menor dose de equívoco inerente ao acto de verter de uma língua não apenas palavras, mas uma cultura. No caso, é mais do que isso: as palavras de Tupã também cruzam uma linha entre realidade e ficção, factos e pensamento mágico; semeiam múltiplos sentidos que podem ser capazes de activar a imaginação e, se forem palavras escritas, podem ser literatura.


Tupã, como Maria Kerexu, como Olívio Jekupé — os seus pais —, fala como quem escreve, transportando quem o ouve para a dimensão onde se criam os mitos. “Que nem minha mãe, eu sou um pouco contador de histórias. Sempre ouvi muita história. O primeiro texto que escrevi foi sobre esse acontecimento muito forte e que vi de longe porque era criança e não podia entrar”, continua, remetendo para o episódio do homem que “virou” bicho no cemitério. “Lembro que quando acontece isso a gente tem de tirar o corpo da terra e queimar tudo, porque se vira bicho é para comer gente, é porque não morreu. O bicho sai e fica por aí e a gente tem de matar.” Tupã tinha 10 anos, a idade de Maité, e escreveu o seu primeiro texto sobre isso, com palavras em guarani e português. Anos mais tarde, quando “virou” homem e a mãe lhe pediu que ficasse em casa, observou o mito que ele próprio redigiu e obedeceu. Essa é uma reivindicação dos guaranis e das restantes 303 etnias indígenas no Brasil: terem as ferramentas para poder escrever as próprias narrativas e dar a sua versão da História.


Tupã, Maité e Olívio têm telemóvel, escrevem em computador, tocam violão, vestem-se como qualquer pessoa numa qualquer cidade do mundo. Olívio Jekupé explica: “A gente quer que os nossos jovens tenham cultura. Aqui na aldeia há uma cultura forte, a mentalidade é guarani, não é a da cidade. Agora a gente não pode fugir a certas coisas, elas existem, mas é preciso preservar a cultura e, em particular, a cultura guarani. Muita gente vê e diz: ‘esses aí nem parece índio’, por causa do cabelo cortado, do chinelinho no pé. Não importa, se você tem a cultura o resto vai acontecendo. Se perde, é ruim. Há aldeias em que os índios já perderam toda a cultura, perderam a língua. Se um índio perde a língua… ah, a mentalidade vem da língua.”


Seria então isso que se poderia ler no rosto de Maité? Uma pertença? Os estereótipos não costumam ter nome nem expressão nos olhos, uma língua inteira em que comunicar e perceber o preconceito, por exemplo. “Na cidade é uma coisa comum. Olham com uma visão superior a nós e por causa dessa visão o índio é sempre mal visto. Quando vou dar uma palestra percebo isso, eles rindo, ‘será que sabem falar?’ Quando me apresentam como escritor, ou ao meu filho, ficam de olho arregalado e aí já começa a mudar. Mas quando vê um índio já tem o preconceito. E o índio quando começa a perder a sua língua também passa a ter uma relação de superioridade em relação ao outro índio. O próprio índio passa a cometer o erro. De tal forma que muitas vezes existe preconceito dentro da própria aldeia.”


Já se ouviu falar de tudo mas nunca contado assim. Os olhos sem rancor, apenas uma tristeza funda, um lamento cheio de dignidade. Está de cócoras, à altura de quem o ouve. “Há um posto de saúde aqui na aldeia. Agora dizem que querem acabar com prestação de saúde nas comunidades indígenas, que o índio vá e pegue o ónibus até Parelheiros, fazer como todo o mundo faz. Mas isto foi uma conquista. A gente sabia do sofrimento antigamente, ir lá na cidade, a pé, depois chegar e ainda sofrer o preconceito. Os médicos nem olhavam na cara da gente. E agora? Vai acabar?”


Olívio não tem resposta, quer apenas que o escutem, que saibam a sua versão de uma história em que ele e os que são como ele têm sido subalternizados. “A minha intenção sempre foi a de ser escritor; escrever e publicar livros, porque sempre acreditei que a literatura tem que chegar no povo, porque chegando no povo as pessoas vão valorizar mais o índio. O índio é sempre desvalorizado. Por quê? Por falta de conhecimento. O índio no Brasil é visto como selvagem, preguiçoso, cachaceiro, vagabundo. E quando o índio é inteligente falam que não é mais índio. Quando sabem que estudei na USP e sou escritor, dizem: ‘então o cara não é índio’.”


Olívio Jekupé é escritor, estudou Filosofia na Universidade de São Paulo, tem 18 livros publicados, um com a mulher, Maria Kerexu. “Pode-se dizer que ela é a primeira escritora indígena no Brasil que não sabe ler nem escrever”, diz, sorriso irónico a tentar encontrar os olhos de Maria que não desvia a atenção da roca que vai tecendo, um dos brinquedos de bebé que depois irá vender nas feiras. O artesanato é a maior fonte de receitas da aldeia. Ela tem as mãos ágeis, olhos e ouvidos atentos a tudo ao redor. Mas não os desvia para confirmar ou desafiar a afirmação do marido. Apenas se notou orgulho, tanto na procura dele como no aparente descaso dela. O livro existe, chama-se A mulher que virou urutau e foi a resposta a uma humilhação.


Antes, falemos do lugar onde estão. Chama-se Krukutu. É uma aldeia no extremo sul do município de São Paulo, junto à fronteira com São Bernardo do Campo. É uma paisagem de mata atlântica, a que sobreviveu ao avanço dos cafezais, do desmatamento, das queimadas. Fica a pouco mais de 50 quilómetros do centro de São Paulo e a duas, três, quatro, cinco horas de distância pela Rodovia dos Imigrantes que termina na cidade costeira de Santos. O tempo depende do fluxo do trânsito. É um sobe e desce constante entre construção sempre densa. Primeiro, prédios, depois aglomerados sem ordem, até às casas de um ou dois pisos pintadas de cores garridas, lojas de quase tudo, miniesplanadas de improviso num passeio ou na sarjeta, gente a caminhar com qualquer coisa na mão, paragens de autocarros com filas, um formigueiro com 10, 20, 30 quilómetros, até a cidade dar tréguas ao mato. Perto de uma povoação chamada Parelheiros, há um desvio para uma estrada de terra, ainda gente a caminhar nas bermas, uma placa a anunciar “Vende-se Pão” e quatro quilómetros de buracos e pó até chegar a Krukutu, onde vivem “60 famílias, ou 270 cabeças”, precisa Arlindo, segurança da aldeia e responsável por anotar “todos os nomes, datas de nascimento e morte” de quem vive ou viveu por ali.


Arlindo veio do Paraná, o estado vizinho a sul, faz 10 anos. “Aqui tem mais recursos. Lá a gente faz trabalho na lavoura, pesado, e não ganha nada. Isso é que é problema”, diz ao passar pelo posto de saúde, pela escola, a casa de reza, o centro da aldeia que congrega todos os serviços comunitários. “Aqui tem mais criança do que adulto”, continua. Ele tem quatro do segundo casamento e oito netos no Paraná. Cala-se. Só se ouvem os passos pesados de Arlindo, o chilreio dos pássaros e finalmente uma frase: “Isso dá saúde pra gente.”


Isto ainda é São Paulo. Não é bem uma certeza, é mais uma ladainha que se repete mentalmente até ganhar um corpo, um halo de verdade. Isto ainda é São Paulo. Isto ainda é o Brasil: tempos, culturas, línguas sobrepostas à procura de um rumo, a construir uma identidade comum.


AS VERSÕES DA HISTÓRIA
“Ás mui queridas súbditas nossas, Senhoras Amazonas.
Trinta de Maio de Mil Novecentos e Vinte e Seis,
São Paulo.

Senhoras:
(...) É bem verdade que na boa cidade de São Paulo — a maior do universo, no dizer de seus prolixos habitantes — não sois conhecidas por ‘icamiabas’, voz espúria, sinão pelo apelativo de Amazonas; e de vós, se afirma, cavalgardes ginetes belígeros e virdes da Hélade clássica; e assim sois chamadas.”

Neoliberalismo, a nova forma do totalitarismo; privatiza direitos, destrói solidariedades e desencadeia extermínios




Foto: Bob Sousa/Revista Cult

Sempre clara,indo direto ao ponto, odiada pela direita conservadora Marilena Chauí vai certeira ao alvo.Muito antes da VAZAJATO ela já descrevia quem era o SR.Sergio Moro-2016 e ao que ele se prestava. Apontava seu engajamento aos EUA e as ordens que deveriam ser executadas.Lembremos:0:23 / 4:32 MARILENA CHAUÍ: SERGIO MORO E JOSÉ SERRA CONTRA O BRASIL E O PRÉ-SAL.
Aqui, neste texto-abaixo- ela disseca  termos fascismo e neofascismo para descrever criticamente nosso presente. VIOMUNDO

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Neoliberalismo: a nova forma do totalitarismo




Por Marilena Chauí
Tornou-se corrente nas esquerdas o uso de termos fascismo e neofascismo para descrever criticamente nosso presente.
Estamos acostumados a identificar o fascismo com a presença do líder de massas como autocrata. É verdade que, hoje, embora os governantes, não se alcem à figura do autocrata, operam com um dos instrumentos característico do líder fascista, qual seja, a relação direta com “o povo”, sem mediações institucionais e mesmo contra elas. Também, hoje, se encontram presentes outros elementos próprios do fascismo: o discurso de ódio ao outro – racismo, homofobia, misoginia; o uso das tecnologias de informação que levam a níveis impensáveis as práticas de vigilância, controle e censura; e o cinismo ou a recusa da distinção entre verdade e mentira como forma canônica da arte de governar.
No entanto, não emprego esse termo por três motivos: (a) porque o fascismo tem um cunho militarista que, apesar das ameaças de Trump à Venezuela ou ao Irã, as ações de Nathanayu sobre a faixa de Gaza, ou a exibição da valentia do homem armado pelo governo Bolsonaro e suas ligações com as milícias de extermínio, não podem ser identificados com a ideia fascista do povo armado; (b) porque o fascismo propõe um nacionalismo extremado, porém a globalização, ao enfraquecer a ideia do Estado-nação como enclave territorial do capital, retira do nacionalismo o lugar de centro mobilizador da política e da sociedade; (c) porque o fascismo pratica o imperialismo sob a forma do colonialismo, mas a economia neoliberal dispensa esse procedimento usando a estratégia de ocupação militar de um espaço delimitado por um tempo delimitado para devastação econômica desse território, que é abandonado depois de completada a espoliação.
Em vez de fascismo, denomino o neoliberalismo com o termo totalitarismo, tomando como referência as análises da Escola de Frankfurt sobre os efeitos do surgimento da ideia de sociedade administrada.
O movimento do capital transforma toda e qualquer realidade em objeto do e para o capital, convertendo tudo em mercadoria, instituindo um sistema universal de equivalências próprio de uma formação social baseada na troca pela mediação de uma mercadoria universal abstrata, o dinheiro.
A isso corresponde o surgimento de uma prática, a da administração, que se sustenta sobre dois pilares: o de que toda dimensão da realidade social é equivalente a qualquer outra e por esse motivo é administrável de fato e de direito, e o de que os princípios administrativos são os mesmos em toda parte porque todas as manifestações sociais, sendo equivalentes, são regidas pelas mesmas regras. A administração é concebida e praticada segundo um conjunto de normas gerais desprovidas de conteúdo particular e que, por seu formalismo, são aplicáveis a todas as manifestações sociais. A prática administrada transforma uma instituição social numa organização.
Uma instituição social é uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, sendo estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos. Sua ação se realiza numa temporalidade aberta ou histórica porque sua prática a transforma segundo as circunstâncias e suas relações com outras instituições.
Em contrapartida, uma organização se define por sua instrumentalidade, fundada nos pressupostos administrativos da equivalência. Está referida ao conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular, ou seja, não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações, isto é, estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito, por isso sua temporalidade é efêmera e não constitui uma história.
Por que designar o neoliberalismo como o novo totalitarismo?
Totalitarismo: por que em seu núcleo encontra-se o princípio fundamental da formação social totalitária, qual seja, a recusa da especificidade das diferentes instituições sociais e políticas que são consideradas homogêneas e indiferenciadas porque são concebidas como organizações. O totalitarismo é a afirmação da imagem de uma sociedade homogênea e, portanto, a recusa da heterogeneidade social, da existência de classes sociais, da pluralidade de modos de vida, de comportamentos, de crenças e opiniões, costumes, gostos e valores.
Novo: por que, em lugar da forma do Estado absorver a sociedade, como acontecia nas formas totalitárias anteriores, vemos ocorrer o contrário, isto é, a forma da sociedade absorve o Estado. Nos totalitarismos anteriores, o Estado era o espelho e o modelo da sociedade, isto é, instituíam a estatização da sociedade; o totalitarismo neoliberal faz o inverso: a sociedade se torna o espelho para o Estado, definindo todas as esferas sociais e políticas não apenas como organizações, mas, tendo como referência central o mercado, como um tipo determinado de organização: aempresa – a escola é uma empresa, o hospital é uma empresa, o centro cultural é uma empresa, uma igreja é uma empresa e, evidentemente, o Estado é uma empresa.
Deixando de ser considerada uma instituição pública regida pelos princípios e valores republicano-democráticos, passa a ser considerado homogêneo ao mercado. Isto explica porque a política neoliberal se define pela eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos, que aumenta todas as formas de desigualdade e exclusão.
O neoliberalismo vai além: encobre o desemprego estrutural por meio da chamada uberização do trabalho e por isso define o indivíduo não como membro de uma classe social, mas como um empreendimento, uma empresa individual ou “capital humano”, ou como empresário de si mesmo, destinado à competição mortal em todas as organizações, dominado pelo princípio universal da concorrência disfarçada sob o nome de meritocracia.
O salário não é visto como tal e sim como renda individual e a educação é considerada um investimento para que a criança e o jovem aprendam a desempenhar comportamentos competitivos. O indivíduo é treinado para ser um investimento bem sucedido e para interiorizar a culpa quando não vencer a competição, desencadeando ódios, ressentimentos e violências de todo tipo, destroçando a percepção de si como membro ou parte de uma classe social e de uma comunidade, destruindo formas de solidariedade e desencadeando práticas de extermínio.
Quais são as consequências do novo totalitarismo?
– social e economicamente, ao introduzir o desemprego estrutural e a terceirização toyotista do trabalho, dá origem a uma nova classe trabalhadora denominada por alguns estudiosos com o nome de precariado para indicar um novo trabalhador sem emprego estável, sem contrato de trabalho, sem sindicalização, sem seguridade social, e que não é simplesmente o trabalhador pobre, pois sua identidade social não é dada pelo trabalho nem pela ocupação, e que, por não ser cidadão pleno, tem a mente alimentada e motivada pelo medo, pela perda da autoestima e da dignidade, pela insegurança;
– politicamente põe fim às duas formas democráticas existentes no modo de produção capitalista: (a) põe fim à socialdemocracia, com a privatização dos direitos sociais, o aumento da desigualdade e da exclusão; (b) põe fim à democracia liberal representativa, definindo a política como gestão e não mais como discussão e decisão públicas da vontade dos representados por seus representantes eleitos; os gestores criam a imagem de que são os representantes do verdadeiro povo, da maioria silenciosa com a qual se relacionam ininterruptamente e diretamente por meio do twitter, de blogs e redes sociais – isto é, por meio do digital party –, operando sem mediaçãoinstitucional,pondo em dúvida a validade dos parlamentos políticos e das instituições jurídicas, promovendo manifestações contra eles; (c) introduz a judicialização da política, pois, numa empresa e entre empresas, os conflitos são resolvidos pela via jurídica e não pela via política propriamente dita. Em outras palavras, sendo o Estado uma empresa, os conflitos não são tratados como questão pública e sim como questão jurídica, no melhor dos casos, e como questão de polícia, no pior dos casos; (d) os gestores operam como gangsters mafiosos que institucionalizam a corrupção, alimentam o clientelismo e forçam lealdades. Como o fazem? Por meio do medo. A gestão mafiosa opera por ameaça e oferece “proteção” aos ameaçados em troca de lealdades para manter todos em dependência mútua. Como os chefes mafiosos, os governantes também têm os consiglieri, conselheiros, isto é, supostos intelectuais que orientam ideologicamente as decisões e os discursos dos governantes, estimulando o ódio ao outro, ao diferente, aos socialmente vulneráveis (imigrantes, migrantes, refugiados, lgbtq+, sofredores mentais, negros, pobres, mulheres, idosos) e esse estímulo ideológico torna-se justificativa para práticas de extermínio; (e)transformam todos os adversários políticos em corruptos, embora a corrupção mafiosa seja, praticamente, a única regra de governo; (f) têm controle total sobre o judiciário por meio de dossiês sobre problemas pessoais, familiares e profissionais de magistrados aos quais oferecem “proteção” em troca de lealdade completa (e quando o magistrado não aceita o trato, sabe-se o que lhe acontece);
– ideologicamente, com a expressão “marxismo cultural”, os gestores perseguem todas as formas e expressões do pensamento crítico e inventam a divisão da sociedade entre o bom povo, que os apoia, e os diabólicos, que os contestam. Por orientação dos consiglieri, pretendem fazer uma limpeza ideológica, social e política e para isso desenvolvem uma teoria da conspiração comunista, que seria liderada por intelectuais e artistas de esquerda. Os conselheiros são autodidatas que se formaram lendo manuais e odeiam cientistas, intelectuais e artistas, aproveitando-se do ressentimento que a extrema direita tem por essas figuras. Como tais conselheiros estão desprovidos de conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos, empregam a palavra “comunista” sem qualquer sentido preciso: comunista significa todo pensamento e toda ação que questionem o status quo e o senso-comum (por exemplo: que a terra é plana; que não há evolução das espécies; que a defesa do meio ambiente é mentirosa; que a teoria da relatividade não tem fundamento, etc.). São esses conselheiros que oferecem aos governantes os argumentos racistas, homofóbicos, machistas, religiosos, etc., isto é, transformam medos, ressentimentos e ódios sociais silenciosos em discurso do poder e justificativa para práticas de censura e de extermínio;
– a dimensão planetária da forma econômica neoliberal faz com que não exista um “fora” do capitalismo, uma alteridade possível, levando à ideia de “fim da história”, portanto à perda da ideia de transformação histórica e de um horizonte utópico. A crença na inexistência da alteridade é fortalecida pelas tecnologias de informação, que reduzem o espaço ao aqui, sem geografia e sem topologia (tudo se passa na tela plana como se fosse o mundo) e ao agora, sem passado e sem futuro, portanto sem história (tudo se reduz a um presente sem profundidade). Volátil e efêmera, nossa experiência desconhece qualquer sentido de continuidade e se esgota num presente vivido como instante fugaz;
– a fugacidade do presente, a ausência de laços com o passado objetivo e de esperança em um futuro emancipado, suscitam o reaparecimento de um imaginário da transcendência. Assim, a figura do empresário de si mesmo é sustentada e reforçada pela chamada teologia da prosperidade, desenvolvida pelo neopentecostalismo. Mais do que isso. Os fundamentalismos religiosos e a busca da autoridade decisionista na política são os casos que melhor ilustram o mergulho na contingência bruta e a construção de um imaginário que não a enfrenta nem a compreende, mas simplesmente se esforça por contorná-la apelando para duas formas inseparáveis de transcendência: a divina (à qual apela o fundamentalismo religioso) e a do governante (à qual apela o elogio da autoridade forte).
Diante dessa realidade, muitos afirmam que vivemos num mundo distópico, no qual as distopias são concebidas sob a forma da catástrofe planetária e do medo. Vale a pena, entretanto, mencionar brevemente a diferença entre utopia e distopia.
A utopia é a busca de uma sociedade totalmente outra que negue todos os aspectos da sociedade existente. É a visão do presente sob o modo da angústia, da crise, da injustiça, do mal, da corrupção e da rapina, do pauperismo e da fome, da força dos privilégios e das carências, ou seja, o presente como violência nua. Por isso mesmo é radical, buscando a liberdade, a fraternidade, a igualdade, a justiça e a felicidade individual e coletiva graças à reconciliação entre homem e natureza, indivíduo e sociedade, sociedade e poder, cultura e humanidade. Uma utopia não é um programa de ação, mas um projeto de futuro que pode inspirar ações que assumem o risco da história, fundando-se na ação humana como potência para transformar a realidade, tornando-se imanentes à história, graças à ideia de revolução social.
A distopia tem um significado crítico inegável ao descrever o presente como um mundo intolerável, porém corre o risco de transformá-lo em fantasma e rumar para o fatalismo, a imobilidade e o desalento do fim da história. A utopia também parte da constatação de um mundo intolerável, mas em lugar de curvar-se a ele, trabalha para colocá-lo em tensão consigo mesmo para que dessa tensão surjam contradições que possam ser trabalhadas pela práxis humana. A imobilidade distópica decorre de sua estrutura fantasmática: nela, o intolerável não é o ponto de partida e sim o ponto de chegada. Ao contrário, a mobilidade utópica provém de sua energia como projeto e práxis, como trabalho do pensamento, da imaginação e da vontade para destruir o intolerável: o intolerável é seu ponto de partida e não o de chegada.
Se a utopia é a visão do presente sob o modo da angústia, da crise, da injustiça, do mal, da corrupção e da rapina, do pauperismo e da fome, da força dos privilégios e das carências, do presente como violência intolerável, não podemos abrir mão da perspectiva utópica nas condições de nosso presente.
*Marilena Chaui é professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

"Recife e o Brega-Funk"

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Olá a todos que nos acompanham


Professor, e agora?








Daniel Carvalho




¨ queria escrever um poema em homenagem às professoras e professores... desculpa por não conseguir.é que a gente é triste, josé! ¨Daniel Carvalho



Professor é um poeta um ator e criador: entende,enxerga o outro , o poema  e ao faze-lo exclama , grita, põe-se para fora o que nos empurraram goela a dentro : a poesia nasce , conjumina-se à outra, como na paródia drummodiana..

Como disse Natalia Correa:
 Oh! subalimentados do sonho: A poesia é para comer!
Bravo DANIEL!

acervo do artista facebook

A ditadura militar na ficção contemporânea brasileira: entrevista com Berttoni Licarião






Regina Dalcastagnè para Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea 

Regina Dalcastagnè
Academia.edu



ABRINDO

Regina Dalcastagnènos aponta uma excelente entrevista no foco-desejo de alteridade ou, de outro modo, ¨ sobre a ditadura militar no Brasil, da relação entre história e literatura e do papel que  a ficção pode desempenhar na nossa percepção do passado, particularmente, dos chamados “passados traumáticos”
Nos apresenta um paraibano: Berttoni Licarião- doutorando -em término- Literatura UNB, ora radicado em Brasília.
Vamos ao texto:

“Com a literatura podemos aprender a perceber o outro, não com a cientificidade que dedicamos a um objeto de estudo, mas como desejo de alteridade que renova o mundo e humaniza as diferenças”.
Bruno Leal entrevista Berttoni Licarião
Há pouco mais de um ano, o Café História transferiu-se do Rio de Janeiro para Brasília. Desde então, temos encontrado na Capital Federal incontáveis pesquisadores talentosos, versáteis e com muito a dizer. Do Plano Piloto a Ceilândia, passando por Taguatinga, o cerrado vive um momento de grande vitalidade, talvez inédito, no campo universitário, cultural e das letras. Um desses talentos é o jovem Berttoni Cláudio Licarião, de 34 anos.
Paraibano, mas mas vivendo na capital desde 2015, Licarião tem um conceituado (e engajado) perfil literário no Instagram (o @literatoni), onde comenta e sugere livros, e está na reta final de seu doutorado em literatura, que realiza na Universidade de Brasília (UnB). Seu tema: a ditadura na ficção contemporânea brasileira.


Literatura e ditadura,o principal interesse acadêmico de Licarião. Foto: Berttoni Cláudio Licarião.
Literatura e ditadura,o principal interesse acadêmico de Licarião. Foto: Berttoni Cláudio Licarião.

Em entrevista concedida ao editor do Café História, o historiador Bruno Leal, Licarião fala sobre o boom dos livros de ficção sobre a ditadura militar no Brasil, da relação entre história e literatura e do papel que a ficção pode desempenhar na nossa percepção do passado, particularmente, dos chamados “passados traumáticos”. Segundo Licarião, “ciente dos perigos do silenciamento (afinal, a primeira vítima das ditaduras sempre será a linguagem), a literatura passa a representar uma oportunidade de combater nosso déficit de memória e garantir um espaço para a elaboração do luto, de maneira que possamos escapar às voltas violentas do recalcado”.
Parece haver uma profusão, nos últimos anos, de livros de ficção sobre a ditadura militar brasileira. Isso está mesmo ocorrendo? Se sim, como você explica o fenômeno?
Sem dúvida que sim. A literatura tem tratado da ditadura brasileira desde os primeiros dias do golpe de 1964, seja por meio de poemas, contos, romances, testemunhos ou jornalismo literário. Hoje, já é possível atribuir conjuntos de obras a períodos bem marcados como, por exemplo, a literatura de testemunho das décadas de 1970 e 1980 ou, ainda, as obras mais claramente de resistência publicadas sob o AI-5, como Incidente em Antares (Erico Verissimo, 1971), Sombras de reis barbudos (José J. Veiga, 1972) e As meninas (Lygia Fagundes Telles, 1973). No entanto, se tomarmos os livros em circulação no atual mercado editorial e as obras validadas por estudos críticos nos últimos 35 anos, um breve levantamento da literatura brasileira que tem a ditadura como pano de fundo ou tema principal revelará que a última década foi umas das mais prolíficas em publicações: em um universo de 110 obras que consegui catalogar até o momento quase metade (53) foi publicada entre 2010 e 2019.
Uma das razões que posso articular para explicar esse fenômeno tem a ver com os “ciclos de memória cultural”, conceito desenvolvido pela pesquisadora estadunidense Rebecca J. Atencio para caracterizar o surgimento simultâneo, seja por coincidência ou de maneira intencional, de uma dada obra (ou conjunto de obras) e mecanismos institucionais que carregam importância histórica. Atencio se debruça sobre vários desses ciclos ao longo da história recente do Brasil, estabelecendo como primeiro exemplo a intersecção gerada entre a promulgação da Lei da Anistia de 1979 e o surgimento dos relatos O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira, no mesmo ano, e Os carbonários, de Alfredo Sirkis, publicado no ano seguinte. Para Atencio, a análise das relações entre mecanismos institucionais e a produção artístico-cultural evidencia interações profundas e complexas no tocante ao processo de construção de memórias coletivas e individuais.
Nessa perspectiva, o rebuliço memorialista despertado pelos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) trouxe um novo fôlego à produção ficcional da última década, transformando a literatura num palco para o acerto de contas entre história nacional e memória coletiva. Com o impulso das audiências públicas e dos relatórios das comissões estaduais e nacional, falar sobre o trauma da ditadura deixou de ser um imperativo de sobreviventes e familiares para atingir as esferas mais amplas da produção cultural. Ciente dos perigos do silenciamento (afinal, a primeira vítima das ditaduras sempre será a linguagem), a literatura passa a representar uma oportunidade de combater nosso déficit de memória e garantir um espaço para a elaboração do luto, de maneira que possamos escapar às voltas violentas do recalcado. Além disso, a estreita relação entre a impunidade da violência da ditadura e o recrudescimento da violência policial observada hoje no Brasil dirige o olhar de escritoras e escritores para o passado recente, como forma de compreender os resquícios de autoritarismo que afetam nossa democracia.
Sua tese tem o título provisório de Estado de memória: a ditadura na ficção contemporânea brasileira. Explique, por favor, o que exatamente você está estudando no seu doutorado.
A tese se concentra na produção literária brasileira sobre a ditadura publicada na última década, especialmente a partir dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014). Diante da paisagem de extrema violência que caracteriza toda nossa história, a CNV representou um retorno do recalcado, na medida em que escancarou uma memória traumática não trabalhada coletivamente. Em minha leitura, acredito que os últimos 34 anos foram marcados por um processo de individualização dos crimes contra a humanidade, na medida em que o país não assumiu a tarefa de superar o golpe de 64 como um trauma coletivo e o deixou circunscrito a tragédias pessoais. Logo, nosso processo de recuperação dessa memória foi pervertido e limitou-se, com raras exceções, a medidas paliativas de retratação e indenizações. A Lei da Anistia de 1979 contribuiu sobremaneira para essa normatização do esquecimento, promovendo aquele “apagamento do erro” de que fala Paul Ricouer. Aqui, a anistia engendrou amnésia, e o luto de cada família ficou restrito à esfera do privado, carente de justiça. Torturadores seguem impunes, beneficiados pelo “mal de Alzheimer nacional”.1
Investigo, portanto, de que maneira a individualização do trauma da ditadura, bem como a política de apagamento promovida pela Lei da Anistia de 1979, têm se manifestado na produção ficcional dos últimos anos. O recorte é analisado a partir do que chamei nosso “estado de memória”, uma condição que se define pela permanência do autoritarismo como objeto traumático alojado no corpo das obras estudadas, e que toma o campo da memória cultural como um espaço de confronto que interpreta e discute a experiência coletiva. A tese apresenta um breve panorama das ficções publicadas no último decênio, mas se concentra com mais fôlego nas obras de Bernardo Kucinski — K: Relato de uma busca (2011), Você vai voltar pra mim e outros contos (2014) e Os visitantes (2016) — e na Trilogia infernal de Micheliny Verunschk — composta pelos romances Aqui, no coração do inferno (2016), O peso do coração de um homem (2017) e O amor, esse obstáculo (2018). Escritas após a redemocratização e a abertura de Comissões da Verdade, essas narrativas representam a vivência do trauma de diferentes perspectivas, definidas pelo grau de crueldade e extermínio da máquina repressora, e pelo papel que a memória do período exerce no imaginário do país hoje.
O que podemos entender com a memória da ditadura na ficção contemporânea brasileira? Em que medida aprender com a literatura é diferente de aprender com a historiografia (a história produzida por historiadores)?
A escritora cearense Ana Miranda disse certa vez algo que sempre me acompanha nas discussões que envolvem conceitos tão amplos quanto verdade, memória, ficção e história: “Os historiadores são ficcionistas que fingem estar dizendo uma verdade, os ficcionistas são historiadores que fingem estar contando uma mentira”. A frase é boa porque aponta para a vizinhança dos discursos historiográfico e literário a partir de um caráter inalienável: ambos são gestos de linguagem, e a linguagem é sempre uma construção social — que envolve classe, gênero, lugar, temporalidade etc. Ainda que o trabalho do historiador e do romancista tenham objetivos distintos, todo romance historia, inadvertida ou intencionalmente, o comportamento humano, não apenas no sentido da pesquisa profunda que envolve a construção dos chamados “romances históricos”, mas sobretudo porque as escolhas narrativas de uma ficção escrita em 1996 sobre o envio de órfãs portuguesas ao Brasil em 1555, por exemplo, diz muito mais sobre o presente da publicação do que sobre aquele passado no qual o enredo se desenvolve.


K. Relato de uma busca, de Bernardo Kucinski, indicado por Licariãio. Foto: Bruno Leal.
K. Relato de uma busca, de Bernardo Kucinski, indicado por Licariãio. Foto: Bruno Leal.

É nesse sentido que as ficções sobre a ditadura brasileira, muito além de apresentarem ao grande público as técnicas de tortura, as arbitrariedades e os embustes que caracterizaram a história brasileira entre 1964 e 1985, contribuem com a percepção de um presente falsamente pacificado, misto de semidemocracia cínica e “máquina coletiva de recalque”, nas palavras do escritor Julián Fuks.2 Assim como a história, a literatura sempre parte de perguntas do presente, mas em lugar de entregar um saber construído a partir de fontes e documentos, ela nos oferece uma parcela da plasticidade humana. Isso significa que no horizonte da literatura não devemos buscar “verdades” do mundo (por mais que o texto literário também tenha seu valor enquanto documento histórico), mas representações variadas sobre o comportamento de indivíduos e grupos, bem como sobre o estabelecimento de instituições ou de visões de mundo. Como muito bem sintetizou Roland Barthes, a ficção “não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe de alguma coisa”.3 Com a literatura podemos aprender a perceber o outro, não com a cientificidade que dedicamos a um objeto de estudo, mas como desejo de alteridade que renova o mundo e humaniza as diferenças.
Se, como defendo, a realidade que a literatura busca apreender é aquela da existência, campo das possibilidades humanas, observar como a memória da ditadura se comporta na ficção contemporânea é uma oportunidade de entrar em contato com aquilo que tem sido institucionalmente silenciado. Na evidente escassez de monumentos, tribunais e lugares de memória, nosso trauma encontra um espaço de elaboração também por meio da ficção, através de um complexo inventário que recria tudo aquilo que o discurso do historiador muitas vezes evita dizer: a dor e o sangue, as lágrimas e as feridas, a tensão e o horror. O arquivo é duro, de pouco acesso e intimidador; a literatura, ao contrário, consegue ser um pouco mais acessível, cabe na mão e atinge um público mais amplo, agindo muitas vezes em caráter de suplência em relação à historiografia. Ciente das inúmeras polêmicas que cercam os conceitos que seguem, arriscaria dizer que a literatura pode ser, nesse sentido, um arquivo mais democrático da ditadura brasileira. Não se trata, claro, de aproximar ingenuamente literatura e verdade, mas perceber a primeira como um lugar onde discursos do sobre o passado também se manifestam.
Conte-nos uma “descoberta” interessante que você fez na pesquisa para o doutorado.
A pergunta é um pouco mais difícil de responder porque a pesquisa em literatura, via de regra, parte de um ou mais textos literários que já são de conhecimento do pesquisador. Não há muito espaço, portanto — como há na análise de fontes, arquivos e documentos —, para descobertas inusitadas. Mas se sairmos do escopo da pesquisa para abranger a literatura produzida nos demais países latino-americanos que também sofreram ditaduras, o caso brasileiro chama a atenção pela presença ainda muito forte das descrições de tortura e da violência perpetrada pelo Estado. Em contextos como o da Argentina, por exemplo, que teve sua Comissão Nacional da Verdade (1983-1986) logo após o fim da ditadura (1976-1983), a denúncia da violência repressora tem cedido lugar a questões sobre o conflito de gerações e o futuro da memória, ou mesmo sobre a culpa de quem sobreviveu e daqueles que foram coniventes com o regime de exceção. Cenas explícitas de tortura tem se tornado cada vez menos frequentes. Uma possível leitura da insistência da literatura brasileira em trazer a tortura e a violência ao primeiro plano das narrativas estaria relacionada com a ausência de políticas públicas e medidas institucionais que seriam fundamentais à superação do trauma nacional. Para citar a psicanalista Maria Rita Kehl, “O esquecimento da tortura produz a naturalização da violência como grave sintoma social no Brasil”.[4] A vontade ética da literatura, neste caso, parece atenta aos perigos engendrados pelo silenciamento.   

George Soros-Agente banalizador de las causas en Am.El Punto en la i:


EU USO A WEB NÃO DEIXO QUE ELA ME USE Gregório Duvivier



HÁ UMA SOCIEDADE QUE  CONFUNDE REDE -APLICATIVOS COM INTERNET

A seriedade do humor de Gregório Duvivier. Seu depoimento nesta entrevista nos fornece outra face deste cidadão que faz um jornalismo sério com seu tempero exato,irônico; ele entrega a quem quer ouví-lo a face deste país que queima no desmantelo do poder  dos recalcados, pervertidos cognitivamente.
Consegue sem esforço responder as indagações sem maior esforço.Além do fazer artístico, sua primeira face, ele tece um bom jornalismo.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Cabo Branco -JP-PB - ponto mais extremo do Brasil com nova atração.

Professor Ranulfo Cardoso -UFCG -nos envia de João Pessoa-PB- essa nova atração visual e turística. 
Vista Panorâmica da cidade, orla e até a cidade de Cabedelo-cidade portuaria. 
É importante  dizer que este ponto geográfico está sendo dizimado pela erosão  da falésia de modo brutal com   avanço  do mar,  arruinando esse ponto mais extremo das Américas*, e ao que sabemos pouco de contenção está se fazendo para evitar tal fato.
Leiam EROSÃO CRESCE NA BARREIRA DO CABO BRANCO

Disciplina Geografia SEED

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*A ponta do Seixas é o ponto mais oriental do continente americano e consequentemente da parte continental do Brasil. Localiza-se a leste da cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, a quatorze quilômetros do centro da cidade e a três quilômetros ao sul do bairro de Cabo Branco.

El Frasco, medios sin cura: ¡Cuidado! ¡Que vuelve el búmeran!

Ecuador Lenín Moreno manda prender governadora de oposição Paola Pabón e cenários, fatos ocorrendo



Paola Pabón, governadora de Pichincha. Foto: Assembleia Nacional do Equador



Em outro poster, aqui,Ecuador¿Y el resto? ¿Y los muertos, desaparecidos y heridos? ¿Todo solo x la gasolina,? Me opongo al triunfalismo reinante relatei  a descofiança do sociólogo argentino Atilio Boron, não deu outra: veja o que  ocorreu. DIÁRIO DA CAUSA OPERÁRIA

Ditador Lenín Moreno manda prender governadora de oposição
Governadora filmou sua própria prisão e denunciou essa medida ditatorial em uma transmissão ao vivo
Da redação – O presidente do Equador, Lenín Moreno, mandou a polícia prender uma governadora da oposição na madrugada de hoje. Paola Pabón, governadora de Pichincha, teve sua casa invadida de manhã por policiais. Ela filmou sua própria prisão e, por meio de uma transmissão ao vivo pelo Facebook, denunciou: “Aqui é um estado de direito. Não podem entrar em minha casa assim! Essa é a paz que ele [Lenín Moreno] se propõe ao Equador? Que esse país saiba, que o mundo saiba que esse é o governo de Moreno: a perseguição política, a repressão!”


Acusação
A governadora de Pichincha está sendo acusada de ter bloqueados estradas usando caminhões durante os protestos contra o governo. Uma acusação sem provas tirada do nada pela repressão para continuar uma perseguição política que começou desde que Lenín Moreno assumiu o governo, como sucessor de Rafael Correa, traindo em seguida o programa pelo qual foi eleito e perseguindo seus ex-aliados para implantar um programa neoliberal.
Estado de exceção
Desde que os protestos explodiram no Equador, tendo um corte no subsídio de combustíveis, exigido pelo FMI, como estopim das mobilizações, a resposta do governo do Equador foi simplesmente mais repressão. Lenín Moreno decretou, primeiro, estado de exceção, escancarando o golpe que foi sua chegada ao poder e a ditadura à qual os equatorianos estão submetidos. De lá para cá, o presidente golpista já colocou o exército na rua para esmagar a população, já mudou ca capital de cidade (de Quito para Guayaquil) e estabeleceu um toque de recolher, vigorando das 20h às 5h.
Ao todo, a repressão da ditadura equatoriana já matou sete manifestantes até agora, com mais de mil pessoas detidas e mais de mil feridos pela repressão. Sem nenhum apoio popular, a ditadura golpista procurará se manter com apoio do imperialismo e dos militares, por meio de uma brutal repressão





LEIA MAIS, VEJA VÍDEO EM :http://bit.ly/2B9aDJQ
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