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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

ESTE RECADO TEM ÁGUA POÉTICA NO BICO DO CANGAÇO-José Lins do Rego , em Cangaceiros

 

                                                       Foto José Olympio -divulgação





 


 

 

Paulo Alexandre Cordeiro de Vasconcelos


 NA AMAZON TEM

 

 


 

 

1 -  Abrindo

  •  Em pleno século XXI, decorridos quase setenta anos de sua publicação,  a obra Cangaceiros -José Lins do Rego- ZELINS- é de uma   atualidade espantosa nos dias de hoje.É incrível a  presença do mito ou mitos, milícias, fanatismo religioso, a morte e seu desaguamento constante , o medo do homem e seu entorno político. A luta por sobreviver entre pobres, famintos e o poder das elites.O jogo e as promessas fantasiosas cercam os núcleos do romance.Mesmo assim o romance ainda é desconhecido por muitos.Mas isto é apenas uma nota inicial, queremos aqui apresentar  o caráter poético da mesma e  apontar  a falsa  pecha de José Lins como apenas um escritor memorialista.


         Uma brecha não revista

Sempre nos chamou atenção o fato de José Lins do Rego ter sua obra vista na maioria dos leitores nacionais, críticos e intelectuais da área, incluso editores, como memorialista face  o foco do chamado  Ciclo da Cana do açúcar, destacando-se  -Menino de Engenho-1932 e Fogo Morto-1943-obra  maior , segundo muitos críticos. Com isto havia panos para as mangas  no sentido de se afirmar, face seu desenrolar de história de vida, ser ele um chamado memorialista, portanto um reducionismo, ao nosso ver. Memorialistas todos os escritores são, para mais ou para menos ocultos em tramas ficcionais e outros artificios discursivos literários.

Faltou e falta um alargamento desta visão, com outros romances dele, caso em que aqui sublinharemos-Pedra Bonita e Cangaceiros, mas há que se ver várias outras,   do  ciclo urbano, como Eurídice, Água-Mãe, entre outras. Lembremo-nos , e digo enfaticamente que é preciso olhar José Lins , também, como um prosador na crônica  e nos ensaios, outrossim ver sua poética na desconstrução da sintaxe ou do engenho de contrapor palavras regionais ao não regional, coisa aliás comum na atualidade ,mas que antes não se destacava.

Desta feita, aqui faremos um foco nas chamadas obras  sobre o cangaço, e que ele se detém intensamente-Pedra Bonita e Cangaceiros.

Chama-nos atenção, como veremos no discorrer deste artigo, a sua escrita influenciada pela escuta e apreensão do léxico da região e circulação entre os brasileiros que conviveram com o cangaço  nos repasses para o largo público por onde o cangaço circulou e criou um léxico próprio.

Afora isto temos que ver como a literatura de cordel,(autores e cantadores-violeiros/cantores) foi de importância para a época como difusora dos fatos do cangaço, daí José Lins ter estudado esta forma de literatura para efeito de construção de suas obras, especialmente estas que aqui sublinhamos. Há que se destacar a poética do cordel, suas raízes telúricas, suas acrobacias metafóricas e com isto um erigir poético. Se fôssemos adentrar neste campo haveria que ser uma obra ensaística ,mas não é o que nos propomos , apenas uma leve pincelada sobre este fato.

Nosso olhar.

Desta feita, e por essas considerações iniciais ,nosso trabalho se escava diante de uma longa pesquisa há anos iniciada sobre a obra de José Lins do Rego fora do contexto acadêmico, por puro desejo de mais conhecer o autor.

Coincidências a parte, como paraiban que sou, também, e tendo vivido no Recife, estudado em instituições pelas quais o autor passou, minha identificação ai se fincou mais ainda. Junta-se a isto nosso trabalho como poeta,cronista,ensaista na área de literatura e pesquisador  do cordel.

Ao mesmo tempo, que refinávamos a leitura nas obras desse autor, criamos um protocolo de refino temático, partindo incialmente de suas obras iniciais do chamado ciclo do açúcar e depois recorrendo às outras obras  que não fazem parte daquele ciclo, mas que  cria empatia maior, e que perpassa de modo intenso o léxico popular regional- paraibano/pernambucano. Nesta Região, entremeio de Pernambuco e Paraíba, onde está fixadao o cenário da maior parte de suas obras em que se afirma uma textualidade discursiva ensopada, da oralidade local revelando sua prosa/ poética e sua irmanações ao mundo da literatura popular – ou como se queira, do Cordel.

Para a presente comunicação   pusemos um foco sobre sua obra Cangaceiros e uma aliança para Pedra Bonita, obras inseparáveis.

 

O aspecto memorialista, constante,  da maior parte de suas obras permite,a criação discursiva absorver uma textualidade num esmiuçar,  como que fazendo uma genética discursiva literária, dentro do seu estofo subjetivo, testemunhado nas suas declarações memoriais e na intertextualidade das obras ficcionais e, ai aparecem os flagras repetidos, quase como uma coluna mestra da sua história familiar e reminiscências da fase infantil presos a  cultura com flashes contínuos de fatos  familiares e extrafamiliares  junto com o cangaço.

 

 

2- Zelins : Da Cultura Popular à  Cultura escrita Literária

José Lins do Rego, nasce no Engenho Corredor, Pillar, PB, em 3 de junho de 1901 vindo de João do Rego Cavalcanti e Amélia Rego Cavalcanti. 1909, vai para Itabaiana-PB, cidade importante do entroncamento  que faz ligação entre a Paraíba e Pernambuco, para ser interno no Colégio Nossa Senhora do Carmo. Em 1912, entra no  ginásio -Colégio Diocesano Pio X, na então Capital da Paraíba, já se apurando literariamente na agremiação Arcádia, em que ensaia sua textualidade mediante seus artigos iniciais, cingindo seu pensamento nos retratos de intelectuais daquele tempo, como foi o caso de Joaquim Nabuco e que são publicados na Revista do Pio X.

É em 1915 que irá para o Recife, como tradição de sua classe social familiar agrária paraibana. Recife como a capital desenvolvida socioeconômica e intelectualmente do Nordeste, enovela-o e assim é matriculado- no Instituto Carneiro Leão e em sucessivo no Ginásio Pernambucano, para em 1919 iniciar-se na Faculdade de Direito. Estava cumprido uma história de um sucessor dos Cavalcanti, com inquietações tantas para um reinado da palavra, seja na ficção, ensaios , crônicas e critica literária.

Dedé, como era chamado Jose Lins na infância, ao nascer vive uma história trágica,a perda:  morte da mãe, e afastamento do pai, sendo criado pelo avó materno, o senhor de engenho. E será nesse seu percurso de persona, que sua subjetividade se alimentará, das pontas sociais não só agraciadas por dinheiro, mas pela servileza, das negras, negros, como meninos outros, negros, brancos e pardos, e nesse convívio, faz também ouvidos  a família e vai lapidando um sujeito de ouvidos e olhos atentos, desenhando um mundo de novelos múltiplos: de grama, cajazeiras, ingás, juazeiros, mar de cana de açúcar, bichos, melado, sexo, histórias, contos e causos e vai esculpindo sua ficção interna subjetiva.

Diz o autor¨ "....com Usina termina a série de romances que chamei ... de “ciclo da cana-de-açúcar”.A história desses livros é bem simples – comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço da vida o que eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior." (REGO, 2010, p. 29).

Entre o melado, a água- o rio, ou o mar da cana Zélins prospera nas aquisições do tempo poético, telúrico da imagem e da palavra e faz tecer internamente uma poética do ser cingindo-a de tons da cultura do entorno que amplia e adorna sua estrutura cognitiva, ressignificando-as em seu modus vivendi.

 

      "Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica. Tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava em si mesmo... Os escravos das plantações e das casas, e não somente escravos, como os agregados, dilatam o círculo familiar e, com ele, a autoridade imensa do pater-famílias. Esse núcleo bem característico em tudo se comporta como seu modelo da Antiguidade, em que a própria palavra “família”, derivada da famulus, se acha estreitamente vinculada à ideia de escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao patriarca." (HOLANDA, 1995, p. 80 –)

 A vivência solta da infância, rejeitado, ou não, órfão, com o de fato foi, permitiu-lhe experiênciar os outros, seja no plano físico, vivo do mundo senhorial do engenho, seja pelo repasse das histórias que voavam pelas bocas das velhas figuras, Maria Gorda, Generosa, Galdina e Romana, negras, ou brancas, mas entre uma e outra mescla-se  o domínio de culturas não dispares mas que fazem um duplo movimento de ressignificação de uma cultura pela outra,e seu inverso na cultura escolar .

De tais historias entre grupos de crianças, amigos primos, envolvem-se as histórias contadas, pelas velhas negras, que alimentam um imaginário da cultura popular, seu léxico fincado na exegêse da(s) cultura(s) e sua polifonia vasta, e assim surgem as historias de Trancoso, dos heróis de qualquer sorte, e neste contar interpretar, aparecem as imagens e textualidades mastigadas dos cangaceiros, herói e anti -herói de um tempo do engenho, e que hoje ainda se espraiam no imaginário Nacional.

É portanto ligado na boca do outro e de ouvido atento e ,mais tarde leitor aguçado à literatura de Cordel que José Lins edifica sua obra, numa conduta de semioticista, à agregar a si as histórias dos folhetos e faz eclodir sua obra dentro de um movimento Regionalista de valoração da cultura nordestina.

Diz Zelins, sobre sua inspiração e influências, em sua obra ensaística- Poesia e Vida-1945, ao ser abordado pela imprensa de São Paulo:

"O jornalista procurou falar  de minhas influências estrangeiras, dos mestres que me haviam nutrido a minha formação cultural – eu lhe falei dos cegos cantadores de feira de Paraíba e Pernambuco. Os  cegos cantadores amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que contar. Dizia-lhe, então, quando imagino os meus romances, tomo sempre como roteiro e modo de orientação, o dizer das coisas como elas surgem na memória, com jeito e  as maneiras simples dos cegos poetas.."(LINS,1945 p 54)

Ë fato que o autor se levanta, primeiro em suas crônicas como estudante e depois bacharel, para em seguida pipocar no campo Literário ficcional. Se Menino de Engenho, sua obra inicial chama atenção para o mundo agrário patriarcal, já ali aparecessem as historias tantas e entre elas a do Cangaço.

É em Menino de Engenho, que Carlinhos faz referencia a Antônio Silvino por ocasião de visita ao casa grande, do engenho do avó:. “Eu o fazia outro, arrogante e impetuoso, e aquela fala branda viera desmanchar em mim a figura de herói” (REGO, 2006. p. 49).  

Jose Lins chega a ser aclamado pela crítica nas suas injunções poéticas com Fogo Morto, em que ainda se ancora na cana de açúcar mas celebra uma nova instância que é o mundo em paralelo do engenho, onde o mestre Ze Amaro, olha de fora para a vida, para a politica, e sobretudo para a existência, de modo doído, mas apalavrado nos vários personagens ali vividos, bem como sua ligação com o cangaço, uma espécie de braço, em que seus favores se aglutinam para a manutenção ou logística do cangaço , no caso de Fogo Morto.

O Cronológico de sua obra como assim vemos é: 1932, com Menino de Engenho; no ano seguinte e vem Doidinho; em 1934, Bangüê; em 1935, O Moleque Ricardo; em 1936, Usina; em 1937, Pureza; em 1938, Pedra Bonita; em 1939, Riacho Doce, Em 1941, José Lins do Rego publicou Água-mãe; em 1943, Fogo Morto, 1947, publicou Eurídice e em 1953, Cangaceiros, obra que tem um elo necessário com Pedra Bonita, sua verdadeira continuação, sendo assim estas duas nosso foco, em que o Cangaço é sublinhado, na expressão discursiva da obra e sua poética se faz adensada, mesmo que escondida e não vista intensamente pelos seus críticos  .

Enfim, não é somente ciclo da cana de açúcar que vai aparecer,  a realidade do cangaço, mas em quase toda sua obra entremeada pela linguagem popular .

 


3 -NO BICO DA SUA OBRA

 

 

3.1 O inicio e o bico nas letras.

 

Zelins antes de ter seu nome alardeado por sua obra inicial Menino de Engenho,1932 , já era conhecido em Recife e na Paraíba, e mesmo um pouco do sudeste, Rio de Janeiro .Escreveu para jornais culturais e imprensa da região, era um homem tido como intelectual e letrado.

Seu primeiro livro Menino de Engenho foi editado com esforço pela Adersen-Editores , RJ 1932, anos depois faz amizade com Jose Olympio com quem publica toda sua obra  e parte de seus ensaios e crônicas, o editor mantinha um excelente relação com seu editado, tendo este contribuído para a fama daquele editor paulista de prestigio e realizado a divulgação editorial de grandes autores nordestinos, como José Américo de Almeida Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos entre outros.

A obra Cangaceiros, 1953 é  seu último Romance,   uma continuidade de Pedra Bonita, 1938,   obra que gira em tono do seu personagem Antonio Bento, afastado de sua família, criado pelo Padre Amancio a pedido da mãe. Bento  desconhece a história de Pedra Bonita que remonta ao fanatismo religioso. À passagem de uma obra á outra,-Pedra Bonita para Cangaceiros, é um traço cronológico de Bento, sua formação-P. Bonita é também uma iniciação ao leitor do que é o sertão em pequenas cidades, os poderosos da região; assim postam-se juízes, políticos, religião e a comunidade com seus personagens excêntricos. Quando Bento sai a procura de sua real história caímos em Cangaceiros, ou seu entorno familiar histórico infestado por uma realidade recoberta de imaginário denso.

Zélins através através da obra Pedra Bonita vai apontar para a formação e dilemas  de Antonio Bento - ciclo da adoção religioso pelo padre Amancio,seu tutor a quem a mãe D.Josefina entregou-o para criá-lo afastando-o da realidade familiar em Pedra Bonita  em que se imbrica família , milicianos, fanáticos, religião- semiárido/ caatinga, área seca, em que se chama de sertão.

 

Desta forma temos que destacar que  o enquanto ciclo da cana é mundo econômico-cana de açúcar , zona da mata ou massapê e agreste, em confronto como semiárido/ caatinga, área seca, em que se chama de sertão. Menino de engenho 1932 a Doidinho; em 1934, Bangüê; em 1935, O Moleque Ricardo que transita com o mundo urbano do Recife e Olinda; em 1936, Usina. Estes todos estão entre o agreste e zona da mata ,Cangaceiros, entretanto passa-se na caatinga, é uma obra que vai buscar ver o cangaço nas suas consequências sociais conjuminadas à ação do messianismo, dito fanático, pela crítica, em que o sagrado e profano se misturam na violência de um e do outro.Vale lembrar desta feita que este espaço da caatinga não consta da vivência do autor, senão por história e aprendizado,  , logo desaba o foco memorialista, coisa que os críticos não citam.

ZéLins para produzir esta obra veio do Rio,onde morava, e assim o fez   várias vezes, vindo molhar-se na cultura da terra, do Nordeste e assim embebe-ser com a sua realidade, saboreia : o  cordel-destacadamente João M.de Ahtayde- e-ouve pessoas. Aqui temos um autor preocupado com a história de seu povo, com a sua cultura, e com a estruturação de um roteiro pertinente a um romancista já consagrado.

De volta da Europa,final da década de 40 começa a escrever o romance e em 1950 lança como folhetins nas edições de O Cruzeiro, assim nos adianta Nelly Novaes Coelho em apresentação da obra Cangaceiros- (Obra-Eletronica-Kindle-2011)

O cangaço para Zelins era algo presente em histórias familiares, como está posto nas suas  obras anteriores e mesmo na obra biográfica da infância que é Meus Verdes Anos.

Para o autor:

“A  história do cangaço, no nordeste brasileiro, está intimamente ligada a a historia social do patriarcalismo, à vida de uma região dominada pelo mandonismo do senhor de terras e de homens. como se fossem barões de  feudos. O chefe que mandava, de baraço e cutelo na família, nos aderentes, nos eleitores, precisava muitas vezes da força, acima da lei, para  impor-se e dominar sem limites. Nem o Estado seria capaz de enfrentar o chefe que , no sertão, era mais do que o Estado. Para manter-se de pé, prefirmar-se suseranamente, o chefe recorria aos seus homens dispostos, aos cabras de olho virado, aos que matavam sem dor na consciência. A função do canganceiro passava a ser uma espécie de gendarmaeria às avessas.O crime é que tinha o poder poder corretivo.(REGO, apud Castello,1959)

A descrição do autor é coerente com as suas obras, pois muito pouco aparece a figura do estado, senão pelo poder judiciário, juízes e a policia, mas seus personagens destas áreas são  sempre figuras de um poder desarmando o estado. O que se destaca no ciclo da cana é o poder dos senhores, dos bangues, engenhos e usinas macomunados com seus escravos e mandantes de forcas como no caso de Antônio Silvino, do cangaço.

 

Cangaceiros é uma obra que continua Pedra Bonita, como declarou mesmo o autor, narra, em uma e outra, a vida de Bento. Em Pedra bonita ele é o centro e continua em Cangaceiros, mas dialogando com a família seu entorno.

Saliente-se que  o acontecimento de Pedra Bonita vem  ficcionalmente,  de Araripe Júnior O Reino Encantado,  de 1878, Zelins  A Pedra Bonita e Cangaceiros e Ariano Suassuna - mais tarde retomam . -A pedra do Reino -1971.As obras são inteiramente distintas tanto no gênero e sub -gêneros a que possa pertencer, mas pela genética de ambas e  uma arquitetura dispares uma das outras.

 

 

Cangaceiros o Romance. 

Cangaceiros -a  obra esta divida em dois grandes capítulos, no primeiro -A mãe dos cangaceirose o segundo- Os cangaceiros. No primeiro capítulo há um enredamento entre Bento e seus pais, com destaque para a mãe. Bento volta a casa paterno-materna para melhor conhecer suas origens e o segredo de Pedra Bonita.

 

No segundo capítulo, agora com a mãe e o pai mortos, Bento irá se enredar com forca ao contexto do lugar, quando se depara com seus irmãos: Aparício, já no cangaço, e Domício, chegado a Bento, com sangue de poeta e cantador, mas que cai no cangaço, afim de dar retaguarda familiar ao irmão Aparicio..

 

 Será com Aparício, irmão mais velho de Bento, que  a saga da família  continuará,como que confirmando a maldição de sua família- os Vieiras, entretanto há outros condicionantes, contudo a tal maldição fictícia ou preservada boca a boca é uma variável para sua entrada no cangaço, afora um sentido de justiça, num estado falido em segurança social.

Aqui,ainda, neste segundo capítulo vai haver  o acontecimento do amor de Bento por Alice, a desestruturação de sua sua família e implicações face ao cangaço. Surgirão suas dúvidas em pertencer ou não ao cangaço, pelos laços familiares e seu enfrentamento do mito que designa sua família como desgraçada-os Vieira,.isto se propagava região há muitos anos e rende esta fortuna infeliz.Apela ao santo da região aos irmãos do cangaço e por fim se determina em querer uma párceira e construir a sua nova família.

 


 

 

 

3.2 A prosa poética no contexto do Cangaço.

 

Zelins é um escrevinhador do homem, ele o canta, diz, diz pelo seu espaço nas suas vistas da sua cultura. O lirismo do autor é como suas narinas cheirando o mundo que quer dizer- sentir seus cheiros, sua estética. Combina seus odores com o seu desenho escrito, a palavra.Taí a prosa envergada pela poesia.

 

A oralidade vivida, ouvida,escutada combina-se ao lido, como das loas de cantadores, cegos, violeiros, poetas do cordel. Poetar o mundo e desformar, como dizia Manoel de Barros, tirar leite de formiga, ou anunciar ovo em ninho de piaba.

 

Poetar é desenhar o feito, o fato, a história, o romance, assim poesia e palavra se imbricam como a sela e a bunda, a carne e a gordura. Sua poesia é despudorada, como na palavra dita, falada, para mais dizer, mais apontar, ser confiável, ao menos. Isto é tarefa de um caçador de sentidos, de significados e aqui se aninha o semioticista cantando na viola de arpejos vários..

A semiosfera de Zelins é o bafo do humano, é a terra e sus pegadas de bicho e homem, com o sem zelo, para mais dizer...

 

e a boca da noite se abria para comer o mundo. Somente aquela cantiga da  negra dava sinal de gente na imensa solidão((Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 pag 54))

 

Seu lirismo advém  da oralidade vivida, ouvida e lida(no cordel),  funciona como uma bússola para seus cheiros. A personagem, sobre a qual ele desenha é o homem e suas circunstâncias, -o homem  e sua terra , seu espaço de lida, e se isto é regionalismo, também é universal, senta-se sobre suas carnes –palavras.

 

 Neste contexto de Sertão, caatinga, o livro principia com D. Josefina, a mulher dos Vieira cujos filhos tenta salvar de um fantasioso destino, dos Vieira, como se os santos houvesse condenado a eles. 


   Meu filho Aparício, Deus te mandou pra que o nosso povo saiba mesmo que a           maldição não parou. O teu rifle não pode mais que o rosário do Santo. A tua força faz tremer o sertão. É a força dos malditos da nossa raça, da raça do teu pai que a terra vai comer. Tu, Aparício, não para mais nunca. E me deixa, meu filho, me deixa com os últimos anos desta vida. Eu quero viver até o fim, eu quero carregar esta cruz nas costas, Aparício. Vai pro Santo e pega com ele um taco da força que ele tem. A tua força, Aparício, é a do sangue que corre nas tuas veias, é a força do teu avô, o home que era mais duro que o pau- ferro. Vai beijar a mão do Santo, Aparício. 

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle -2011 p. 22)

……

 

 

A palavra da velha conduzia o filho como se empurrasse um cego na estrada.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle -2011 p. 22)

 

Com as palavras coradas pelo sal da boca e do seu sol ele mastiga a dos outro e lambuza com o suor dos outros e joga no texto, como se jogasse terra seca

 

Lá nele, no vão esquerdo, o bicho caiu ciscando. 

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 24)

Começou a escurecer. Naqueles ermos, os bichos da noite, mal o sol se escondia, davam para gritar, para gemer, para piar. O canto dos passarinhos baixava de tom, mas a tristeza crescia de tamanho, para cobrir tudo de uma paz de fim de mundo.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 26)

 

Não teme a colheita nem o vento seco, tanto faz a palavra do abastado ou pedinte, se um cego ou um cantador, desde que veja as palavras, seu som...

 

O vento da noite naquele pico de serra começava a correr. Bentinho acendeu o candeeiro e uma nuvem de mosquitos encheu a casa. Vamos ter chuva disse a mãe, com voz firme e sem mágoa. Era a mãe do Araticum que voltava.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 27)

Constrói uma nova gramática, mesmo já devorada e aceita no sertão, e diz:

 

Mataram o fio dela, um menino genista. E ela não aguentou o repuxo. Deus Nosso Sinhô tem oio de gato, vê na escuridão.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 27)

 

Zelins sabe articular a gramática do povo com a da gramática consagrada pela língua culta, como sabe dosar as articulações entre uma e outra, como num mesmo salvo-conduto que lembra a língua de João Guimarães Rosa, mas é outro..

 

 

Ouvia tudo e se punha no seu serviço com os restos de suas forças, de alma pisada, muito mais batida do que as pedras dos lajedos.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 38)

......

Mas lhe pesavam mais na alma seca as palavras sobre o filho perdido nas catingas, como uma onça suçuarana.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 38)

 

A religião da seca não  atropela a religião católica e se cruzam num mesmo altar e se constrói um lírica delirante de uma poiesis exclamativa

 

Nisto um canto de bendito encheu a terra de tristeza. Uma das negras abriu a boca no mundo num louvor à Virgem Santa. Rompia a alma da velha como se fosse a música fanhosa das rezas dos romeiros. E corria também do seu corpo de mãe castigada o sangue dos inocentes.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 38)

 

A imagem recobre a palavra e da-lhe uma visualidade de um obra de arte, como daquelas de Portinari...ha um tecimento intersemiótico na prosa poética do autor:

 

No seu corpo curtido de dor Aparício ia deixando, a rifle e a punhal, as marcas das vinganças de Deus. Com aquela trouxa na cabeça, curvada, com os últimos raios do sol no verde da mataria, assemelhava- se a um quadro bronco de via- sacra. Era o destino que se arrastava como um verme de Deus. 

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 39)

 

O dramático poético sussurra verdadeiras epifanias sem carecer de versos rimados das demarcatórias de quadras, decassílabos e outros como no cordel, mas aprisiona a forca rítmica na flexão exata dos verbos..e padecia seu silencio

 

A velha não rezava mais. Tinha secado o seu coração, e padecia no seu silêncio, como uma pedra, num canto, indiferente ao sol, à chuva, à lua. Não tinha vontade de voltar para casa....

      (Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 40) 

       Observe-se a estética fincada na natureza, na flora e na fauna, o que torna a obra rica e detalhes 

       do     cenário em que confabulam os personagens e lhe conferem uma cor, seja  no trágico ou                    romântico.

      A noite entrava de portas adentro com os gemidos de seus bichos.

     Ventava frio,um sopro de nordeste que trazia de longe  um cheiro de açafroas da horta de         sinhá Josefina.....Era preciso tratar a defunta com rezas.

 (Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 106)

       ...

        Não havia  vivalma pelas proximidades.Apenas as  vozes da natureza cobriam pacífica 

       cobriam     aquele encontro de nervos e de alma de um cheiro de essências derramadas...

      (Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 pag 185)

       Não havia um pau seco, que não mostrasse a sua flor.O cheiro macio do Muçambé adocicava

       o     caminho...(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 209)

       

         FECHANDO

Mas nisto tudo é preiso ter o leitor  um olho apoetado, talvez numa vivência de aldeias e homens próximos para emprestar a obra o caráter de prosa poética, por vezes sem escleroses de retóricas sisudas que demarcam de modo estanque  o que é prosa e poesia.           

Zélins empresta sua estremada poesia  nesta obra, aposta no verso popular, entrega a fibra do          seu        discurso na escolha do léxico e faz história linguística,ao mesmo tempo.         

A obra ,como dissemos inicialmente continua intacta quanto ao foco existencial dos personagens,         a     barbárie humana e a degradação dos valores que se envolvem como fanatismo a politica e         o     imaginário dos homens.  

É magistral o caráter da mesma obra, pois no leitor mais crítico há que se ver que  o foco vai além  do     cangaço, não se restringe  a isto, pois a questão, é o humano seu debate diante  do        seu contexto e poder.

        Precisamos de  ler esta obra atentamente, reler com lupa e perceber as entrelinhas multi-epistêmicas      contidas    na mesma , apreciando o poético nela contida e que para muitos passa desapercebido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRONZEADO, Sonia Lúcia Ramalho de Farias. O messianismo e o cangaço na ficção nordestina: análise dos romances Pedra Bonita e Cangaceiros, de José Lins do Rego, e A pedra do reino de Ariano Suassuna. 2 vols. Tese de Doutorado, PUC-RJ, 1986. Mimeo. (Col Fortuna Crítica)

 

 

CASTELLO, José Aderaldo. Textos que interessam à História do Romantismo. v. II. São Paulo-SP: Conselho Estadual de Cultura, 1963..

  

CASTELLO, José Aderaldo. José Lins do Rego- Modernismo e Regionalismo. São Paulo, 14 fev. 1959. (Coleção Fortuna Crítica 7)

 

COUTINHO, Eduardo F. A relação arte/realidade em Fogo Morto. In:__et alii. Ensaios sobre José Lins do Rego. João Pessoa, Fundação Espaço Cultural da Paraíba, 1968. P. 7-16. (Coleção Fortuna Crítica 7) 33

 

MILLIET, Sérgio. O Brasil desconhecido que José Lins do Rego revelou. In: REGO, José Lins do. Fogo morto. 4. Ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1956. (Coleção Fortuna Crítica 7)

ORTIZ, R. Cultura popular – Românticos e folcloristas. São Paulo, PUC-SP,


PEREGRINO jr. Língua e estilo de José Lins do Rego. Revista do Livro, org. José Lins do Rego: romance. Rio de Janeiro, Agir, 1966. Coleção “Nossos Clássicos”. (Coleção Fortuna Crítica 7)

 

REGO, José Lins do. Menino de engenho/ José Lins do Rego; 82 ed.- Rio de Janeiro; José Olympio, 2001.Kindle, ed eletrônica.

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TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memória de lutas: literatura de folhetos do Nordeste, 1893-1930. São Paulo: Global, 1983. 190p. (Teses,13).