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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Um assovio numa escritura exata: Sidney Rocha


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http://bit.ly/2kjaInq  

“A ironia veio de ter lido Diário Mínimo, de Umberto Eco. O livro é uma grande gozação, uma boa anedota sobre escrever, uma anedota bem séria. Lá, ele falava como era mais barato escrever um romance onde os personagens estivessem trancados numa sala em vez que escrever um cheio de aventuras, viagens, um livro mais caro etc, etc. Eu ri, mas achei que estava certo; eu só conhecia o Cariri e o Paraguai, viajara pouco, estava ferrado de grana, mesmo. Não custava tentar.
É mais barato, Eco, mas não é mais fácil nem mais divertido. Entendi a piada na pele.” http://bit.ly/2fRZMux


Inquieto, gozador, jogador de fatos e palavras, este cearense que sentou praça em Recife, desde 1968, derrama sobre sua obra um espectro de brasilidade fulminante e com tons de escárnio e critica.

Suas obras desfilam todas pela Editora  Iluminuras (SP) : Matriuska (contos, 2009); O destino das metáforas 2011); Sofia (romance, 2014), Fernanflor (romance, 2015); Guerra de ninguém, (contos, 2016). Em todas o autor é coeso e farto de um escritura inovadora, desde o léxico e construções frasais à edição formatação do texto. Seus prêmios são: Sofia,1985, o romance, venceu o Osman Lins de Literatura,  e O destino das metáforas, 2011, o Jabuti.

Encontro muitas vezes autores do conto, do romance que desferem palavras a esmo, e que se distraem comeles mesmos numa espécie de autocomplacência. Esse não é o caso de Sidney Rocha, autor que se embebe do real, por mais que diga o contrário. Mas não existe criacão sem um ponto do real possível, que o autor puxa para um imaginário e  refabrica um outro real, derramando sua tônica de bom escritor, fragmentando fatos, misturando léxicos nacionais e expressões internacionais, usadas entre algumas classes sociais, nada estranho entre nós.

Diz ele :

“Pode-se ler minha obra e encontrar certa reivindicação ou proclamação da identidade, e nisso meu trabalho aponta para uma estética, a luta com e contra a linguagem e não ou contra e com a geografia.”

Matriuska é um dos seus livros de conto, de fácil deglutição e um verdadeiro espelho do Brasil: como na boneca russa, uma dentro da outra, um real dentro do outro.
Sidney mostra sua não conciliação, mas ele está no real vivido, lavado por sua escrita e tingido no seu estilo, talvez só não se biografe, quem sabe nas laterais das palavras esculpidas textualmente

“Não me concilio. Minha literatura não é confessionário. Minha vida serve para a literatura no que haja de estética nisso. As confissões são vulgares. Não me confesso. Não vejo nenhuma importância da personalidade ou biografia de um autor no texto literário. Escritores se saem melhor se são justo o contrário do retrato.”

Eu leio e me vejo em Sidney, vamos abri-lo e nele nos espelhar.
    


            





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domingo, 15 de janeiro de 2017

Nem só de … vive a Paulista



ANSELMO DANTAS ARQUIVO




“Se a avenida/Exilou seus casarõesQuem reconstruiria/Nossas ilusões?”(Eduardo Gudin)
São carros, ônibus, ambulância, polícia, helicópteros, drones e gente, gente que passa, entra e sai; é papelão, britadeira, conchavo, sexo… e tem metrô, ciclistas e pouca vegetação, mas tem goiaba, laranja, abacates… plantados.
Avenida Paulista: sonho de uma burguesia do século 19 que parece ser comandada por esta mesma, com apoio de outras classes. No dilema, fecha ou não fecha, a avenida se dilacera: menos humanização.
Morador há 25 anos, frequento-a. Há muitos imaginários e símbolos: do capital, dos museus e arte, das cenas políticas, sociais, das compras. Mas tem outras coisas…
De manhã, muito cedo, há o café da manhã oferecido por várias pessoas, sobretudo da Joaquim Eugênio de Lima até a Bernardino de Campos, sentido Paraíso.
Os cafés, servidos em mesas simples, dobráveis, cobertas – pano e plástico –, têm: café, leite, queijo, bolo, pão e bolacha; e às vezes iogurte, mas é raro.
Os vendedores se instalam por volta das cinco da manhã e vão até as nove.
Os clientes: porteiros, funcionários de condomínios, de telemarketing, vigias, seguranças, bombeiros…
“Até gerentes que escapolem” – diz D. Délia, cearense.
De noite, há os bares, lotados de universitários, executivos… de tarde, há a máfia: do papel e papelão, e do lixo reciclável; máfia que se divide em grupos.
Nos dias em que a Paulista é fechada aos carros, em fins de semana, desço, ouço seus frequentadores:
“Meu sonho era morar aqui, como em uma Vieira Souto…mas não posso.” “Esta avenida é como se fosse meu coração, adoro ela.”
“Gosto demais daqui; aqui me sinto em Nova York!”
“Ela resume o Brasil…”
Ando… e vejo vendedores de água, refri, cachorro-quente; busco uma conversa para pegar suas opiniões:
“Oxi, aqui é bom demais! O que a gente vende na Sé por um tanto, aqui se triplica, aqui se paga mais…”
“Moro longe, venho com meu crochê para vender, apuro mais do que no Barro Branco e ainda vejo o povo…”
Perto do Masp muda. Há toalhas, como numa praia – acho bacana – pessoas de bicicletas, crianças patinam, uma até tenta soltar pipa com o pai.

Sento-me com jovens:
“Costumo vir à Paulista às sextas e tomar todas, perto do metrô Consolação. Aqui vem uma galera boa, tem uns louco… Ah! e é bom para skate, aqui pode tudo: bebida, fumo, crack… e tem foda sim, claro! Tarde da noite, entre as sombras”.
“Aqui eu e as mina e o papo, e se enrola aqui e se ri e se tira sarro dos riquinho que se acha dono daqui… Aqui tem de tudo: gay tem muito e são bacanas, se beijam, se roçam. E isso é mulher com mulher, homem com homem e vai…”
“É boa a pegação aqui – diz Du – fim da tarde tem muito cara lindo… e rola, rola, viu, é só arrematar e um motel, hotel ou no rala-rola.”
“Sempre venho aqui nas manifestações, mas hoje é especial, pois é tranquilo. Aqui estão todos os partidos, e se grita, se briga e se ri ou se vai para polícia ou hospital, ah!”
“Sabe o que falta? Uma igreja Universal.”
Encerro por aqui…


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

O Rio de Manoel de Barros

Manoel de Barros-1916/2014 


"Ser menino aos trinta anos, que desgraça
Nesta borda do mar de Botafogo!
que vontade de chorar pelos mendigos!
Que vontade de voltar para a fazenda!
Por que deixam um menino que é do mato
Amar o mar com tanta violência? "
Manoel de Barros, Poemas concebidos sem pecado, 1937

O fragmento do poema acima é certificação do Rio, de sua água que ele tanto admirou. Nunca deixou o Rio. Tinha apartamento no Leblon, onde sempre passava alguns meses na cidade até a fragilização de sua saúde.

Nas comemorações dos seus 100 anos de vida, no Rio de Janeiro, a Unirio, por iniciativa do professor Elton de Souza, realizou, nos dias 25 e 26 de novembro,  um evento em homenagem ao escritor. Nada mais justo. Ali ocorreram mesas de debates e depoimentos com os títulos: “Manoel de Barros: uma didática da invenção”; “Poesia é sabedoria que não vem em tomos” e “É preciso transver o mundo”.
Como convidado a integrar a primeira mesa, expus minhas considerações acerca do poeta, sob o título “A poesia como ritual de existência”. Aqui saem alguns fragmentos.
Manoel de Barros morou por trinta anos na cidade do Rio de Janeiro, para onde foi, ainda adolescente fazer ginásio, ensino médio e onde também frequentou Universidade, curso de Direito. Lá, tornou-se conhecido, via seus amigos, como Antônio Houaiss, Millôr Fernandes, Joao Antônio, Fausto Wolff, entre outros, e teve suas primeiras obras publicadas. No Rio o poeta iniciou com afinco suas leituras: leu a obra de Vieira através de seu tutor do colégio Marista, depois mergulhou em outros autores da época, não apenas na literatura ficcional; foi à Filosofia, Psicanálise, Sociologia, Antropologia e por aí vai. Conheceu vários poetas, como Drummond (com quem trocou cartas), Bandeira e outros tantos. Integrou-se ao Partido Comunista Brasileiro, mas depois retirou-se, embora, em seus, poemas aclaram-se suas ideias do coletivo e do povo.
Lá seu olhar sempre esteve no simples, por exemplo os peixeiros, e nas poucas vezes que advogou o fez para eles, via seu sindicato. Voltou para o Mato Grosso, em 1958, para assumir as terras deixadas pelo pai falecido, com o apoio da mulher D. Estela, mineira, que conheceu na cidade e com quem lá se casou.

Poetar para Barros foi reconstruir a vida, ou inventá-la dentro do dia a dia nos seus mais simples olhares, fazer, contemplar e mentir, mentir pela palavra, para dizer mais. A palavra não é abundante, o que a faz como tal é esse ritual de combiná-las, dissecá-las, como um desassufoco; é pô-las pelo avesso, é questionar seu significante é desdizê-la, raspá-la. Seu fazer e seu olhar possuem a coragem de se desequilibrar para encontrar seu equilíbrio possível:

“Não quero saber como as coisas se comportam.
Quero inventar comportamento para as coisas.
Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a de equivocar o sentido das palavras.
Não havendo nenhum descomportamento nosso
Senão que alguma experiência linguística
Noto que as vezes sou desvirtuado a pássaros,
que sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado para as pedras.
Mas que essa mudança de comportamento gental para animal, vegetal ou pedral”
Manoel de Barros, Ensaios Fotográficos,2000

Escrever, caçar a palavra, reformar ou desformar a gramática poética foi seu oficio de existência. Manoel tinha um poder de pensar travessando o erudito e o popular, e assim foi de Heidegger emendar com a frase do Bugre
Peter Pál Pelbart, ao fazer o prólogo de sua tradução de Crítica e Clínica, de Gilles Deleuze, nos apresenta com clareza a questão da literatura que bem cabe para o caso de Barros:

“[...] o problema de escrever: o escritor, como diz Proust, inventa na língua uma nova língua, uma língua de algum modo estrangeira. Ele traz a luz novas potencias gramaticais ou sintáticas. Arrasta a língua para fora de seus sulcos costumeiros, leva-a a delirar. Mas o problema de escrever é também inseparável de um problema de ver e de ouvir: com efeito, quando se cria uma outra língua no interior da língua, a linguagem inteira tende para um limite ‘assintático’, ‘agramatical’, ou que se comunica com seu próprio fora.
O limite não está fora da linguagem, ele é o seu fora: e feito de visões e audições não-linguageiras, mas que só a linguagem torna possíveis”
Gilles Deleuze, Crítica e Clínica, 1997

Nesse caminho o poeta diz e repete em sua obra o seu contexto criador apontando para um logos frágil do homem. Assim, sua salvação é a criação. Diz Manoel de Barros:

Um esforço para ficar inteiro é que é essa atividade poética. Minha poesia é hoje e sempre foi a catação de eus perdidos ofendidos. Sinto quase orgasmo nessa tarefa de refazer-me [...].
Escrevo meus poemas procurando o rumor das palavras mais que o significado dela. Penso que rimo por dentro, e isso; e coisa ínsita, não da matéria, Meu processo de escrever é ir desbastando a palavra até os seus murmúrios e ali encaixar o que tenho em mim de desencontro [...]
Encontro estímulos para escrever em mim mesmo. Na necessidade de ser. Poderia inventar que encontro estímulos no pôr do sol, no beco no amor das pessoas. [...] Escrevo lentamente, todos os dias, tentando ajuntar os pedaços de mim lançados por aí. Ajeito um arremedo do que sou. Escrevo uma pose de mim”
Manoel de Barros,  Conversas por escrito in: Obra completa, 1990


Barros vai aos deslimites do fonema para tingir o simples da palavra na sua complexidade poética, como um catador de cajus que os torra, para obter a sua castanha, e é no fogo com o fruto que ele acredita e espera o surgimento da amêndoa farta - do dentro - do caju, o poema.
Mas me ajuda melhor aqui Elton de Souza:

“atingir o deslimite não significa destruir-se o negar-se. Ao contrário, é limite que destrói a invenção que e pode e se deseja. O deslimite, portanto, é uma experiência com a vida e não com a morte (nos vários sentidos que essa palavra pode ter)”.
Elton de Souza. Manoel de Barros: a poética do deslimite, 2010

O Rio de Janeiro foi um dos seus sabores de águas, entre tantas águas deste Brasil.

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