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quarta-feira, 29 de julho de 2020

Porque o íntimo é sempre humano. (Eduardo Diógenes, poeta. *18/08/1954. +27/07/2020)


EDUARDO DIÓGENES por Moisés Neto -Facebook- recorte deste blogueiro



O homem vem e vai, o poeta vem e vai como a estrela cega,mas fica o rastro  para os que entendem -o que não se compreende-Paulo Vasconcelos


EDUARDO DIÓGENES
Por ANTONIO MIRANDA  https://bit.ly/2BCF4vN
Nascido no Recife, em 1954. Publicou Brincadeira no 27 (Uberaba, Editora Gráfica vitória, 1975), Malabarismo Crônico (Recife, Editora Pirata, 1980) e A barlavento (Rio de Janeiro, 7 Letras, 2000, reunindo trechos dos livros A barlavento e Arqueologia da dúvida). No ano de 1986 seu livro  Malabarismo crônico passou afazer parte do acervo de escritores brasileiros na Fundação Casa de Las Américas em Havana (Cuba). Em 1993,  foi incluído na Antologia da nova poesia brasileira, promovida pela Rio Arte/Funarte, organizada e selecionada pela escritora, tradutora e poeta Olga Savary. Incluído na revista Poesia Sempre (n° 12/ano 2000) da Biblioteca Nacional. Participou como narrador do filme Joaquim Nabuco: Um vencido da grande causa, de Taciana Portela (1° lugar no Margarida de Prata 2000, em Brasília). Mantém inéditos – aguardando editores – Os livros Ilha do Recife dos Navios (com apresentação de Jorge Wanderley e prefácio de Olga Savary) e Ficções.

Poemas extraídos da obra:

STEREO
INVENÇÃO RECIFE

coletânea poética 2

Delmo Montenegro / Pietro Wagner
(organizadores)
Recife: Prefeitura do Recife, Secretaria de Culura,
Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2004.
 

VOGAL DA FOME
( OU NÃO SE FAÇA VERSO )

1.
nada cristalmente.
seca a garganta
calada
em seu repouso
de horas e agonias.
impedidamente boca não pronuncia.
plásticas de sílabas
e adjetivos
semi-erguidos
do non sense
cotidiário
de notícias graves
e coragens breves.
entre nomes ávidos
dos mercados éticos —
palavras mortas.

2.
nada essencialmente
vazio o cérebro
amontoado
de memórias —
prateleira desarrumada
selos da história
abundantemente outra
e pouca.
nada simplesmente exato
reta a entonação agrava —
ratos dos porões mais frios.
suja a vogal da fome
entala
e não se faz mais verso.

ALGUMA ESTAÇÃO

de que adianta insistir
verbos no infinitivo
sinopses de alma
a lua se acaso cheira
 não impede
o verso seja seco
pobre
e que algum olhar de lírio
seja nosso esquecimento
e não a utopia
  
Á MARGEM DO CANAL

à margem do canal
desfilam casas
enraizadas na lama
(se ao que se pode
chamar qualquer teto)

antes de qualquer vogal
ou geografia
entre macilenta e suja terra
nos caixotes
candidatos a banheiros
à margem do canal

                                      CONTEMPORÂNEA 
                                      horas contemporâneas
                                     não discursamos a fome
                                      úlcera universal
                                      supurada em nordestes 
                                      Outra forma de escrever
                                      úlcera nordestina
                                      a fome contemporânea
                                      não silencia as bocas

POESIA SEMPRE. Ano 8 – Número 12 – Maio 2000.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000.

        O barlavento
        Os pássaros também são feitos de tarde
         ou num poema
         podem voar
         como escolha seu pintor;
         do bicho à imagem
         utilizar a metáfora.
         mas
         se a nada servem
         ou ornamentam apenas
         o delírio da impossível liberdade,
         os pássaros voam na tarde
         e os avisto grafando esses versos.

         Depois do apito
        Operárias tomam o ônibus
         roupas iguais
         quase todas barrigudas
         saem da fábrica
         para o fogão e a mesa.
         depois na cama
         servem à sanha de seus homens.
         quando não
         levam uma surra.

         Arqueologia da dúvida
         Silêncio interior
         moscam pousam pelos braços
         um cachorro dorme
         embaixo do caminhão.
         o que é sentir
         o nada sentir?
         se ao mundo
         apenas se empresta
         o destino, a passagem, o delírio
         um boi manso na campina
         é mais bonito do que esse homem
         que habita em mim.

Página publicada em julho de 2010; página ampliada em maio de 2018