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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Um cadeirante, negro e homossexual - Enquanto os dentes de Carlos Eduardo Pereira -



A resenha sempre é uma face do leitor, mas há mais leitores e, portanto, outras interfaces da leitura.
A obra  -Enquanto os dentes - é sem dúvida um documento de um contexto brasileiro e merece ser visto, lido. Diria que Carlos E.Pereira consegue tecer uma obra  , por seu foco, de imensa representatividade e  denúncia social.Sua escrita narrativa é clara e limpa, de um estreante de força. Se novela ou romance não importa. Há uma força na escritura sem  maiores bordados lexicais.A construção do personagem -Antônio é excelente e o esculpe com destreza seu olhar no espaço social. Recomendo .  Paulo Vasconcelos
Abaixo resenha A Escotilha por  Eder Alex
http://bit.ly/2Cij8F5






http://bit.ly/2Cij8F5


Ao contar a história de um cadeirante, negro e homossexual, o estreante Carlos Eduardo Pereira quase desponta como uma novidade na literatura contemporânea brasileira, mas fica só no quase.


O pessoal que tem paciência pra ler pesquisas sobre literatura em vez de ler literatura já deve ter esbarrado vez ou outra com esse negócio de que em geral os personagens das nossas letras, já há algum tempo, são sempre homens brancos, héteros, de classe média, que levam uma existência meio merda, cujo maior desafio é lidar com as frustrações da vida adulta, tornar-se gente grande que paga conta no banco em vez de virar um grande gênio das artes etc.
Há várias formas de se olhar para essa questão. Uma delas é que esses protagonistas refletem os próprios autores, já que boa parte deles usa experiências pessoais, mesmo que elas sejam eventualmente enfadonhas, para compor seus personagens e seus enredos. Por isso, não é raro acompanharmos uma obra por meio dos olhos de um professor ou escritor, mas não vejo muito problema nessa questão (até porque, enquanto homem, hétero, etc, eu me identifico com tudo isso), tendo em vista que um romance pode ser muito bom, mesmo sendo sobre um sujeito que paga boletos na lotérica e não sobre um cara que mata dragões num mundo fantástico.
Outra forma de enxergar isso tudo é admitir que há pouco espaço nas grandes editoras para autores que fujam do padrãozinho que se consolidou ao longo dos anos, de escritores escrevendo para colegas escritores. Enfim, a discussão é longa, mas o que quero apontar aqui é outra treta: ok, parece que já encheu o saco de protagonista homem, hétero, classe média etc, e então se só trocarem o perfil desses narradores, isso já resolve a questão da limitação literária? Resposta: provavelmente não. Representatividade importa muito, mas a literatura está bem longe de ser só isso. Enquanto os dentes, de Carlos Eduardo Pereira, é um bom exemplo para observarmos essas questões.
O livro é sobre um sujeito na casa dos 40 anos, chamado Antônio, que está voltando para a casa dos pais. Ele tá lá na balsa Rio-Niterói e começa a relembrar alguns flashes do passado. Filho de um oficial da marinha, Antônio teve uma infância meio merda, pois acabou estudando na Escola Naval, então cresceu tendo que lidar tanto com a brutalidade do pai, a quem chamava de Comandante, quanto a dos próprios colegas integrados à rotina de disciplina rígida. Como a carreira militar obviamente não era o seu grande sonho, ele seguiu o caminho das pessoas que querem ficar milionárias rapidamente: filosofia e artes plásticas, o que com certeza deixou o genitor muito feliz.
Pois bem, temos aqui um adulto que não superou o passado, não conseguiu lidar muito bem com o presente e cujo o futuro aponta para trás, já que está voltando pra casa dos pais, por não conseguir mais se manter sozinho. Sem muita novidade até aqui, certo? Pois bem, os diferencias (com relação a toda groselha que escrevi no primeiro parágrafo) são três: o protagonista é negro, cadeirante e homossexual.
Toda essa abordagem funciona bem e pode eventualmente ser impactante, embora o autor às vezes deixe escapar obviedades.
Uma das coisas interessantes do livro é a maneira como Pereira nos apresenta a cidade através da perspectiva de um cadeirante, analisando a movimentação das pessoas que vem e vão no meio do tumulto, a falta de estrutura, a maneira como uma metrópole é excludente com relação a diversas pessoas. Toda essa abordagem funciona bem e pode eventualmente ser impactante, embora o autor às vezes deixe escapar obviedades como essa:
“Com as limitações físicas, foi perdendo trabalhos, não entra mais na maioria dos lugares, não alcança determinadas alturas, não tem a mesma disposição de outros tempos. Passou a ver tudo por baixo”.
É simples e direto mas também é pobre e pouco criativo, já que são afirmações muito óbvias, tendo em vista as situações pelas quais o personagem passa desde o início do livro, e que portanto não precisariam ser explicitadas.
O autor (um escritor negro e cadeirante) acerta mais quando descreve como o personagem recebe o olhar do outro:
“O cigano o observa como quem encara um desastre de carro na rua. A visão de uma criatura erguida pelos braços, numa postura curvada, com uma perna morta-viva, deve mesmo ser das mais chocantes.”
Aqui, sim, temos uma imagem poderosa (relacionar a condição física a um “desastre de carro na rua”) que nos apresenta uma perspectiva bastante cruel e perturbadora que praticamente coloca o leitor naquela cadeira, recebendo aquele olhar humilhante. Como já temos um livro muito famoso sobre esse tema, Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, é interessante perceber que Pereira tente apontar para um outro caminho, bem mais pesado e adulto.
Outro aspecto muito bom do livro é o domínio das linhas narrativas, sempre em terceira pessoa, já que estamos lá com o personagem na balsa num parágrafo e no seguinte voltamos ao passado, pra escola naval. Não há divisão de capítulos, Pereira começa a escrever e não para mais até o fim do romance, que tem um pouco de cara de novela, já que é bem curtinho, com menos de cem páginas. O caso é que tudo segue num fluxo contínuo de narração e em nenhum momento essa estrutura fica confusa ou muito deslocada. É um romance que está sempre em movimento, o que dialoga perfeitamente com a condição do personagem que se desloca de uma cidade para outra, do presente para o futuro (talvez retornando para o passado?), numa cadeira de rodas, dentro de uma balsa que segue sempre em frente com pessoas indo e voltando.
A questão racial ganha pouco destaque – serve mais para explicar a relação entre os pais, ele branco e ela negra – bem como a homossexualidade que surge aqui e ali, não de forma gratuita, mas sem uma abordagem muito direta, sendo portanto apenas um tema periférico (o personagem tinha um namorado) e sem muita atenção na obra.
A percepção sobre esses temas depende muito, é claro, da subjetividade do leitor, já que o ponto de vista também precisa ser levado em conta, uma vez que a experiência pode variar muito de acordo com sua vivência e suas leituras. Alguns leitores, por exemplo, talvez se atentem ao fato de que a edição deixou passar a expressão “opção sexual” no texto do Tezza na orelha do livro.
No fim das contas, Pereira consegue desenvolver um personagem complexo, que parece ter uma consciência razoável de quem é, mas que obviamente se sente inseguro com relação ao futuro, uma vez que a necessidade de se reinventar a certa altura da vida é algo um tanto angustiante, tendo em vista a quantidade de feridas não cicatrizadas na relação paterna.
E é aqui que voltamos lá para aquelas questões do início. Carlos Eduardo Pereira também meio que se inspirou em si mesmo, como tantos outros autores, mas no fim das contas criou um personagem que foge desse estereótipo de protagonistas da literatura contemporânea brasileira, e isso tem seu mérito, porém essa decisão não lhe garante automaticamente um certificado de qualidade, uma vez que algumas peças foram trocadas, mas a história contada não escapou totalmente da mesmice de sempre.
É um bom livro, bem escrito, com um personagem interessante e… só. É como se a obra se sustentasse apenas na condição física e psicológica do personagem e abrisse mão de uma complexidade maior no desenvolvimento da história e da linguagem, isso acaba funcionando como uma muleta e faz com o livro se torne mais importante por aquilo que representa do que por aquilo que ele é. Ok, temos um protagonista cadeirante, negro e homossexual, o que é uma enorme novidade, mas e aí, o que você tem a dizer sobre isso? O que vai acontecer? Como vai acontecer? Afinal, agora que eu sei quem é o personagem, qual é a história que você tem para contar sobre ele? Tenho a impressão de que Enquanto os dentes fica no meio do caminho dessas respostas.
Parece que temos muito chão ainda a ser explorado nessa questão de representatividade na literatura contemporânea brasileira, mas é muito bom ver que alguns autores pelo menos estão tentando e que as editoras estão começando a perceber a importância disso.
ENQUANTO OS DENTES | Carlos Eduardo Pereira
Editora: Todavia;
Tamanho: 96 págs.;
Lançamento: Novembro, 2017.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Poemas de Riso e Siso - Assis Lima -


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*Assis Lima ( por http://bit.ly/2FeDe1F)


Foto Editora Confraria doVento




"A poesia anda escassa
e por isso avessa
aos menores vasos.
Sem leveza e forma,
sem fluxo, sem graça..."

Assis Lima, cearense, hoje já adaptado em ser paulistano, é um poeta do agir no encontro com os seus. Sejam pacientes, amigos e leitores, sim, ele é médico psiquiatra/psicanalista e por isso talvez fique atento às silabas, às afirmações da poesia do humano. Ao mesmo tempo na poesia ele é ação linguística, estética de um leitor magnânimo.

Seu novo livro, Poemas de Riso e Siso – Confraria do Vento (2017), como o próprio título diz, tem como tema a graça, o humor - sisudo-riso.

Como poeta ele denuncia, como no verso acima, a escassez da poética dos dias atuais, mas nos oferece vias para ver e ler as boas obras, como nas suas obras editadas e outros tantos que ele lê em gulodice.

Esta obra mostra um Assis mais leve, mas nem por isto releva o grave nos seus versos contaminados pelo verso popular, que lembra a poesia dos cordéis, alguns:

Ingazeiras anuns caranguejos
guaiamuns, aratus.
Arruda
ramos de vassourinhas.
Mangue,
corais vulcânicos.
Verde-azul, o mar.
Reinos força, raça.
(Itacaré, pág. 560)

Ora ele vem no siso filosófico, mas entremeia-se ao riso:

Existo em meio a dualidades
ora dividido, ora conciliado.
Em algum momento passarei a 3D?
(Dualidades, pág. 31)

Ronaldo Correia de Brito, ao apresentar a obra recente deste autor, afirma com uma sutileza de borboletas em voos a obra, de modo a deixar pouco o que se falar, como aqui agora eu estou a fazê-lo:

“A geografia de Assis Lima não foi a antiga dinastia Thang, época em que na China cada homem era um poeta. Mas uma paisagem agreste, ali no Crato, Cariri cearense, em sítios onde o riso e o siso eram praticados como expressão poética do viver.
Os 56 poemas que compõem este livro se misturam entre o grave e o hilário, numa dosagem contida e refinada. Um humor arrancado por vezes de ângulos de pedras, permeando poemas epigramáticos e sentenciosos....”

Mas como o verso já dizia, meu amigo se esqueceu, risos, digo Ronaldo, mas permita-me como todo o carinho que lhe tenho, Assis é uma coruja sabida; à espreita do coloquial ele brinca de esconde-esconde:

Para bom entendedor,
um cisco
é Francisco.
Basta?
(Meia palavra, pág. 77)

Assis é misterioso, ora sem enigmas, mas como na vida tudo está entre um e outro sua poesia replica de forma abundante tal dualidade humana, mas uma das mais intensas dualidades é o seu estilo que se embrenha entre uma poesia dita cheia de graça   e que alguns não gostam do discurso poético nordestino e Assis rompe e mostra o outro lado da sua poesia, que não se situa em léxico ou estética regional e alcança epifanias de um poeta maduro, pela dita dualidade aqui apontada.
...
No embate das ondas
o mar sem começo
se apossa de mim
(Horizonte, pág. 13)

Ou

Casa do Eu,
simples eu,
que tem caroço e casca.
(Escuta, pág. 35)

Deixemos com nossos leitores outras considerações de uma leitura atenta microscópica, que saboreei a casca e o caroço deste fruto voraz - Poemas de Riso e Siso -  degustando também as ilustrações de Lula Wanderley.

*ASSIS LIMA é cearense, do Crato. Médico pela Universidade Federal de Pernambuco, especializou-se em psiquiatra, em São Paulo, onde reside. É autor do livro Conto popular e comunidade narrativa (Prêmio Sílvio Romero - Funarte). Organizou a coletânea Contos populares brasileiros - Ceará.  É coautor, com Ronaldo Correia de Brito, dos infantojuvenis Baile do Menino DeusBandeira de São JoãoArlequim de Carnaval e O pavão misterioso. Publicou os livros de poesia Poemas arcanosMarco misteriosoChão e sonho e Terras de aluvião.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

UM POETA NÃO SABIDO NOS MEIOS SUDESTINOS-UM GRANDE POETA..CAPTURAS DO FACE




...Já então é tudo pedra
os dias, os desenganos.
Rios secaram neste rosto, casca
de barro, areia causticante.....


Desiludamos , nao leremos nem um terço dos bons poetas, este era um-Max Martins- lembrado no facebook por  Vasco Cavalcante, poeta paraense .Conheci Max, sua obra , no começo dos anos 2000, via William Aguiar, outro poeta, nao publicado, paraense, já falecido.A poesia de Max, às vezes fechada, é densa , leva o leitor a pensar.Não foi um poeta de leitura fácil, nem por isto deixou de ser um dos grande poetas do Brasil, que a mídia, sudestina, poderosa e vendida omite.
Sua obra está publicada na integra, salvo inédito que porventura exista.Vale a pena visitá-lo, lê-lo com a sobriedade dos grandes poetas.Tomo de empréstimo dois textos :1: o de Vasco Cavalcante  via Facebook , o 2 -do blog Modo de Usar& Co. por   Ricardo Domeneck-poeta-

1-Vasco Cavalcante  pelo Facebook

MAX MARTINS
(1926 - 2009)
O poeta Max Martins nos deixou no dia 09 de fevereiro de 2009, aos 82 anos. Lembro bem desse dia, do momento em que recebi a notícia e o quanto isso me perturbou. Fiquei sem saber o que fazer, nada me dava conforto ou pelo menos me faria diminuir a sensação de vazio que senti. Max foi meu vizinho desde os meus tempos de menino, na vila do IAPI, em Belém do Pará. Foi o primeiro grande poeta a ler meus primeiros rabiscos poéticos quando eu tinha meus 15/16 anos. Minha afeição, carinho e admiração por ele sempre foram enormes. Pela pessoa, pela generosidade e principalmente pelo poeta.

Uma certa hora, após receber a notícia, corri para o meu teclado e escrevi em desabafo um pequeno texto tentando expressar meus sentimentos naquele momento, muito para diminuir a sensação de vazio e extrema emoção que sentia. A noite, montei em uma foto dele, de autoria do fotógrafo Béla Borsodi, e quis dar um formato de marcador de páginas de livros, porque era aonde mais eu o encontrava, onde mais interagia com ele, onde mais o poeta me encantava, nos livros, com sua escrita poética.

Ontem fez 9 anos de sua partida, mas como sempre eu penso e sinto, que as pessoas que admiramos, veneramos, amamos, nunca nos deixam, porque sempre estarão vivos dentro da gente, o Max Martins por isso mesmo será eterno na vida dos que o admiram, dos que o amam.
Trago a arte feita com o meu desabafo emocionado e um poema publicado no livro "Caminho de Marahu" (Edições Grapho, 1983), chamado "um jardim zen", montado em uma foto do fotógrafo Octavio Cardoso, produzida em um dos dias em que esteve com o Max, em sua famosa cabana, na praia do Marahu, na Ilha do Mosqueiro, em Belém do Pará.Max Martins nasceu em Belém do Pará, em 1926. Após os estudos de Literatura, passou a colaborar em revistas e suplementos, como a revista literária Encontro, publicando os primeiros poemas no Suplemento Literário da Folha do Norte em 1946 e 1951. Estreou com o livro O Estranho (1952), seguido, entre outros, pelos livros Anti-Retrato (1960), O Ovo Filosófico (1976), O Risco Subscrito (1980), 60/35(1985), e reunindo seu trabalho no volume Não para Consolar - poesia completa(1992).


2- Modo de USar.Co.
http://bit.ly/2G41wL2
Ricardo Domeneck



Max Martins nasceu em Belém do Pará, em 1926. Após os estudos de Literatura, passou a colaborar em revistas e suplementos, como a revista literária Encontro, publicando os primeiros poemas no Suplemento Literário da Folha do Norte em 1946 e 1951. Estreou com o livro O Estranho (1952), seguido, entre outros, pelos livros Anti-Retrato (1960), O Ovo Filosófico (1976), O Risco Subscrito (1980), 60/35(1985), e reunindo seu trabalho no volume Não para Consolar - poesia completa(1992).

Suas edições foram sempre muito pouco divulgadas em outras partes do país, ainda que fosse um dos poetas mais conhecidos em seu estado natal. A recuperação recente de poetas como Hilda Hilst e Roberto Piva preparava o terreno para a maior aceitação do trabalho de poetas como Martins, mas a maior divulgação jamais veio às suas paragens. Talvez seja mais uma vez o momento de questionarmos a influência geográfica sobre o tal de cânone, que alguns ainda acreditam ser incondicionado.

Foi traduzido e publicado em outros países, ainda que tenha seguido como "estranho no ninho" na historiografia literária nacional; na Alemanha, por exemplo, seus textos foram publicados no volume Der Ort Wohin, com prefácio de Benedito Nunes e tradução de Burkhard Sieber. Max Martins faleceu ontem em Belém do Pará.




§

POEMAS DE MAX MARTINS


Isto por aquilo


Impossível não te ofertar:
O rancor da idade na carga do poema
O rancor do motor numa garrafa

...........................................Ou isto

(por aquilo
que vibrava
dentro do peito)........o coração na boca
......................atrás do vidro........a cavidade
......................o cavo amor roendo
......................o seu motor-rancor
......................................................– ruídos

(do livro 60/35, Belém, 1985)


§

O caldeirão

Aos sessenta anos-sonhos de tua vida (portas
que se abrem e fecham
fecham e abrem
carcomidas)
.....................ferve

a gordura e as unhas das palavras
seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos
.....................Ferve

e entorna o caldo, quebra o caldeirão
.....................e enterra
teu faisão de jade do futuro
teu mavioso osso do passado

Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam
e o inimigo nº 1 já não te enxerga
.....................ou vai-se embora
varre a tua cabana e expõe ao sol tua língua
tua esperança tíbia
.............o tigre da Coréia da parede

É lícito tomar agora a concubina
E despentear na cama a lua escura, o ideograma


§


No lugar do medo

Todos os dias aqui tu te observas
E ainda está oculta (aqui) a tua semente

Comum será a tua raiz
.....................comum
ao olor da fêmea que atua no teu leito

Sê criativo o dia todo
Te empenha o dia todo cauteloso
..........................voa
mesmo hesitante sobre o teu malogro

Quer sigas o fogo, quer sigas a água
sê só do fogo ou só da água
(pois que não há caminho
e a lei
é o inesperado)

Ainda oculta (aqui) a tua semente
.....................está

§

de A Fala entre Parêntesis

Das florestas de Blake aos topos da Ásia
quem, da confusão entre chão e carne
com seu púbis, seu discurso e chamas, QUEM
DEFENDE TEU ROSTO DESTE SUDÁRIO INFERNAL?

Teu nome é Não em cio e som farpados
sinuoso grafito gravado no muro
mudo, contra o tempo Arfa
noturno, o olho do astro na memória

Este é o meu céu: numa bandeira turva
Incendeia seus últimos signos
Te insinua às sombras (que estão nos antros

e subsistem ao gráfico parêntesis:
Flechas ferindo-se no espelho. Reflexos
..............Dança indefinida


§

Num bar

Num bar abaixo do Equador às cinco da manhã escrevo
meu último poema..............................Arrisco-o
ao azar do sangue sobre a mesa......mapa
de crises....cicatrizes......moscas
...........................................Gravo-o
fala de mim demão e nódoa
nós e tábua deste barco-bar
........................................que arrumo e rimo:
........................................verso-trapézio osso
........................................troço de ser
........................................escada onde
..........................................................lunar oscilo
..........................................................solitário

quando
vieram uns anjos
de gravata e me disseram: Fora!

§

1926 / 1959

Já então é tudo pedra
os dias, os desenganos.
Rios secaram neste rosto, casca
de barro, areia causticante.
E onde outrora o mar
- os olhos - búzios esburacados.

E tudo é duro e seco e oco,
o sexo enlouquecido
0 osso agudo
coberto de pó e de silêncios.

Havia uma ferida, a primavera
que já não arde nem desfibra - seca
a flor amarela escura
anêmica impura
- rato no deserto

caveira de pássaro
exposta na planura

§