Conheci Hermilo Borba Filho, sua obra é extensa e vai
do Romance, conto, teatro à ensaios.Um homem sério
que deixou marcas na cultura pernambucana e brasileira.
Sua obra extensa é seu grande testemunho que ainda
muitos brasileiros não a conhecem.
Transcrevo a baixo matéria do Caderno VIVER
Diário de Pernambuco, Recife, Pe 09.07.2016 ,com o estudioso seus Luis Reis
Paulo Vasconcelos
O professor do Departamento de Teatro da UFPE Luís Reis foi responsável por escrever a tese de doutorado Fora de Cena, no palco da modernidade: um estudo do pensamento teatral de Hermilo Borba Filho. O trabalho, que aprofundou o debate sobre o legado do artista cênico pernambucano, passa em revista as diversas atividades nas quais Hermilo se envolveu, desde a atuação, no início da carreira, até seu pensamento crítico e ficcional. Em entrevista ao Diario, o estudioso detalha a importância do pernambucano para as artes cênicas.
No começo da carreira, Hermilo Borba Filho pertenceu ao Gente Nossa e ao TAP, que, na época, já eram grupos importantes do teatro pernambucano. De que forma essa experiência impactou o jovem Hermilo?
Foi o contato de Hermilo com o teatro propriamente dito. Antes, em Palmares, a participação dele no grupo dramático do professor Miguel Jasseli propiciou a descoberta de seu interesse por essa arte; mas é no Gente Nossa, e logo em seguida no Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), que ele vai ter acesso a pessoas, artistas e intelectuais, com os quais vai dialogar por muito tempo, concordando e discordando, mas contribuindo coletivamente para a consolidação da modernidade teatral em Pernambuco. Entre essas presenças marcantes no Gente Nossa e no TAP, destacaria, naturalmente, a de Valdemar de Oliveira.
O Teatro de Estudantes do Pernambuco foi o primeiro grupo no qual Hermilo pôde colocar sua visão sobre o teatro de forma plena. Qual o alcance e a importância desse coletivo?
Sua ida para o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), em 1946, significou uma tomada de posição, uma ruptura, em relação ao teatro feito por Valdemar de Oliveira no TAP. Era um gesto político e poético: tentar levar teatro moderno, de alto nível, a camadas economicamente menos favorecidas da sociedade. O TEP queria sair um pouco do requinte do Teatro de Santa Isabel, ir para as praças; queria seguir o exemplo de Lorca, que levara bom teatro, de graça, para o povo da Andaluzia. Artisticamente falando, era uma fase de descoberta, de experimentação, muito focada no fomento a uma dramaturgia moderna e nordestina. Foi um rico convívio criativo de talentosos jovens liderados por Hermilo.
O início dos anos 60, no qual o TPN floresceu, também via a atuação cada vez maior do Movimento de Cultura Popular (MCP). Como a atuação de Hermilo se relacionou com outros grupos e propostas estéticas de seu tempo?
O Teatro Popular do Nordeste (TPN), sim, é o momento de maturidade artística de Hermilo, sobretudo o TPN da segunda fase, a partir de 1966. Ali, ele desenvolve encenações que estavam, de fato, na vanguarda da investigação teatral do país. O contexto político era muito tenso e complexo, propício a disputas, patrulhas e perseguições. Nos primeiros anos da década de 1960, em grande medida motivada por um desentendimento entre Hermilo e Germano Coelho, houve uma ríspida oposição entre o TPN e o teatro feito pelo MCP. Hermilo e Ariano, co-fundadores do MCP, logo rompem com esse movimento, afirmando não aceitar a instrumentalização política da arte. Após 1964, com a tomada de poder pelos militares, o TPN recebe ex-integrantes do MCP em seu elenco, e assume certo protagonismo na luta contra o autoritarismo e a repressão, encenando peças que claramente expressavam o posicionamento ideológico do grupo: Um inimigo do povo, de Ibsen; Andorra, de Max Frisch; Antígona, de Sófocles, O santo inquérito, de Dias Gomes, por exemplo.
Hermilo Borba também foi crítico de teatro. De que forma essa sua produção escrita ajudou a analisar os espetáculos em cartaz na época e, ao mesmo tempo, mostrar um pouco do pensamento do autor?
Na década de 1940, o trabalho de Hermilo como crítico teatral foi muito importante, sobretudo por trazer ao Recife as grandes questões da modernidade teatral. Ali, também, podemos ver a formação e o fortalecimento de seus valores estéticos e éticos. Seu trabalho como crítico teatral em São Paulo, nos anos de 1950, é também decisivo para o aprimoramento e para a confirmação de suas ideias em busca de uma expressão teatral brasileira, nordestina.
Quais foram as contribuições estéticas que o teatro de Hermilo Borba Filho trouxe ao teatro brasileiro?
Desde jovem, ainda na década de 1940, Hermilo evidenciava alguns dos principais traços de sua personalidade como criador: intensidade e inquietação. Nos palcos, foi um pioneiro na discussão sobre a possibilidade de um teatro mais sintonizado com os valores e as questões próprias do Brasil, do Nordeste. Ávido por saber, importava livros que o mantinham atualizado com o que acontecia de mais importante na cena internacional. Foi um dos primeiros brasileiros a ler atentamente Brecht e Artaud, por exemplo. Colocava-se como seguidor de Copeau e como aliado de Vilar. Amava Lorca e O’Neill. Mas o seu interesse pelo teatro estrangeiro não era maior do que a sua admiração pelos artistas populares da terra. Viu poesia e beleza onde a maioria, quando muito, só enxergava “folclore”. Tinha como mestre o Capitão Antônio Pereira, do bumba-meu-boi da Mustardinha. Sem ser propriamente um discípulo de Gilberto Freyre, levou aos palcos a provocadora equação do Regionalismo de 1926: região, tradição e modernidade; abrindo, assim, caminho para algumas das melhores expressões do moderno teatro brasileiro.
Hermilo era um pensador arguto do teatro e escreveu vários livros, além de ter traduzido vários outros. Quais trabalhos nesse sentido você classifica como os mais relevantes?
Como pensador do teatro, Hermilo deixou muito material, refletindo sobre uma rica diversidade de temas, como: literatura dramática, encenação, interpretação e história do espetáculo. Em particular, de modo original, produziu estudos sobre as manifestações dramáticas do povo nordestino. Tenho o projeto de organizar uma publicação reunindo o melhor de seus ensaios, de suas palestras e de suas críticas teatrais. Nesse âmbito, considero Diálogo do encenador, de 1964, como o título de maior relevo, pois se trata, no Brasil, de uma das primeiras investigações mais aprofundadas sobre a arte da encenação.
Você acha que a obra de Hermilo Borba Filho tem a importância devida a ela não apenas no Recife, mas fora daqui?
À medida que os estudos teatrais no país vão se desenvolvendo, nomes como o de Hermilo Borba Filho serão cada vez mais reconhecidos, por terem contribuído, entre outro aspectos, para que o teatro brasileiro, ao longo do século 20, ganhasse maior autonomia criativa, superando em grande medida um antigo sentimento de subalternidade (colonial), sobretudo em relação à cena europeia.