O vapor de cachoeira
Não navega mais pro mar.
Levanta a corda, bate o búzio,
Nós queremos navegar.
Ai, ai, ai, nós queremos navegar.
Não navega mais pro mar.
Levanta a corda, bate o búzio,
Nós queremos navegar.
Ai, ai, ai, nós queremos navegar.
E fui, no ônibus, como um barco, meio
rodando e navegando, queria pegar no recôncavo e olhar e dormir num e noutro,
sim, no convexo também.
Viajar é entreter-se para mudar o cenário
e assim para entrevistar meus olhos com o mundo, com as pessoas e meu nariz,
boca também, Viagem é poemar vividamente, foi o caso de ir a Cachoeira-BA. Já tinha
um tempo que eu focava isso e quis realizar, não era só ir à Cachoeira da Bahia,
era a ideia minha que inventei, seria mais minha e me sentiria à vontade dentro
de você, conduzindo seu corpo e ás vezes se sobrepondo. Pena que não tem mais o
vapor... seria demais.
Lá deitei-me sobre o Brasil no acolchoado
de sua aura, brisa, calor cheiro e afago do seu povo. Que tem água no meio da
cidade, e tem verdes, cachorros andando pelas ruas soltos, uns mancando outros
normais, e as pessoas o mesmo. Andando sem saber pra onde, olhando água como se
olhasse o mar ou a pedra, sei lá, gostei.
Quatro rodas sim
Há uma diferença entre viagem de carro,
avião e ônibus, especialmente para o recôncavo baiano, onde as opções são o
carro ou ônibus, partindo de Salvador. Além de conhecer a brasilidade da região,
de beleza estrondosa e não sei se bom ou mal, mas ainda se conhece pouco pelo
turismo. Fui no início de junho de 2017 à Cachoeira-BA.
Viajar-sair é o que dar para olhar mais
com atenção.
A viagem propicia uma vista bacana: do
campo pela janela do ônibus, projeta uma imagem telúrica que me chama para a infância
e meu imaginário rural. Vejo paisagens, personagens de uma cor brasileira inacreditável.
Curto cheiros, estética do vestir, a fala, afora músicas, comidas etc. Isto
tudo difere do Sudeste, São Paulo, onde hoje moro, aliás me divido.
O ônibus partindo de Salvador, vai
parando em cidades do percurso, onde se tem uma vista parcial das mesmas, mas colhe-se
algo dos passageiros que embarcam e desembarcam num entra-e-sai constante — o que
faz a viagem ter um tempo de percurso mais longo que o carro, mas o aprendizado
é demais.
A chegada à Cachoeira nos surpreende
pela simplicidade, cheiro da umidade, vinda do rio e das brumas marinhas. O rio
Paraguaçu é o divisor entre duas cidades: Cachoeira e São Feliz, que tem uma
ponte em ferro. Essa ponte, Imperial D. Pedro II que liga a cidade a S. Felix, foi
construída pelo imperador 1865, não tinha os Magalhães ainda. (rss)
Um rio e várias histórias
A cidade foi imponente entre séc. XVIII
e XIX, face o escoadouro de produtos do recôncavo baiano com destaque absoluto
em todo recôncavo.
O casario barroco é de uma imponência
como uma cidade dos barões do cacau, cana, tabaco, fumo etc; muitos bem
recuperados, outros não.
A cidade é patrimônio nacional, mas carece
de cuidado, mesmo assim tem sua imponência e ergue-se diante do rio Paraguaçu
com altivez. São igrejas, paço municipal, e pequenos-grandes casarios como o Convento,
o Passo Municipal, o Centro Cultural da Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte,
com evento em agosto que atrai um fluxo intenso de turistas. É algo felliniano, mas é brasileiro negro e é
lindíssimo. Há muito mais: Cachoeira é a micro gênese dos cultos afro-brasileiros,
lá encontram-se mais de 50 terreiros.
Cachoeira tem seus personagens
fulgurantes desde Caramuru, Augusto Teixeira de Freitas, Ana Nery, Dona Dalva Damiana, charuteira
da fábrica Suerdieck (do grupo de samba de roda da Suerdieck, também é
integrante da irmandade da Senhora da Boa Morte), Manoel Traquilino Bastos —
maestro e instrumentista — e Edson Simões Filho criador do Jornal A tarde,
entre outros.
As pousadas são parcas, mas quero destacar
a Identidade Brasil, localizada na praça 25 de junho, onde se tem vista para um
conjunto arquitetônico em boa conservação. Esta pousada que nos recebeu tem uma
poeta, poeta de cabeça, não do verso, e sim da estética dos objetos que lhe
cerca e conserva, afora o trato do casario, maravilhosa mulher que tornou-se
cachoeirense mesmo sendo paulistana. Apaixonou-se pela cidade e sua pousada é
de um feitiço que agrega toda uma cultura regional, especialmente nas suítes e
quartos e parte comuns da casa, afora um padrão gourmet requintado mas sem petulâncias
das bobagens gourmecidas; é de se visitar.
Afora isso, ela, a proprietária, faz passeios com seus hóspedes pelas cidades e
indica passeios de barcos pelo Paraguaçu imenso.
A feira é festa: compra-se para comer e
beber, mas tem mais para ver
A feira de Cachoeira – aos sábados e
seu mercado são outro atrativo espetaculoso, sim espetaculoso mesmo, tem de
tudo e mais gente que fala e diz sua história e canta e ri, vendendo de frutas
verduras, carnes, peixes, alumínio, panelas, comidas — pratos feitos —, e mais
pamonha, canjica, amendoim cozido, queijos, licores, roupas; é um espetáculo a
ser vivido. Além disto os pregões de chamados para as compras, afora os tratamentos
de: bom dia meu compadre, meu patrão... Ai, Rio, quem sou eu para ser patrão!
A Praça Central, vestida de
bandeirinhas coloridas, já de plásticos, para o São João é outro fato cenográfico,
compondo com o rio bares e botecos a margem um belo cenário; as bandeiras ao
reverenciar o vento produzem um marulho como se fora do mar, é vasto, lindo e
tem acarajé, cocada da Elizete e boa prosa, maniçoba agora no escondidinho (prato).
Destaque-se no casario pequenas lojas,
farmácias, roupas com sobrenomes de famílias como Pereira. Tem de um tudo, mas
os licores são demais, encontrei um inusitado: Jambo, amendoim e graviola, sem
se falar no Jenipapo e café. São famosos seus licores.
Adeus, meu Santo Amaro
Eu dessa terra vou me ausentar
Eu vou para Bahia
Eu vou viver, eu vou morar
Eu vou para Bahia
Eu vou viver, eu vou morar
Bom, mas vamos a volta da viagem: no
mesmo trajeto passamos na ida por Santo Amaro da Purificação, de dona Quino e
Betânia. Paramos na rodoviária, que decepção! Fazemos um imaginário pela boca
da canção em Betânia, mas a coisa é outra, mas tem lá seus encantos escondidos.
O que nos chamou a atenção foi o vendedor
de água que oferecia água mineral, que como tantos outros adentram ao ônibus
para vender comida etc...
— Água mineral geladinha diretamente de
Beverly Hills para Santo Amaro, tome guarde de lembrança, e coma milho cozido
assado para tirar o amargo dos americanos da boca, mas água é boa!
Chamei o vendedor e perguntei o óbvio:
aqui é a terra de Betânia? Ele disse sim,
vulga Dona Maria, e e sou fã dela, e ele disse: eu não por acaso? Adoro Betânia, Mabel, Rodrigo, Caetano; está bom,
prossegui de volta, ficou a imagem de cachoeira e a água de Beverly Hills, como
lembrança de Santo Amaro.
Adeus, meu Santo Amaro
Eu dessa terra vou me ausentar
Eu vou para Bahia
Eu vou viver, eu vou morar
Eu vou para Bahia
Eu vou viver, eu vou morar
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