BY Rev Brasileiros
Luzilá Gonçalves Ferreira é explosiva ao escrever, arrebanha
ventos, destila palmeiras e canta o tempo como se viola fosse. São cordas
afiadas, onde seu delírio de criar espoca como as marés do tempo. Leitora fina,
prova do sabor de onça da palavra. Cedo, aos dez anos ja devora Dostoievski,
Jean-Christophe de Romain Rolland, o Sparkenbroke
de Charles Morgan e as Cartas a um jovem
poeta, de Rilke.
Nascida em Garanhuns, logo cedo veio para o Recife, onde fez
a graduação em Letras, iniciou a pós e pulou para o mundo através dos livros e
estadas em países outros. Fez doutorado em Estudos Literários na Universidade
Paris VII, morou dez anos na França e quatro na Argentina, em Buenos Aires.
Mas, no resto do tempo, é o Recife mesmo cidade de sua eleição e coração,
nervos e escrita.
Professora da UFPE, nos cursos de graduação e pós-graduação
em Letras, e escritora, Luzilá tem 44 livros publicados, entre contos,
romances, biografias, ensaios, individualmente ou como co-autora. Possui também
muitos artigos em periódicos nacionais e estrangeiros, vários prefácios e participa
da Academia de letras de Pernambuco, em que se destaca pelo volume da obra e
tessitura contemporânea da escritura.
Luzilá Gonçalves Ferreira foi premiada na IV Bienal Nestlé
de Literatura, em 1988, com o romance Muito
Além do Corpo. Em 1994, recebeu o prêmio Joaquim Nabuco, da Academia
Brasileira de Letras, com Os Rios Turvos.
Venceu ainda o prêmio Lucilo Varejão, da Fundação da Cultura da Cidade do
Recife, com a obra No Tempo Frágil das
Horas, de 2003. Voltar a Palermo
foi finalista para o Prémio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, em 2002.
Em 1982, a autora tornou-se conhecida nacionalmente pelo seu
trabalho de quase biografia sobre Lou Andreas Salomé, com Cinzas no jardim (Coleção Encanto Radical, São Paulo, ed. Brasiliense,
1982)
Fala
Gonçalves:
"LouAndreas-Salomé conseguiu realizar, em seus 76 anos
de vida, o que nós todos gostaríamos e deveríamos fazer sempre - e não o
fazemos por descaso, indolência, medo: tornar a vida o exercício apaixonada de
uma busca. Sua exploração em todos os possíveis. Isto que requer a fruição
intensa e incessante de coisas e pessoas que nos cercam, de modo que o mundo
exterior em nós penetre e a nós se incorpore. Pois a vida,
como o dizia Rainer Maria Rilke a propósito de Rodin, "está nas pequenas
coisas como nas grandes: no que é apenas visível e no que é imenso”…”Antes
mesmo do seu encontro com Rilke, Louise von Salomé já intuía essa verdade:
desde muito cedo encontramos nela um grande apetite de aprender e de amar - e o
objeto de sua atenção podia ser a psicanálise, a curtição de uma paisagem, de
uma flor, de um esquilo na floresta ou de um corpo amado.”
http://bit.ly/1ihjbxi
Depois desta ela mergulha em outras biografias, mas esta a
torna conhecida dentro e fora do país.
Na rede da história, Luzilá dá belas bordoadas, reescrevendo
ficcionalmente em seus romances biográficos. Assim ocorre
em Rios Turvos, de 1993 (em sua
sétima edição), em que a escritora exacerba, caminhando entre história e
ficção, e nos ensina literatura, à medida que nos aponta os clássicos, entremeando-se,
intertextualmente, com a história de Bento Teixeira.
Bento Teixeira (1561-1600) escreveu o clássico
“Prosopopéia”, épico da literatura brasileira. Pendem dúvidas quanto ao seu
nascimento, se em Porto, Portugal, ou em Recife. Seus pais eram cristãos-novos,
marca que carrega até o desfecho trágico de sua vida, envolvido numa trama de
paixão, que o leva à prisão e à morte.
A autora
narra a relação amorosa do português Bento Teixeira com a brasileira, do
Espírito Santo, Filipa Raposa, com desfecho trágico: ela, sua mulher, o denuncia
ao Tribunal do Santo Ofício, sob acusações de ser judeu e mau cristão. Nos
entrecortes do roteiro, a autora desfila com a poesia clássica, que vem de
Ovídio, como pano de fundo para os encontros de Bento Teixeira com a amada;
Camões, de Sôbolos Rios… e dos breves
enganos: “Do amor não vi senão breves enganos”; aparecem também os poemas
encomiásticos (de Bento), na Prosopopéia, poema escrito em Pernambuco.
O amor é um tema insistente em sua obra, bem como a posição
da mulher no cenário brasileiro. O amor que Luzilá compõe não é o amor banal,
mas a trama sob a qual emoldura vidas e faz histórias do homem como fonte de
articulações políticas cotidianas, tecendo o contexto histórico-social.
Isso está posto em Rios
Turvos, 1993, Voltar a Palermo, 1993, Muito além do corpo, 2003, A
Garça mal ferida,1993, e Illuminata,
2009. Todos, à exceção do segundo, se passam em séculos
passados e trazem a trama de amor, desventuras e personagens históricos.
Ampara-se a autora no seu estilo poético, que desenha e
redesenha o poema. Sem fastio e sem adornos exagerados, ela decora a sua poesia
mansa. Vejamos:
“um silêncio equívoco esticava os fios do telefone, feito
açúcar de alfenim”, .. “em silêncio nos amamos por séculos (...) estranha foi a
volta para ti, depois daquele encontro com ele” (p. 57) “deve ser, teu rosto
resplende”, responde ele - Muito além do corpo (p. 59) apud Moisés Neto http://bit.ly/KtJXXu
e continua:
“O corpo é
metáfora de nós, sinal evidente de algo mais profundo (...) meu existir efêmero
e eterno” (p. 60) Muito além do corpo http://bit.ly/KtJXXu
Luzilá é uma poeta e tanto. Na sua
escritura, convergem poetas, de Ovídio a Bento, Cecília, Drummond e senão
Clarice, isso tudo em Muito além do corpo.
Agora vamos à própria escritora, que nos recebe para a
entrevista, enquanto damos motes para que a mesma desfile sua palavra:
Literatura e contemporaneidade..
Há uma grande diversidade de temas e inspirações, na
literatura brasileira atual.O que se poderia chamar de literatura regionalista
– que alguns autores rejeitam, como se em outras grandes literaturas não
existissem escritores essencialmente ligados a sua terra, penso em Jean Giono,
em Francis Jammes, na França, por exemplo, em um certo Mauriac. Essa nossa
literatura é de alto nível, como mostram Raimundo Carrero, Ronaldo Brito.
Quanto á literatura de caráter mais, digamos, urbano, é quase impossível acompanhar o número de
autores novos que se tem espalhado pelo Brasil e generalizo, tenho a impressão
de que, como disse alguém, estão todos escrevendo o mesmo livro.
O ato de escrever…Uma explosão..
- Explosão para escrever? Não houve exatamente explosão, mas
um desejo sempre crescente, desde ainda menina, de um dia chegar a escrever
livros. E levei anos para me decidir a ser uma escritora, o que nem bem sei
ainda se sou, apesar de nove livros de ficção publicados, três
biografias,organização de três antologias de literatura em Pernambuco e umas
tantas colaborações em obras coletivas.
Como está a
literatura …
- Há modismos sim em certas formas discursivas. Penso em
alguns autores que organizam o texto, separando-o em pequenos capítulos ou
linhas soltas, como se isso fosse uma grande novidade. Mas sem nada de original
no conteúdo. Para falar verdade: acho
que há muita coisa ruim sendo publicada, divulgada por esse nosso pais, como
sendo boa literatura., muitos equivocos.
A literatura e a memória..
-Toda literatura não pode ser senão o próprio autor, que se
derrama no texto implícita ou explicitamente, como poderia ser de outro modo,
se escrever é buscar, se aproximar daquela fala que nos diria e que finalmente
nunca alcançamos? Acho que poucos escritores, e penso em nossa literatura e na
literatura mundial, conseguiram escrever o grande livro com que sonharam ou
sonham. Respondendo a sua pergunta: meus leitores dizem que meus livros são a
minha cara.
O Romance
histórico…
Com exceção de Muito além do corpo, meu primeiro roma’ce
publicado, tudo o que escrevo parte da História, relatada por historiadores ou
imaginada, recriada.. O modo como os seres humanos construíram as comunidades,
através dos tempos, como levaram adiante projetos de vida para si ou para
outros, me fascina. Nesse sentido, a história de Pernambuco é um celeiro de
personagens e sugestões, e nela, sobretudo, as mulheres: Felipa Raposa vivendo
em Olinda na época da Inquisição, Anna Paes dilacerada entre a admiração pela Holanda e seu amor pela terra, nos tempos de
Nassau, a Baronesa de Vera Cruz, dividida entre a trepidante Paris do
século XIX e a melancolia de seu engenho que ela nunca saberia administrar,
Iluminata, culta e solitária, buscando a si própria e ao amor, num Recife que
se urbanizava, são tipos vicários de mulheres, escrevendo sua própria história
e pelas quais ou o que sou. Escrever
suas vidas foi um belo desafio, pois, como saber exatamente que sentia e pensava, como amava, uma mulher
de outras épocas? Leio e pesquiso para isso: livros de História, testamentos ,
jornais, busco encontrar traços de vida, nos olhares tristes de mulheres do
passado em fotografias antigas. E claro,
há um pouco de mim nos retratos que faço delas, quando se transformam em
personagens de romance, e até traços biográficos¨como no romance Voltar a
Palermo, que se passa na Argentina, nos tempos da repressão, e onde vivi:
Maria, professora como eu, tem muito de mim.
Seus aconselhantes..
Quanto a jeitos de pensar, de organizar o modo como sinto e escrevo,
claro, há muitas influências, de que nem me dou conta, mas que certamente estão
ai. Em autores do quais me sinto uma irmã, como Anton
Tchekov, Katherine Mansfield, Emily Bronte, Lucio Cardoso, Mario de Andrade,
Colette, Rilke, Anna Akhmatova, que sempre leio e releio, cada vez com maior
prazer à medida que os anos passam.
O que escapa
ou escapou da Literatura
Na literatura brasileira atual, que o grande público ainda
não destacou – mas seria isso tão importante? – penso em Arlete Nogueira da
Cruz, que fez com sua admirável Litania da Velha, um retrato de S. Luis do
Maranhão, cidade que amo. Quanto a Gilvan Lemos, é sim um injustiçado: um grande contista,
premiadíssimo, que nos deu com O anjo do quarto dia um de nossos melhores
romances, citado no jornal Le Monde, publicado em Paris na importante revista
literária Caravanes. Com fiéis leitores no Brasil, mas poderia ser melhor
reconhecido. Daniel Lima: meu amigo, meu professor na universidade e na
vida: roubei parte de sua obra, fiz
publicar contra sua vontade, por achar que o Brasil lhe devia isso. E o prêmio
Alphonsus de Guimaraes, que lhe atribuiu a Biblioteca Nacional provou que eu
tinha razão.
Como fazer um apanhado de sua obra, sim, uma radiografia da
mesma, por você ..
- Radiografia de minha obra? Eu diria, como dizemos
por aqui: Vixe Maria! E eu sei? Mas
Tentando lhe responder: talvez eu tenha buscado, nesses meus mais de trinta
anos de literatura, dar um testemunho do que um dia em meio da vida, uma mulher
resolveu acrescentar uma pequena pedra à construção de um mundo que amou, seus
homens e mulheres, seu bichos, suas plantas, e que eu fico danada por ter de
deixar,hélas.
E para terminar
como poderíamos dizer do Brasil de hoje…
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- E o
Brasil? Odi et amo, como diria Horácio ... Ovidio?Com todos os seus defeitos, oh
quantos, carências, desigualdades, injustiças, desordens. Mas tanta esperança.
Poderia viver em outros países mas é aqui
que escolhi viver e onde espero ter um tumulozinho no cemitério de Santo
Amaro, que guarda a história da cidade do Recife desde 1859 (? ).