REDES

Mostrando postagens com marcador O capitalismo e seus bastidores onde escondem a miséria e a exploração mo maior estado do Brasil SP. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador O capitalismo e seus bastidores onde escondem a miséria e a exploração mo maior estado do Brasil SP. Mostrar todas as postagens

domingo, 24 de agosto de 2008

O capitalismo e seus bastidores onde escondem a miséria e a exploração mo maior estado do Brasil SP



Cortador de cana trabalha em canavial em Charqueada
O capitalismo e seus bastidores onde escondem a miséria e a exploração no maior estado do Brasil SP, nao se obedece as leis trabalhistas nem a nenhuma recomendação nacional e internacional. Onde fica o direito a vida e ao trabalho digno.?Se fora no Nordeste isto seria escandaloso pois seria em estados pobres e aqui , como ficamos?
PAULO VAS


A morte cansada
Com produção em alta e salários em queda, excesso de trabalho ronda canaviais

Joel Silva/Folha Imagem
Cortador de cana trabalha em canavial em Charqueada


DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP

Se dinheiro chama dinheiro, como dizem, então pobreza chama pobreza -e tragédia agoura tragédia. Procurada em Guariba para conversar sobre o marido, morto após passar mal no canavial em 2005, Maildes de Araújo se põe a falar do morto de duas semanas antes: o cunhado, também cortador de cana.
José Pindobeira Santos tinha 65 anos. Colheu cana até o ano retrasado. "Ele reclamava da barriga, de cólicas", diz a filha Ivanir, faxineira. Voltava da lavoura com dor na virilha. Nunca se tratou ou foi tratado.
Pindobeira morreu de obstrução intestinal e broncoaspiração. Não se sabe até que ponto a lida na roça baqueou sua saúde. Nos anos 1960 já cortava cana nos arredores de Guariba.
Seu concunhado Antonio Ribeiro Lopes, o marido da baiana Maildes, veio ao mundo em julho de 1950, três dias antes do fracasso supremo do futebol pátrio, a final da Copa. Migrou de Berilo (MG), município da paupérrima região do Vale do Jequitinhonha.
Em acidentes registrados -a subnotificação é considerável-, o facão rasgou-lhe perna e joelho. Dores no ombro direito o afastaram da roça. Penava com dor de cabeça. O empenho no trabalho desencadeava cãibras na barriga, nas pernas e nos braços. Sofria da doença de Chagas, mas não o licenciaram.
Era funcionário da usina Moreno. Sucumbiu no campo e o levaram para o hospital. Causa da morte: "cardiopatia chagásica descompensada".
Lopes integra a relação de duas dezenas de canavieiros mortos no interior paulista de 2004 a 2007, o caçula com 20 anos. A lista foi elaborada pela Pastoral do Migrante -há mais mortes, não contabilizadas.
Dela não constam acidentes de trabalho -em 2005, de cada mil trabalhadores no cultivo da cana, 48 sofreram acidente ocupacional, registraram as pesquisadoras da USP Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes e Andrea R. Ferro.
Naquele ano, segundo o Ministério do Trabalho, morreram de acidentes 84 pessoas no setor sucroalcooleiro, incluindo lavoura e indústria (3,1% das mortes por acidentes de trabalho no Brasil). O Ministério Público do Trabalho investiga a razão dos óbitos e sua associação com o caráter exaustivo do corte manual.
Relatório de 2006 da Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho enumera dezenas de irregularidades em empresas nas quais trabalhavam os lavradores que morreram.
Uma é o não-cumprimento do descanso de uma hora para o almoço. Os cortadores comem em dez, 20 minutos, para logo empunhar de novo o facão. Eles ganham por produção. Nenhum laudo atesta que a atividade foi decisiva para os óbitos. Seria difícil: dos oito esquadrinhados pelo ministério, só em dois houve necropsia.
O texto da Secretaria de Inspeção afirma: "As causas de mal súbito, parada cardiorrespiratória e AVC [acidente vascular cerebral], descritas nas certidões de óbito, não são elementos de convicção que justifiquem a morte natural, como alegam as empresas".
Há indícios sobre por que morrem os canavieiros.
Em 1985, os cortadores do Estado produziam em média 5 toneladas diárias de cana. Em 2008, são 9,3 toneladas, 86% a mais. Há 23 anos, um lavrador recebia R$ 6,55 por tonelada e R$ 32,70 por jornada. Em 2007, 1.000 kg valeram R$ 3,29. A remuneração por dia, R$ 28,90 (menos 12%).
A produtividade disparou e o salário caiu. Com a mecanização acelerada do corte e a expansão do desemprego, ficam os mais eficientes. O homem compete com a colheitadeira.
Os números de 1985 e 2007 são do Instituto de Economia Agrícola. Atualizados para reais de agosto de 2007, encontram-se em artigo dos pesquisadores Rodolfo Hoffmann (Unicamp) e Fabíola C.R. de Oliveira (USP).

"Penoso" e "desumano"
José Mário Gomes morreu em 2005 aos 44 anos. Era empregado da usina Santa Helena, do grupo Cosan, líder da produção de cana no planeta. "O óbito ocorreu nos períodos de maior produtividade, com picos alternados", informa o Ministério do Trabalho.
Valdecy de Lima trabalhava na usina Moreno, como Antonio Ribeiro Lopes. Em 7 de julho de 2005, desabou na roça. Morreu aos 38 anos, de acidente vascular cerebral. Em 17 de junho, decepara 16,5 toneladas.
A Moreno alega que as mortes de Antonio e Valdecy "não ocorreram em decorrência do esforço do trabalho". A Cosan diz que as causas do óbito de José Mário "ainda estão sendo investigadas pelos órgãos competentes. A empresa prestou todos os atendimentos necessários e colocou seu departamento de serviço social à disposição da família do colaborador. A Cosan cumpre rigorosamente a legislação trabalhista".
O Ministério Público do Trabalho relaciona as mortes à rotina "penosa" e "desumana" e prepara ação contra o pagamento por produção, quando o grosso da remuneração depende do desempenho. É preciso acumular em oito meses, a duração da safra, o suficiente para 12 -a maioria é dispensada na entressafra.
Usineiros e segmento expressivo dos trabalhadores desejam manter o sistema.
O afinco para cortar mais e mais provoca situações como uma acontecida em 2007. Sob o sol, em dia de temperatura máxima de 37ºC à sombra, nove trabalhadores foram hospitalizados após se sentirem mal em uma fazenda de Ibirarema.
Reclamavam de cãibras e vomitavam. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mão-de-obra suportar o desgaste.
Em áreas de corte manual, os canaviais costumam ser queimados antes da colheita. O fogo queima a palha da cana, e restam apenas as varas, o que facilita o trabalho. Quando o facão golpeia as varas com fuligem, o pó se espalha, entra pelo nariz e gruda na pele. A plantação recebe agrotóxicos. O lavrador não costuma receber máscara.
Em tese de doutorado na Unesp, a bióloga Rosa Bosso constatou que o nível de HPAs, substâncias cancerígenas, expelidos na urina de quatro dezenas de trabalhadores era nove vezes maior na safra do que na entressafra.
Em temporada sem colheita, Antonio Lopes sobreviveu como carregador de sacas de açúcar. Maildes o conheceu na lavoura da cana, onde o namoro engatou. Ainda hoje a viúva se orgulha: "Ele não era de enjeitar serviço".


Riqueza e senzala
Estado mais rico do país tem casos de trabalho escravo; procurador fala em "apartheid" nos canaviais

DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP

Q uando os fiscais do Ministério do Trabalho e os procuradores do Ministério Público do Trabalho partem para diligências nos canaviais, as chances de encontrarem irregularidades equivalem às dos clientes dos serviços de "pesque-pague" disseminados pelo interior paulista fisgarem tilápias sem dificuldades: nos lagos, há profusão de cardumes; no campo, as condições de trabalho dos cortadores estão longe de cumprir plenamente a lei.
Mesmo sem os instrumentos legais de investigação à disposição dos servidores públicos, os repórteres não passaram por lavoura onde não houvesse infrações.
Em Taiaçu, os trabalhadores saíram para a roça de madrugada, em ônibus com luzes dianteiras e traseiras queimadas.
Em Serra Azul, não havia água gelada, banheiros móveis, área coberta para as refeições e muitos canavieiros não usavam alguns EPIs (equipamentos de proteção individual).
Em Pederneiras, uma lavradora estava com luva cirúrgica de borracha, não de couro com reforço metálico, como determina a norma de segurança.
Ela pegou as luvas emprestadas com uma amiga que atuou como mata-mosquito na campanha de combate à dengue.
Uma das luvas foi cortada pelo facão na véspera, ferindo um dedo (o acidente não foi registrado, o que contraria a legislação). As botinas com bicos metálicos de boa parte dos peões estavam destruídas.
Em Limeira, também não se viram alguns EPIs. Idem em Piracicaba e Charqueada. Em Dois Córregos e Guariba, cortadores vivem em pardieiros sem conforto e limpeza -falta até papel higiênico.
Em Agudos, em uma rescisão contratual, um casal apresentou os contracheques comprovando remuneração inferior a um salário mínimo mensal. Marido e mulher ainda deviam mais de R$ 100 cada um ao contratador de mão-de-obra, que retinha documentos dos funcionários havia três meses.
Hoje são proibidos e ficaram mesmo para trás os caminhões que transportavam os bóias-frias da cana em São Paulo. Mas perduram frotas de ônibus deteriorados e inseguros, sem autorização para rodar.
As empresas são obrigadas a fornecer de graça equipamentos de segurança. Às vezes não fornecem e às vezes cobram.
São pequenos inconvenientes, se comparados aos episódios de "redução a condição análoga à de escravo".
O crime é tipificado pelo Código Penal. Ocorre quando se submete alguém a "trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". A pena é de multa e reclusão de dois a oito anos, além de sanção correspondente à violência.

Resgates e libertações
Desde 1995, quando entrou em ação, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho "resgatou" -é o verbo oficialmente empregado- 30.036 trabalhadores no Brasil. As indenizações somam R$ 42 milhões. São raras as condenações judiciais.
O recorde foi batido no ano passado, com 5.999 "libertações", outra expressão adotada pelo governo. Neste ano, até junho, 2.269 pessoas foram encontradas em condições análogas à de escravo.
Fiscais e procuradores se transformaram em uma espécie de caçadores de escravos ao contrário -não para confiná-los, mas para livrá-los da desgraça. Em São Paulo, é comum eles exigirem que empresas paguem a viagem de volta de migrantes contratados em seus Estados para o corte de cana.
A maioria -3.117- dos libertados em 2007 no país trabalhava no setor sucroalcooleiro, como a Folha informou em fevereiro passado.
Em Brasilândia (MS), na usina e na fazenda da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, 831 empregados indígenas foram descobertos em situação qualificada como degradante.
Neste ano, 55 funcionários de outra usina da CBAA foram descritos pelo Ministério do Trabalho como vítimas de servidão por dívida, o que configura trabalho escravo.
Ao contrário da maioria das autuações, concentradas nas regiões de expansão da fronteira agrícola no Norte e no Centro-Oeste do Brasil, esta aconteceu no Estado de São Paulo, em Icém.
A companhia, do grupo J. Pessoa, nega responsabilidade por problemas. Em seu site, afirma que "busca garantir sustentabilidade na produção e relações responsáveis no crescimento, visando sempre a melhoria e a qualidade de vida dos seus colaboradores e de seus familiares".
Empresas do grupo foram excluídas do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, um programa de organizações que se comprometem a não aceitar esse crime em sua cadeia produtiva.
O procurador do Trabalho Luís Henrique Rafael destacou em ação civil pública o que considera abismo entre os componentes contemporâneos e arcaicos do negócio da cana e seus derivados: "A tecnologia de ponta que se observa nas usinas contrasta com as "senzalas" nos canaviais, explicitando bem o verdadeiro apartheid, fruto da inescrupulosa equação de distribuição das rendas geradas pelo tal "petróleo verde'".
A Organização Internacional do Trabalho mantém no Brasil o Projeto de Combate ao Trabalho Escravo.
O procurador Mário Antônio Gomes coordena "inquérito-mãe" sobre o que chama de degradação do trabalho nos canaviais de São Paulo. Para ele, "o nível de educação mais baixo [dos cortadores] facilita a exploração".
O combate ao trabalho degradante é limitado pela escassez de recursos. Na região de Ribeirão Preto, há dois procuradores para acompanhar 39 usinas. É pouco, mas, graças (também) às ações de fiscalização, hoje está quase erradicado um fenômeno do passado, o trabalho infanto-juvenil no corte da cana no Estado.