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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Entrevista | Leyla Perrone-Moisés A literatura em perigo by Revista Cândido


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Em um primeiro momento, Mutações da literatura no século XXI pode soar como um muro de lamentações sobre a irrelevância da literatura no mundo atual. A começar por uma falta de consenso sobre o que é literatura — realçada logo na apresentação do livro —, a professora e crítica Leyla Perrone-Moisés traz à tona uma série de temas pessimistas sobre o momento e a recepção da escrita de ficção: o declínio do prestigio social e cultural da literatura, a perda de importância da matéria nos currículos escolares e universitários e a derrocada da crítica em tempos de internet, entre outros.

Mas a partir da segunda parte do livro, intitulada “A narrativa contemporânea”, Mutações mostra como a chama da literatura se mantém viva por meio da obra de diversos autores de nosso tempo, que não jogaram a toalha mesmo com todas as perspectivas desfavoráveis e as teorias conspiratórias (a do fim do romance tem sido a mais recorrente). Os ensaios trazem análises sobre grandes autores contemporâneos — de Ian McEwan a W.G. Sebald — e temas instigantes, como “Os escritores como personagens de ficção” e “A volta do romanção”.

Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Leyla Perrone-Moisés é autora de outros livros de ensaios, como Inútil poesia e Altas literaturas, obras que mesmo escritas por uma acadêmica, passam longe de qualquer hermetismo. Nesta entrevista a autora comenta algumas das questões mais pertinentes de seu mais recente livro, como a influência da internet no cenário literário e subgêneros como a autoficção.


Entre as tantas indagações feitas ao longo de Mutações da literatura no século XXI, talvez a pergunta que possa resumir o livro é: “O homem do nosso tempo, com todas as implicações sociais e de comportamento que estão ocorrendo, ainda precisa da literatura?” Precisa?

Precisa, embora a maioria pense que não. Precisa, justamente para ter um comportamento menos dispersivo e mais reflexivo. Para saber quem é, para entender os outros homens e o que fazemos todos juntos no mundo. No século passado, Sartre escreveu: “O mundo pode passar muito bem sem a literatura. Mas pode passar ainda melhor sem o homem”. Essa advertência tornou-se ainda mais pertinente em nosso século.

No capítulo “A nova teoria do romance”, a senhora diz que o nouveau roman francês, apesar de curto, foi o último movimento a apresentar “propostas teóricas relevantes para a renovação do gênero”. A senhora acredita que depois das vanguardas, ainda há possibilidade de o romance se renovar esteticamente? Os escritores deveriam estar preocupados com isso?

De modo geral, verifica-se atualmente um retorno à forma tradicional que o romance assumiu no século XIX: contar histórias e criar personagens que representem a sociedade contemporânea. Ilustrado com descrições, diálogos e enriquecido com intervenções do narrador. Afinal, essa forma tradicional continua sendo muito poderosa. O cinema e as séries televisivas a têm adotado com grande êxito. Somente alguns poucos escritores, mundo afora, continuam preocupados com a renovação estética da ficção escrita. É o que chamei de “literatura exigente”, destinada a um público restrito. Mas ninguém deve dizer com o quê os escritores devem se preocupar. São eles que fazem a literatura, e felizmente vários deles continuam a honrá-la.

“A visão de conjunto de nosso país não se encontra em nenhum
romance brasileiro. Ela nos foi fornecida, via televisão,
pela Câmara e pelo Senado nas votações de 2016.”


Ainda em relação à renovação do romance, esse seria um dos fatores preponderantes à falta de relevância da literatura nos dias de hoje? Ou seja, acha que de alguma forma o gênero estaria “desgastado” para o leitor?


O que está não apenas desgastado, mas quase abandonado, é o hábito da leitura. Numa sociedade de consumidores, a oferta de informação e entretenimento é enorme, e passa por outros meios que não o livro. A falta de relevância da literatura nos dias de hoje é correlata à falta de reflexão, de crítica e de projeto que caracteriza a sociedade contemporânea. Falta reflexão até mesmo quando se alega a falta de tempo para ler. O que realmente falta é perguntar: aquilo com que ocupamos nosso tempo é realmente valioso? Torna-nos melhores, mais sábios e mais felizes? 

A senhora discorre sobre diversos autores contemporâneos, entre eles dois escritores que são como água e vinho: Enrique Vila-Matas e Michel Houellebecq. O primeiro, apesar da inegável qualidade literária do texto, prega para convertidos, escritores e críticos, com sua ficção voltada para a própria literatura. Já o segundo, parece muito mais preocupado em inserir a literatura no debate político e comportamental de seu tempo, sem abdicar da ficção — muitas vezes em histórias distópicas, como a senhora assinala. Em um momento de crise, não estaria faltando à literatura buscar esse diálogo, que tenta Houellebecq, com a sociedade/leitores?

Com certeza, e por isso Houellebecq é muito mais lido do que Vila-Matas. As obras do primeiro têm sido elogiadas por economistas e sociólogos, como perfeitas descrições da sociedade atual. O problema, a meu ver, é que Houellebecq não é apenas distópico, mas é acrítico. Ele descreve nossa realidade com um olhar indiferente que beira o cinismo. É um observador de grande talento, mas não me parece que ele busque um diálogo com a sociedade, como faziam e fazem outros escritores melhores do que ele: Saramago, Coetzee, Amos Oz, McEwan, para citar apenas alguns.

Sobre a autoficção, a senhora esclarece que esse tipo de texto remete a períodos e autores bastante antigos. Não é novidade, portanto. Mas esse método de narrar não teria sido “turbinado” pelo nosso momento atual, com a valorização da exposição do indivíduo, das redes sociais, etc? Mesmo autores como Karl Ove Knausgård, bastante elogiado pela senhora, não teriam angariado leitores sedentos pela vida (real) alheia?

É verdade que o individualismo e o narcisismo contemporâneos, alimentados pelas redes sociais, favoreceram a explosão de autoficções. Mas querer saber o que as pessoas comem e com quem transam é muito diferente do que querer saber como elas vivem seus problemas, como se sentem nos momentos de solidão, o que pensam. Há autoficções irrelevantes como selfies, e há outras que são valiosas para os leitores que buscam, na vida alheia, inspirações para suas próprias vidas.

O desaparecimento da crítica de livros (ou sua diminuição drástica) nos jornais e a abordagem cultural praticada na internet (com suas listas e textos pouco reflexivos) dão a impressão de que, em se tratando de cultura e literatura, estamos regredindo, ou emburrecendo. Qual a sua percepção?

O desaparecimento da crítica está diretamente ligado com a perda de importância dos livros de ficção e de poesia na mídia. A literatura, hoje, tem um lugar muito restrito naquilo que atualmente se chama de “cultura” e que é sinônimo de entretenimento. Não sei se é emburrecimento, mas é certamente a perda de um poderoso estímulo aos neurônios, tornados preguiçosos pelo uso exclusivo dos meios eletrônicos.

“O individualismo e o narcisismo contemporâneos,
alimentados pelas redes sociais,
favoreceram a explosão de autoficções.”


Diante do panorama atual da crítica, qual é o melhor caminho para um escritor jovem ser percebido?

É muito difícil, para um escritor jovem, ingressar no circuito da edição e da publicidade. Pelo contrário, é muito fácil para um jovem qualquer se tornar “escritor”. Se conseguir muitos seguidores na Web, pode logo publicar um livro ou vários. No ano passado, vi uma fila de centenas de pessoas à espera da abertura de uma livraria de shopping, para comprar o livro de uma garota que posta vídeos no YouTube. Uma fila de dar inveja a qualquer escritor literário. O escritor jovem que pratica uma escrita de qualidade tem de ser paciente. Deve enviar seu livro para editoras que tenham catálogos compatíveis com seu trabalho e não desanimar com as respostas. Se sua obra for realmente boa, mais cedo ou mais tarde acabará sendo descoberta.

Recentemente na França se veiculou uma campanha publicitária que mos trava a baixa remuneração dos escritores de literatura. Os autores posam com determinados produtos (como um cafezinho ou um par de óculos) e uma legenda informa quantos livros é preciso vender para adquirir os objetos. A crise da literatura é mundial, e não apenas em países pouco cultos como o Brasil?

A crise da literatura é mundial. A França, que durante séculos teve a cultura como sua maior riqueza, sofre a mesma desvalorização da literatura no ensino básico e no consumo. Há um programa de entretenimento na TV5 Monde que se chama “Questions pour um champion” e dá vultosos prêmios em dinheiro para quem responder o maior número de perguntas de cultura geral. O nível das perguntas é alto, e se fosse no Brasil não encontraria concorrentes (por isso nem existe). Como assisto a esse programa há anos, verifico que o tema “literatura” encontra cada vez menos pessoas informadas. Perde de longe para os temas “geografia”, “esporte”, “cinema” e “gastronomia”. Se um país como a França abandona progressivamente sua memória cultural, o que dizer do nosso, que nunca teve de fato essa memória?

Em determinado momento de Mutações, a senhora faz uma defesa do meio acadêmico em relação à critica que se faz ao ensino da literatura (tanto na universidade quanto na escola). A senhora escreve que não é possível estudar literatura sem passar pelos textos clássicos. Um ponto que costuma gerar divergência, com muitos profissionais defendendo o uso de autores mais contemporâneos em sala de aula. O ideal não seria um ponto de equilíbrio entre esses dois pensamentos?

Para estudar literatura, é necessário partir dos clássicos. O mesmo acontece no campo científico. Isaac Newton dizia: “Se vi mais longe foi por estar sobre ombros de gigantes”. Os professores de literatura podem e devem propor textos contemporâneos em suas aulas, pois sua temática é mais próxima da vivência dos alunos. Mas o bom professor, assim como o bom escritor contemporâneo, tem de conhecer os “gigantes” da história literária, porque estes não apenas criaram as bases da literatura moderna e contemporânea, mas são sempre atuais quanto às grandes questões humanas.

Uma de suas críticas diz respeito ao termo “pós-moderno”, que em relação à literatura agruparia características que sempre estiveram presentes na ficção, como a metaliguagem (Tristam Shandy), a paródia (Dom Quixote) e a intertextualidade (A divina comédia). A senhora demonstra como o autor contemporâneo se utiliza dessas heranças do passado e as diluiu no presente, utilizando para isso o termo “literatura tardia”. Poderia explicar esse conceito?

Não me lembro de ter usado esse termo. Usei, sim, o termo “modernidade tardia” para qualificar nossa época. O que caracteriza a literatura na modernidade tardia é que ela perdeu importância como instituição, como prática e como consumo. Atualmente, considera-se “literatura” qualquer escrito ficcional ou poético. E no enorme volume de publicações, muito pouco merece essa classificação. Justamente por ignorância dos “gigantes”, perdeu-se o pudor de publicar, e publica-se qualquer coisa. Portanto, poderíamos falar em “literatura tardia” para qualificar essa massa de escritos supostamente literários. Mas a boa literatura nunca é tardia, pelo contrário, ela é oportuna porque resiste ao contexto histórico e social adverso, apontando suas mazelas e mantendo a linguagem em bom estado, contra as simplificações, os clichês e os estereótipos.

Apesar do tom muitas vezes pessimista do livro (de fim de feira), a senhora escreve que “a literatura é um dos poucos exercícios de liberdade que nos restam”. Por quê?

Porque a literatura só pode ser praticada plenamente em sociedades democráticas. Mesmo em sociedades de períodos históricos totalitários e autoritários, os escritores sempre se sentiram livres para dizer o que tinham a dizer, sob pena de censura ou de prisão. Em nossa época, quando a maioria dos países se diz democrata, o escritor sofre a repressão não declarada de grandes poderes totalitários: o dinheiro, a mídia, a moda, o senso comum, a opinião corrente, as redes sociais, o moralismo etc. Mas em seu texto ele é livre para pensar, exprimir-se e imaginar.

Há também um capítulo sobre a volta do “romanção”, em que cita três autores americanos contemporâneos: Jonathan Franzen, David Foster Wallace e Garth Risk Hallberg. No Brasil, esse tipo de livro, que pretende apresentar um “painel” da sociedade, nunca pegou (apesar de algumas exceções). Saberia explicar o motivo?

O motivo é que não existe “a sociedade brasileira”. O Brasil é um território muito vasto e muito desigual em todos os seus aspectos, não cabe num “painel”. A nação norte-americana também é vasta e variada, mas ela tem uma liga social, registrada numa constituição imutável e numa imagem compartilhada do próprio país como livre, próspero e poderoso. Os romancistas norte-americanos que citei são, em graus diversos, críticos dessa auto -imagem, mas conseguem ver o conjunto e os principais problemas. Nos EUA há uma tradição do “grande romance americano”, de John dos Passos até os nossos dias. Diferentemente, ninguém em sã consciência ousaria escrever um romanção panorâmico do Brasil. O mais próximo disso que tivemos foi Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, que mesmo assim é regional. A visão de conjunto de nosso país não se encontra em nenhum romance brasileiro. Ela nos foi fornecida, via televisão, pela Câmara e pelo Senado nas votações de 2016.

Para terminar, quais foram as leituras mais interessantes, de autores brasileiros, que a senhora fez no último ano?

Dos livros brasileiros que li em 2016, os que me pareceram mais interessantes foram: O tribunal de quintafeira, de Michel Laub; Histórias naturais, de Marcílio França Castro; A vista particular, de Ricardo Lísias; A tradutora, de Cristovão Tezza.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Ô, mais tá.... BAIANOSÁ, OUI, NÃO É SÓ ACARAJÉ


Paulo Vasconcelos


São Salvador-Ba tem estereótipos que não combinam; sim, ela tem cheiro de dendê, igrejas velhas, Farol da barra, baianas, fitas do Bomfim. Mas tem mais que isso: tem suor de trabalhador, com ou sem terno, no avionado das ruas. Faz-se festas, e também os congressos internacionais, encontros de managements do mundo, o turismo pesado e o capital se alvoroça nas ruas com a petroquímica agribusiness, produção de serviços e tecnologia. A Coca-Cola invade para se misturar com o abará e o beiju.

O Carnaval do turismo ajudou esse estereótipo, em conluio com a mídia televisiva e a cinematográfica. O Carnaval se dá em poucos bairros, o litoral urbano, e o olho bêbado não espia tudo. Pior: criou-se uma Indústria do Carnaval com o aval de artistas, indústrias, governo e mídia. Não há mais carnaval popular da Saborosa, de Dodô & Osmar, mortalha, hoje ele é uma réplica midiática modificada da festa carioca brodiuniana.

A Arquitetura Nova não conhecida (vide Caramelo, Isaias Neto) é estrelada pelas avenidas: A Antônio Carlos, claro, Paralela, T. Neves, edifícios imensos, comerciais e da burguesia, mais a classe média, varanda gourmet, um quarto; e espia-se por trás os bate laje, com favelas e favelas de vasta população, hoje, quarta maior cidade do Brasil. As esculturas ainda, mas há algo de Botero, será? Grandes CEOS vão às mães de Santos nos terreiros e são recebidos com cerimonial afro.

Os Magalhães, mais que Tomé de Souza, Garcia Dávila,Casa da Torre, insistem, mas parte do povo - a esquerda atenta. As universidades públicas têm excelência, as multinacionais engolem o aluno mais pobre que mistura-se aos ricos que não entraram nas públicas, mas estuda-se. O teatro, o cinema e a música esbanjam diferenças das caduquices do sudeste brasileiro, e tem público para muitas conchas acústicas. O axé canta coro com a mpb, com o rock, o blues, o jazz, o pop e as músicas dos terreiros.

Há um Lá ele, bacana! Ascende a Cosmópolis-mor do Brasil, com trânsito caótico, carros, roupas de cores, tecnologia de ponta, “Shopinguins” enormes, outros mini, e persistem a feira de São Joaquim, o Mercado Público do Rio Vermelho que não faz inveja ao sudeste.

O sal, as variedades brasílis, o ar marinho, cores naturais e espelhadas dos pórticos dos prédios performanceiam a megalópole, insiste a flor da noite-pipoca, as frutas e verduras em bancas, espalhadas pela cidade, bicicletas; os vendedores gritam antigos refrãos, do cuscuz; o wi-fi que se cruza pelos bares; o bom dia, boa tarde e noite são passaporte; e escuta-se Maria Bethânia, Caetano, Ivete, Mariene de Castro, Gil, Alexandre Leão, Ilê Ayê, Moreno, Brown, Saulo, C. Cunha, Jammil, Chiclete, Asa de Águia, Flavia Wenceslau, Silvano, La Fúria e vai e vai  e desce o sal pelas Avenida Sete , Chile, o bairro de  Águas Claras, Cajazeiras, Fazenda Grande 1 e 2. Imensa cidade, uma barra litorânea imensa, um metrô pequeno, um futebol de torcidas, carnaval como uma indústria e uma grande balança comercial. Grandiosa.

Bata tudo em ponto de Brasil e depare-se com um verde vasto, restaurantes das redes globais com drinques de aperol, rum, whisky, vinhos, cachaça, cerveja, chope. Mastiga-se carne de fumeiro, com farofa de banana da terra, caranguejo, afora churrasco, fatada, ufa! e os saguins, corujas, morcegos e outras faunas observam Tonha da cocada, os sorvetes de Gela goela e Gela bico. Na mesma batida, há os bairros: Brotas, Graça, Liberdade, Nazaré, Pelourinho, Cais dourado, São Joaquim, Campo Grande, Itaigara (com odor de classe média paulistana e de festas de cachorros na praça Ana Maria Magalhães, com bolo, balões e ossos para os cachorros da molesta imitando os americans paulistas).

A língua soteropolitana, aliás, acho estranho esta denominação, prefiro baianosá, tem imensas cores, e um toucinho peculiar com renda, gripi, vai do meu rei ao patrão, doutor, lá ele, apoi, meu, isso mesmo, meu e o tal do tomei, no lugar de levei (um susto, um gol), apaulistando-se.

O baianosá tem um campo lexical que o diversifica no nordeste, pela incorporação do falar dos estados vizinhos: mineirice e criolice dos hábitos de cariocas e paulistas, assim é uma gordura de qualidade linguística diferenciando-a. Apesar da força das midiotices, o povo come e arrota em suas peculiaridades, fazendo menos chué – a fala citadina em seu discurso.




Gregório, Castro Alves, Amado, Adonias, Ubaldo, Sosígenes seguem firmes, mas há novos e muitos que lambuzam com boa saliva a língua, e produzem uma literatura de fôlego que é a cara do Brasil, não é Lívia, Ari Sacramento, Flávio V. M. Costa? E ainda o Espinheira, Miriam Fraga (saudosa), Antonio Torres, Pereyr, Risério, Moniz Bandeira e haja! Que bom Baianosás!
AH! E baiano não engole ovo só, atira em fascistas!!!!!!!!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Um assovio numa escritura exata: Sidney Rocha


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http://bit.ly/2kjaInq  

“A ironia veio de ter lido Diário Mínimo, de Umberto Eco. O livro é uma grande gozação, uma boa anedota sobre escrever, uma anedota bem séria. Lá, ele falava como era mais barato escrever um romance onde os personagens estivessem trancados numa sala em vez que escrever um cheio de aventuras, viagens, um livro mais caro etc, etc. Eu ri, mas achei que estava certo; eu só conhecia o Cariri e o Paraguai, viajara pouco, estava ferrado de grana, mesmo. Não custava tentar.
É mais barato, Eco, mas não é mais fácil nem mais divertido. Entendi a piada na pele.” http://bit.ly/2fRZMux


Inquieto, gozador, jogador de fatos e palavras, este cearense que sentou praça em Recife, desde 1968, derrama sobre sua obra um espectro de brasilidade fulminante e com tons de escárnio e critica.

Suas obras desfilam todas pela Editora  Iluminuras (SP) : Matriuska (contos, 2009); O destino das metáforas 2011); Sofia (romance, 2014), Fernanflor (romance, 2015); Guerra de ninguém, (contos, 2016). Em todas o autor é coeso e farto de um escritura inovadora, desde o léxico e construções frasais à edição formatação do texto. Seus prêmios são: Sofia,1985, o romance, venceu o Osman Lins de Literatura,  e O destino das metáforas, 2011, o Jabuti.

Encontro muitas vezes autores do conto, do romance que desferem palavras a esmo, e que se distraem comeles mesmos numa espécie de autocomplacência. Esse não é o caso de Sidney Rocha, autor que se embebe do real, por mais que diga o contrário. Mas não existe criacão sem um ponto do real possível, que o autor puxa para um imaginário e  refabrica um outro real, derramando sua tônica de bom escritor, fragmentando fatos, misturando léxicos nacionais e expressões internacionais, usadas entre algumas classes sociais, nada estranho entre nós.

Diz ele :

“Pode-se ler minha obra e encontrar certa reivindicação ou proclamação da identidade, e nisso meu trabalho aponta para uma estética, a luta com e contra a linguagem e não ou contra e com a geografia.”

Matriuska é um dos seus livros de conto, de fácil deglutição e um verdadeiro espelho do Brasil: como na boneca russa, uma dentro da outra, um real dentro do outro.
Sidney mostra sua não conciliação, mas ele está no real vivido, lavado por sua escrita e tingido no seu estilo, talvez só não se biografe, quem sabe nas laterais das palavras esculpidas textualmente

“Não me concilio. Minha literatura não é confessionário. Minha vida serve para a literatura no que haja de estética nisso. As confissões são vulgares. Não me confesso. Não vejo nenhuma importância da personalidade ou biografia de um autor no texto literário. Escritores se saem melhor se são justo o contrário do retrato.”

Eu leio e me vejo em Sidney, vamos abri-lo e nele nos espelhar.
    


            





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domingo, 15 de janeiro de 2017

Nem só de … vive a Paulista



ANSELMO DANTAS ARQUIVO




“Se a avenida/Exilou seus casarõesQuem reconstruiria/Nossas ilusões?”(Eduardo Gudin)
São carros, ônibus, ambulância, polícia, helicópteros, drones e gente, gente que passa, entra e sai; é papelão, britadeira, conchavo, sexo… e tem metrô, ciclistas e pouca vegetação, mas tem goiaba, laranja, abacates… plantados.
Avenida Paulista: sonho de uma burguesia do século 19 que parece ser comandada por esta mesma, com apoio de outras classes. No dilema, fecha ou não fecha, a avenida se dilacera: menos humanização.
Morador há 25 anos, frequento-a. Há muitos imaginários e símbolos: do capital, dos museus e arte, das cenas políticas, sociais, das compras. Mas tem outras coisas…
De manhã, muito cedo, há o café da manhã oferecido por várias pessoas, sobretudo da Joaquim Eugênio de Lima até a Bernardino de Campos, sentido Paraíso.
Os cafés, servidos em mesas simples, dobráveis, cobertas – pano e plástico –, têm: café, leite, queijo, bolo, pão e bolacha; e às vezes iogurte, mas é raro.
Os vendedores se instalam por volta das cinco da manhã e vão até as nove.
Os clientes: porteiros, funcionários de condomínios, de telemarketing, vigias, seguranças, bombeiros…
“Até gerentes que escapolem” – diz D. Délia, cearense.
De noite, há os bares, lotados de universitários, executivos… de tarde, há a máfia: do papel e papelão, e do lixo reciclável; máfia que se divide em grupos.
Nos dias em que a Paulista é fechada aos carros, em fins de semana, desço, ouço seus frequentadores:
“Meu sonho era morar aqui, como em uma Vieira Souto…mas não posso.” “Esta avenida é como se fosse meu coração, adoro ela.”
“Gosto demais daqui; aqui me sinto em Nova York!”
“Ela resume o Brasil…”
Ando… e vejo vendedores de água, refri, cachorro-quente; busco uma conversa para pegar suas opiniões:
“Oxi, aqui é bom demais! O que a gente vende na Sé por um tanto, aqui se triplica, aqui se paga mais…”
“Moro longe, venho com meu crochê para vender, apuro mais do que no Barro Branco e ainda vejo o povo…”
Perto do Masp muda. Há toalhas, como numa praia – acho bacana – pessoas de bicicletas, crianças patinam, uma até tenta soltar pipa com o pai.

Sento-me com jovens:
“Costumo vir à Paulista às sextas e tomar todas, perto do metrô Consolação. Aqui vem uma galera boa, tem uns louco… Ah! e é bom para skate, aqui pode tudo: bebida, fumo, crack… e tem foda sim, claro! Tarde da noite, entre as sombras”.
“Aqui eu e as mina e o papo, e se enrola aqui e se ri e se tira sarro dos riquinho que se acha dono daqui… Aqui tem de tudo: gay tem muito e são bacanas, se beijam, se roçam. E isso é mulher com mulher, homem com homem e vai…”
“É boa a pegação aqui – diz Du – fim da tarde tem muito cara lindo… e rola, rola, viu, é só arrematar e um motel, hotel ou no rala-rola.”
“Sempre venho aqui nas manifestações, mas hoje é especial, pois é tranquilo. Aqui estão todos os partidos, e se grita, se briga e se ri ou se vai para polícia ou hospital, ah!”
“Sabe o que falta? Uma igreja Universal.”
Encerro por aqui…