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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Carnamídia



O Carnaval que não fala do Brasil dos brasileiros: pular (SP), brincar (PB, PE, Al e CE), sair (RJ, SP e BA) o (ou no) Carnaval
Publicado pela Revista Brasileiros-SP
Vivi três tipos diferentes de Carnaval em Pernambuco, na Paraíba e em São Paulo. Um foi do estilo Entrudo e Zé Pereira, mais rural, La Ursa (“Olé, Olé, quem não dê dinheiro ao urso fica aleijado do pé”), do frevo de rua, do molha-molha, das máscaras de plástico ou de papel machê. Outro, do tipo mais urbano, dos clubes, com lança-perfume e roupas de marca. E o terceiro, de passarela – fui jurado dos desfiles das escolas de samba paulistas por três anos.
Todavia, no primeiro e segundo, cantava-se “Ô abre-alas que eu quero passar/Eu sou da lira, não posso negar” (Chiquinha Gonzaga) ou Mamãe eu Quero (Jararaca e Vicente Paiva).
O Carnaval veneziano, dos clubes, dos corsos, como o da Avenida Paulista (SP), misturou-se ao espanhol, dos bonecos grandes, da Vila Esperança (SP), de São Luiz do Paraitinga (SP), de Olinda (PE) e a toda uma tradição negra, como a dos maracatus, e até com ritos da cultura popular, como bumba meu boi e cavalo-marinho.
O Carnaval midiático tirou a poesia da boca do povo, foi formatado para a interface das TVs nacionais e estrangeiras e o “roliudianou”. O rádio também o alterou, brando, e o fez melhor articulado pelo meio fonográfico e pela cultura popular.
A imagem, pouco a pouco, tirou o som do gênero musical, dos sambas fora das escolas, das marchas, dos frevos de Capiba e Nelson Ferreira (PE). Emudeceram Ângela Maria, Isaurinha Garcia, Marlene, Emilinha Borba, Zé Kéti, Claudionor Germano, Cauby Peixoto, Germano Mathias, Geraldo Filme, Ataulfo Alves, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, a orquestra Tabajara, entre outros, do gosto popular.
O bloco do Eu Sozinho, do Rio de Janeiro, vem desaparecendo junto com o do Clovis, de Santos (SP), os mascarados em turmas. Restam troças, papangus (PE), afoxés, cambiadas (homens travestidos de mulher), enfim, a manifestação popular integrando público e plateia.
O Carnaval baiano da Praça Castro Alves, dos trios elétricos, antes Dodô e Osmar, espetacularizou-se, dizendo o reggae, o rock, o forró, etc., o que confirmou o antropólogo Antonio Risério.
Sumiram muitos blocos e cordões, como Mocidade e Sôdade do Cordão, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, havia os da Barra Funda, Bixiga, Lavapés e tantos outros.
Muitos afoxés, ranchos, cordões e troças, como Zé Pereira, bumba meu boi, Estrela Dalva e os maracatus, estes últimos sobrevivem distantes da mídia, distribuídos por todo o País como uma espécie de resistência da cultura negra, revivendo sua, aliás, nossa, realeza africana.
Acelera aê, de Gigi, Magno Santana, Fabio O’Brian, Dan Kambaiah (BA). Eu te Amo, Porra!, de Átila (BA). Como também “Ah! Essa lembrança que ficou, momentos que não esqueci, eu cheio de fantasias“, Roberto Carlos: a Simplicidade do Rei, samba-enredo da Beija-Flor de Nilópolis (RJ). Se esses foram os sucessos da Bahia e do Rio em 2011, na forma brodueidiana, o brasileiro vem retomando, nas últimas décadas, seu espaço no bem dizer Carnaval.
A palavra carnavalesca está com nova força nos grandes centros e capitais e em seus recônditos afora, assim como desforra, temos o Cordão do Bola Preta (RJ), o Galo da Madrugada (PE), o Elefante (PE), a Pitombeira (PE), o Homem da Meia-Noite (PE), Cala a Boca e Beija Logo (SC), entre tantos outros.

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O Ano da literatura paraibana -Linaldo Guedes - A União

Enviado pelo colaborador Ranulfo Cardoso - clique no título e leia toda matéria .


Linaldo Guedes J.Pessoa.PB  - A União jornal -


Um ano pródigo para a literatura paraibana. Assim foi 2015. Com muitos lançamentos, algumas estreias e vários; autores da terra premiados nacionalmente. Além de eventos e o surgimento de grupos de poesia. O ano foi encerrado com dois prêmios nacionais para escritoras do estado. Débora Ferraz ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura com o romance “Enquanto Deus não está olhando”, que havia sido vencedor do prêmio Sesc. E a A escritora Maria Valéria Rezende foi a grande vencedora do prêmio Jabuti de Literatura este ano, com o romance “Quarenta Dias”, lançado pela Editora Objetiva. Antes, no início do ano, o escritor Wander Shirukaya lançou em João Pessoa a obra “Ascensão e Queda”, vencedora do Prêmio Pernambuco de Literatura de 2014. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Melhores(?) dos últimos dez anos.




Melhores obras dos últimos 10 anos

Não sou afeito a falar dos melhores, nem dos piores, acho inseguro, e às vezes inútil; é querer sempre compartimentar o nao compartimentável, é querer criar estereótipos, mas uma revista pediu-me e não publicou, assim aproveito para enviar a minha relação, correndo os riscos que assumo, todos, esclareço que considerei poemas, ensaios e romances.

MELHORES - ÚLTIMOS 10 ANOS-


1-O vento que arrasta –(2015 )Selva Almada-Cosac.
Chaco Argentino,estrada.Súbito problema no carro, pai e filha fazem uma parada na oficina mecânica - Gringo, local onde se desenrolará  a trama. Conhecem o jovem ajudante Tapioca. O divino e o cotidiano e  o imaginário, medeiam a vida dos personagens. A obra, com poucos personagens, finca um uma narrativa de beleza humana, ao mesmo tempo realista,contundente, como não se via na literatura Argentina, surpreendendo-nos com tamanha atualidade universal.

2-Eles eram muitos cavalos (2001),  Luiz Ruffato-,Boitempo.

Luiz Ruffato busca numa narrativa explosiva sintetizar algo não sintetisável, por sua absurda complexidade: a cidade de São Paulo. São 69 episódios em que  Ruffato usa de recursos formais para construir uma  narrativa de  caos e seus personagens comuns e absurdos,” gente habituada a ser coadjuvante em sua própria biografia”.

3-Becos da memória (2006), de Conceição Evaristo-,Mazza Edições

O desmonte  de favela em Belo Horizonte, a partir de entao a autora faz aparecer um conjunto de personagens, com destaque para as mulheres, que se deslocando e nas suas falas carregam consigo seus corpos e suas histórias. Uma sistese de um brasil anonimo e gritante.
4-Vermelho Amargo( 2009)- Bartolomeu Campos de Queirós-Cosac.

5--Desgraça J.M. Coetzee(2000) Cia das Letras.

6- Os Cus de Judas (1980) – Antonio Lobo Antunes (1942). Ed. Marco Zero

7-Geografia do Romance (2007)- Carlos Fuentes.Ed Rocco.

8-Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra.(2003) Mia Couto.Cia das Letras.

9- Casa de Papel (2006) Carlos Mariá DominguézEd –Francis.

10-Poesia Completa Manoel de Barros(2010) Ed Leya


A obra contém toda sua produção até 2010, são vinte e um livros,,em que o poeta fala dos deslimites da palavra, a medida que aciona uma poética do falar nacional seu imaginário e o canto da terra e seus convivas, é um elogio ao verso simples com um estardalhaço lírico pouco antes visto em nossa literatura.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Manoel de Barros: uma didática da invenção





Escritor conta como foi preparar livro sobre o grande poeta mato-grossense

Eu sou dois seres. O primeiro é fruto do amor de João e Alice. O segundo é letral: É fruto de uma natureza que pensa por imagens (Poemas Rupestres) - Foto: Jonne Roriz/AE
Eu sou dois seres. O primeiro é fruto do amor de João e Alice. O segundo é letral: É fruto de uma natureza que pensa por imagens (Poemas Rupestres) – Foto: Jonne Roriz/AE
Para falar de Manoel de Barros não sei bem o que se faz necessário, sei que é preciso ter um olhar desformador, como ele já havia dito em poema, suplantar a saudade e agarrar-se aos rastros de passarinhos − ainda mais quando se quer falar de didática da invenção. Mas que didática é essa que faz o poeta para dizer o verso? Talvez cheirar e caçar palavras, e jogar com elas o jogo da desmontagem do olho.
Mas para tal intento, convidei outro escritor escondido, que deixa o estilo de poeta transparecer em suas obras de filosofia e outras áreas: meu colega e amigo Elton Luiz Leite de Souza, que escreveu um estudo raro sobre nosso saudoso inventor: Manuel de Barros: a Poética do Deslimite (7letras/FAPERJ, 2010). Assim principia Elton:
“Em anos recentes, já com mais de 80 anos, uma ideia foi apresentada a Manoel de Barros: poeticamente, escrever uma memória. Afinal, muito o poeta já havia vivido e escrito. Sua fértil longevidade pedia mais do que uma memória, seriam três memórias: da infância, da vida adulta e da velhice. O projeto consistia em três memórias. Elas seriam escritas uma a uma, com intervalos regulares de tempo, e seguiriam uma ordem cronológica com começo, meio e fim, tal como supomos ser a lógica da vida. A primeira memória, a da infância, veio ao mundo. Ela surgiu expressa em um ‘inauguramento de falas’ (Gramática Expositiva do Chão, Civilização Brasileira). Essa memória nasceu singular e múltipla, pois o poeta fala não apenas de uma, mas de três infâncias. Sim, o poeta em seus deslimites poético-existenciais teve não uma, mas três infâncias. E cada uma mereceu um livro: a primeira infância, a segunda infância e a terceira infância. Porém, engana-se quem se fia em cronologias. A primeira infância não é mais infância do que a segunda e a terceira. Há apenas uma infância, e esta é múltipla, heterogênea, inumerável. O poeta, diz Manoel de Barros, é aquele que ‘vai até a infância e volta’. E aquele que vai não é o mesmo que retorna (Encontros: Manuel de Barros, Azougue).
Enfim, vieram ao mundo as três infâncias. Como as memórias da vida adulta e da velhice não nasciam, o poeta foi indagado a respeito, no que respondeu: ‘só tive infância’. Ele diz que em seu lápis, na ponta do seu lápis, ‘há apenas nascimento’, ‘só narro meus nascimentos’. A ‘velhez não tem embrião’. A velhez não é propriamente uma idade, mas a impossibilidade de se perceber como ‘forma em rascunho’, como minadouro de sentidos. A palavra que apenas informa tem essa velhez, uma vez que para o jornal de amanhã, para a
vida de amanhã, ela já será cadáver: ‘A palavra até hoje me encontra na infância’.
No poema ‘Invenção’ (Memórias Inventadas, Planeta), o poeta dialoga com um menino que nasceu do seu lápis: ‘Inventei um menino levado da breca para me ser’, diz o poeta, ‘passarinhos botavam primaveras em suas palavras’, ‘(…) ao fim me falou que ele não fora inventado por esse cara poeta/ porque fui eu que inventei ele’. O ‘eu’ deste último verso não é um eu lírico, ele é um sujeito coletivo como lugar da invenção. Ele é o ‘eu’ do menino que o poeta inventou para (re)inventá-lo, empoemá-lo (O Guardador de Águas, Art Editora), enfim, para terapeutá-lo (Livro sobre Nada, Record).
O menino disse ao poeta enquanto o poeta o inventava: sou eu que te invento poeta, enquanto você me inventa. Esse menino, diz o poeta, é ‘a criança que me escreve’. O menino inventa o poeta para que este (re)invente não apenas nossas palavras, mas igualmente nossas maneiras de ver e sentir o mundo: ‘A liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças’, como exercício de ser criança.
Segundo Manoel de Barros, o poeta é aquele que possui visão fontana (Concerto a Céu Aberto para Solos de Aves, Record), uma visão que é fonte do que vê. É uma ‘visão comungante’. A visão assim compreendida é ‘um ato poético do olhar’(Menino do Mato, LeYa), pois ‘o que dá dimensão às coisas é primeiro a alma, o olho da alma’. Não
é uma visão que constata o referente ou objeto; diferente- mente, ela é uma visão que vê, antes, o sentido – que é a alma das coisas: ‘beleza e glória das coisas o olho é que põe’, uma vez que ‘é pelo olho que o homem floresce’(Livro de Pré-Coisas, Record). As águas que brotam da fonte do poeta têm só um nome: amor. ‘Se a gente não der o amor ele apo- drece em nós’. E o poeta é aquele que diz ‘eu-te-amo para todas as coisas.’ É esse elemento que está em tudo, e que é a Vida de tudo em processo, é este elemento o que o poeta vê e sente, primeiro nele, como metamorfose e encantamento.
No poema ‘Escova’, Manoel de Barros diz ter visto, quando criança, dois homens ‘escovando osso’. Isso o afetou singularmente. Tempos depois, ele soube o nome do que aqueles homens estavam fazendo: eles faziam ‘arqueologia’, eles eram ‘arqueólogos’: ‘No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor’. Desse aprendizado ele inventou outro, pois o poeta diz que aprendeu a fazer algo semelhante, só que com as palavras. Ele aprendeu a ‘escovar’ as palavras. Escovar as palavras é também escovar nossas mentes e maneiras de perceber, para assim limpar delas os clichês. Escovar palavras e mentes é ‘empoemar-se’. Por isso, ler Manoel de Barros é empoemar-se. E isso não se faz sem alegria.
A primeira vez que ouvi falar de Manoel de Barros foi em uma aula de filosofia ministrada por um professor pelo qual eu tinha uma imensa admiração, o filósofo Claudio Ulpiano. Este citou um verso do poeta para ilustrar uma ideia da filosofia. Eu tinha pouco mais de 20 anos. Uma outra pessoa ‘desabriu em mim’. Nunca mais parei de comungar com seus versos, seus pensamentos, suas visões comungantes. Ele me terapeutou. Parte dessa ‘terapia’ foi me curar de uma propensão acadêmica de pouco olhar para o Brasil. Ficamos com os olhos teóricos na França, na Alemanha… e não vemos o nosso quintal. O poeta me ensinou a ‘desaprender os saberes que vêm em tomos’. Dessa terapia verbal, ousei escrever um livro sobre o poeta. O próprio poeta foi meu primeiro leitor, pois enviei os rascunhos, as ‘formas em rascunhos’, para ele. Eu pedia sua autorização para publicação. Obtive o endereço do poeta com sua filha, a Martha Barros, em 2008. Ela me orientou a não telefonar para ele e muito menos escrever-lhe e-mails. Eu deveria escrever para o poeta à mão, pois assim ele veria, além da letra, o espírito. Fiz o recomendado.
livros-manoel-de-barros-revista-brasieliros-89
Enquanto não vinha a resposta do poeta, fiquei com o coração na mão. Um dia, recebi uma carta com letrinha miudinha, parecendo caminho de formiga. Com generosidade e atenção, ele autorizou a publicação do livro. ‘Voei fora da asa’ de tanta alegria. No livro, foram com essas simples palavras que terminei a apresentação que fiz do querido e inestimável poeta: ‘Mais do que um poeta, Manoel de Barros é um pensador, um pensador brasileiro. Empregamos aqui ‘brasileiro’ no sentido mais genuíno e rico que esta palavra pode ter, pois ser brasileiro é ser, em essência, ‘mestiço’.
Não nos referimos, claro, a uma mestiçagem baseada em cores de pele, mas na mistura singular de almas heterogêneas que fazem nascer em uma única alma a capa- cidade de falar e sentir por muitas. Só a mestiçagem de almas pode dar nasci- mento a um estilo ao mesmo tempo singular e plural, poético e filosófico, autóctone e estrangeiro’(Manoel de Barros: a Poética do Deslimite).”
Taí, o Elton que fala e “poema” ao escandir conceitualmente a poesia do Manoel. Outra colega também escreveu sobre o poeta − Marinei Almeida, professora pesquisadora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat): “É assim que ele, Manoel de Barros, nos autoriza pensar: o dia envelheceu e o grande poeta das coisas inventadas, das infâncias, do voo fora da asa, das crianças e dos bichos curvou-se para dentro de seu recolhi- mento, para dentro de sua casca de caramujo, pois, um grande poeta nunca morre. Manoel de Barros continua vivo por meio de seus mais de 27 livros publicados e festejados em uma carreira cuja duração de mais de sete anos assinala a construção de mundos por meio da linguagem poética”.

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro. (“A Arte de Infantilizar Formigas”, em Livro sobre Nada)

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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Uma pastora de poesia e prosa





A nordestinidade de Micheliny Verunschk
Publicado pela Revista Brasileiros




Paulo-Vasconcelos-header
“De perto, é um novo dia”




 * Nota-Hoje-30.11.2015  a Autora recebeu o prêmio São Paulo de Literatura 2015 ,com “Nossa Teresa - Vida e Morte de uma Santa Suicida” (Patuá) na categoria Melhor Livro de Romance do Ano


Por vezes, sinto cheiros de nordestinidade quando leio alguns prosadores e poetas, mesmo aqueles que se mudaram para o Sudeste. É como se carregassem consigo as terras e águas do Nordeste, onde também lavaram suas letras. É que há um quê na textura de seus textos, não me perguntem o quê.
Micheliny Verunschk é um desses casos. Sua escrita tem um cheiro de mandacarus altos de arcos frondosos e verdes. Nascida em Recife, Arcoverde tomou-a. Diz ela: “Sou pernambucana nascida em Recife e criada em Arcoverde. Isso quer dizer que sou mais de Arcoverde, do que de Recife. Recife é acidente”.
Ela é autora de Nossa Teresa – Vida e Morte de uma Santa Suicida (Patuá e Petrobras Cultural, 2014), seu primeiro romance. Também é autora dos livros de poesia Geografia Íntima do Deserto (Landy, 2003), finalista do Prêmio Portugal Telecom, O Observador e o Nada (Edições Bagaço, 2003) e A Cartografia da Noite (Lumme Editor, 2010). É doutoranda em Comunicação e Semiótica, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP.
A autora em Nossa Teresa tem um viço de boa escrivã na sua tessitura lexical e fraseado. É uma mulher que fere as palavras para resgatá-las de tal modo que nos fisga com seu texto. Ela conversa com o leitor, via um velho narrador, agarrando-nos pela goela, em suas histórias e causos dos santos – no caso, a mulher Teresa. Ele mostra, ou nos dá a entender que ser santo é ser gente, é ser humano. Receber a coroa de santidade é outra coisa. O velho contador de histórias é o causador da transmutação de alegorias. Sua guia, a autora, com sua prosa temperada pelo “bom vinagre, fogo e gelo”, como o personagem diz, nos entrega o real e o imaginário da existência, e, nisso, constrói uma literatura forte, que ultrapassa o viés regional.
Em Nossa Teresa, os flagrantes poéticos são intermitentes. Em sua poesia, Verunschk tem epifanias de arroubos – é uma poetisa que desliza exuberantemente no verso. Leiam:
Enfeite
Enquanto não vinhas
eu pastorava as brisas
e à noite juntava todas
nas cercas do meu sono.
Depois construía praças e jardins
com as palavras empilhadas sobre as cartas
com as cartas empilhadas sobre os dias
com os dias empilhados sobre o nunca.
Arquitetava outra engenharia do tempo
enquanto não vinhas
e nada, nada, era belo assim…
E mais:

Trabalho
Esta cidade
só é possível porque homens vindos
de todas as noites
urinam às cinco
seu fluxo amarelo
(e a germinam)
urinam ao meio-dia
seu fluxo esverdeado
(e a condenam)
urinam às dezoito e quinze
seu fluxo marrom
(esperma de pus e lodo)
seu fluxo escuro
(gozo de lixo e lama)
seu fluxo prateado
(rios e abortos de todas as partes)
e a adormecem.
E, por fim…

Lenda
A mãe era um bicho em sua toca. Comia estrelas
e lambia os filhos
com um mar tão intenso
que todos adquiriram presas de cristal.

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A poesia de Oswald de Andrade



O pensar antropológico e as etnias variadas do poeta modernista
publicado pela Revista Brasileiros
José Oswald de Sousa Andrade (SP, 1890-1954)
Em plena homenagem que o Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo, faz a Oswald de Andrade, assim como a última Flip (Festa Literária Internacional de Parati/RJ) o fez, nada mais justo que aludirmos a esse gênio da Literatura. Incompreendido em seu tempo – e por muitos -, desconhecido em sua grande obra, se existe um homem das Letras e da busca de uma identidade nacional este é e será um deles. Um literato que fez e refez as palavras dos brasileiros. Patrícia de Freitas Camargo em A Ficção da Língua na Literatura Brasileira (http://bit.ly/oxUCIZ) fala de Oswald de Andrade em suas paródias e apropriações linguísticas para um projeto modernista nacional, ao mesmo tempo apontando sua ironia e preocupação em um pensar antropológico, dentro do quadro da nossa língua, com etnias variadas. Veja os poemas a seguir:
Brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
– Sois cristão?
– Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
– Sim, pela graça de Deus
– Canhém Babá Canhem Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
O Gramático
Os negros discutiam
que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou
Azorrague
– Chega! Paredoa!
Amarrados na escada
A chibata preparava os cortes
Para a salmoura
(Poemas da Colonização. Andrade, O. 1972:31)
Do mesmo modo, Beth Brait em seu último livro Literatura e Outras Linguagens (São Paulo: Ed. Contexto, 2010), bem como no artigo Estudos linguísticos e estudos literários: fronteiras na teoria e na vida (http://bit.ly/onBgK9), aponta que coube ao poeta modernista tematizar poeticamente a rica variedade da língua portuguesa. Sendo possível citar o seguinte poema:
erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
(Poemas menores. Andrade, O. 1972:115)
“J.M.P.S.” (da cidade do porto)

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).