Não se abole a Casagrande apenas pondo fogo nela, é preciso, antes, não se deixar dominar por sua lógica, pela lógica da Casagrande. Tal lógica coloniza o desejo e a mente da senzala e a leva a crer que ela somente será feliz tornando-se Casagrande.
Não se abole a senzala sem abolir a Casagrande e sua pretensão de ser a única maneira de a senzala deixar de ser senzala, consumindo as coisas da Casagrande, suas bebidas , suas comidas, suas propriedades e seu modo de ser banal. Ser senzala só existe enquanto se desejar ser Casagrande.
Alguns da senzala criam pequenas Casagrandes lá mesmo na senzala, para assim explorar seus irmãos e pôr os donos da Casagrande a rir daqueles que lhes servem criando filiais de sua exploração. Uma política popular não pode ter os olhos no modo de ser da Casagrande.
É preciso descobrir na senzala um “grande” diferente do “grande” que faz da Casagrande Casa-grande. Um grande que não se afirme criando pequenos, mas engrandecendo os que na lógica do “grande” da Casagrande são pequenos. Um grande que engrandeça por fora e por dentro, no pensamento e na ação.
Acredito que isso não é coisa para um só partido, embora alguns partidos ( no plural) possam favorecer essa empreitada, cuja força maior só pode advir de uma educação que não reproduza, para os da senzala, os valores da Casagrande. Uma educação que nos faça descobrir ( nós da senzala, pois dela eu sou) ,descobrir que não há senzala, a não ser como efeito de poder, físico e simbólico, micro e macro, da Casagrande .
Então, se senzala é um efeito, e não uma natureza, então o que há? O que somos? O que há e somos só quem responde é a história ou o devir que inventarmos para nós mesmos, a partir do que cada um faz de sua própria liberdade em comum, para criar o comum: se a assume, com todos os riscos, ou se renuncia a ela.