BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS (1944-2013)
No voo da palavra entre bichos e gente
publicado pela Revista Brasileiros SP
foto.Carta Capital
…A gente só
fantasia o que não temos. Não fantasiamos o que temos. Então, a literatura é
feita de falta. O que escrevo é o que me falta. É isso que a literatura faz. A literatura
é o lugar da falta. Bartolomeu Campos de
Queirós
Dra.Ebe Maria de Lima Siqueira UFG/UEG
Paulo Vasconcelos
Principiamos com Ebe Maria de
Lima Siqueira[i], professora, que já publicou livro sobre Bartolomeu
Campos de Queirós e, na sua tese de doutorado volta ao escritor mineiro, situando-o entre autores canônicos da literatura brasileira,
independente do público para quem escrevem. dentre outros autores de literatura
infanto juvenil.
Conheci
o Bartolomeu por intermédio da sua literatura, ainda na década de 90 e, de lá
para cá, vivi na sua companhia, seja
pela literatura, seja em carne e osso pelo convívio com o poeta.
No
princípio, eu cuidava de separar autor e sujeito empírico, por considerar o
princípio aprendido na academia, que é claro em afirmar que não se pode
confundir o homem com o autor. Entretanto, quanto mais eu me aproximava de sua
obra, mais eu reconhecia nela o homem Bartolomeu. Os meninos, todos espalhados
no tecido de seus textos, reverberavam o
menino Queirós: o que nasceu em Papagaio e que, desde cedo, descobriu que
estava predestinado a revelar nas suas dores as dores de todos os meninos-homens
do interior de Minas, do interior do Brasil, do interior de todos os lugares e
de todos os tempo; o que foi, o de agora, e o que ainda virá.
O
fato de ver a sua obra como exemplo de uma literatura sem fronteira foi o que
me motivou a tomá-lo como objeto de estudo também na pesquisa de doutoramento.
Nesse estudo, tive a oportunidade de situá-lo entre outros grandes da
literatura nacional como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Manoel de Barros.
Estes escritores se aproximam, porque suas obras estão no entre lugar dos
gêneros literários, têm como linha de força a experiência vivida e possibilitam
a leitura de público bem diversificado independente da idade que tenham. Vermelho amargo, por exemplo, que a
crítica especializada define como livro escrito para adulto, é um livro que pode
ser lido por todas as idades. A diferença é que para que ele chegue até o
público infantil será necessário a presença de um bom mediador, que não esteja
guiado apenas pelos manuais das editoras.
O
que podemos dizer de Vermelho amargo
é que, em 40 anos de produção, o círculo de memórias se fecha com uma narrativa
altamente biográfica. Mas se a linha do verso é longa e o seu teor se adensa em
simbologias e metáforas, o livro aponta para a necessidade de uma mediação
acurada, cuidadosa, capaz de escolher melhores estratégias, o melhor momento de
iniciar e de interromper a leitura para que o texto se torne uma realidade
acessível ao leitor, que precisa desejá-lo, para, só nessa condição, fazê-lo
seu.Vermelho Amargo coloca o poeta
mineiro em sintonia com Fernando Pessoa, ambos a fingirem a dor que deveras
sentem: “Dói. Dói muito. Dói pelo corpo inteiro”, Uma “dor que vem de afastadas
distancias” (QUEIRÓS, 2011, p. 7-8)
Embora
tenha escrito também narrativas despretensiosas, como se estivesse apenas
recordando seu percurso de alfabetização, que são, por exemplo, Diário de Classe (2003), Raul (1986), As patas da vaca (1989), O
guarda chuva do guarda (2010), sua grandeza como escritor se concentra nas
narrativas de caráter autobiográfico, que têm início com a publicação do livro Indez, em 1989. Indez inaugura um pacto autobiográfico que autoriza o leitor a
perceber que o discurso literário é lugar de acolhimento de muitas vozes, entre
elas a do autor empírico, homem como todos os outros, marcado por muitos medos,
e entre eles o medo do esquecimento, que o leva a ficcionalizar-se.
O
mesmo procedimento se repete em Ciganos (1994),
Por parte de Pai (1996), Ler escrever e fazer conta de cabeça (1996) O olho de vidro do meu avô (2004), Antes do Depois (2006). Em todos esses
livros o que se percebe, de imediato, é uma disposição anímica que pressupõe
uma projeção do estado de alma, uma vez que os sentimentos, todos os estados
mais recônditos e profundos do íntimo, estão entrelaçados com a paisagem, com uma
estação do ano, com um estado da atmosfera. Não há uma exigência de que a
narrativa seja filtrada por uma primeira pessoa, mas o que se mantém é sempre a
escolha de uma retórica intimista, diminuindo a distância entre quem escreve e
quem lê.
Bartolomeu
concentra o cerne de sua narrativa no fato de narrar a sua própria experiência,
por fiar a memória da família, melhor alternativa para guardá-la do
esquecimento, porque sua escritura, além de ter a memória como fulcro, como já
lembramos, tem suas fontes na infância.
O
autor escreve a contrapelo de alguns princípios da modernidade, ao trazer a
experiência novamente para dentro do homem. Quer devolver ao homem aquilo de
que foi expropriado pela crença de que tudo seria explicado pela ciência
moderna.
Vislumbrar
em sua obra a expressão do literário, que é o mesmo que lhe atribuir “esplendor
estético” (BLOOM, 2005, p. 13), com a função de “revelar que habitamos a terra, não só
prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também
poeticamente, destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase. (MORIN, 2010,
p. 45)
Foto por Abril.Cultural
Barto foi um pássaro bigudo catando palavras sobre o tempo e, assim,
buscando um reino do letrável, como ele próprio disse. Aprendeu em casa a ler e
escrever antes de entrar na Escola através de seu avó paterno, este escrevinhava
pelas paredes da casa toda, notícias do cotidiano e outras, as mais curiosas ou
para adultos, eram escritas no alto da
parede para evitar que os netos e outros vissem, lessem. Esse fato levou o
menino a ter um gosto inusitado, como por pelo avesso a palavra, ou não dar destino
certo. O avó era uma figura e tanto que lhe desbocou para não ter medo de
enfinhar-se pelos meandros, meios, nas canelas das palavras. Era escutador da
avó que lhe contava histórias senta da num penico, arrodeada dos netos. Esse modo
de vida, desprovido, e ligado à terra e a família lhe permitiu transportar para
a literatura, toda uma brasilidade mineira, e que se confunde com muitas outras,
dizendo de modo simples e terno a vida.
De suas entrevistas, dentre elas, destacamos uma das últimas conhecida
sem
2011 ao jornalista Rogério Pereira no Teatro Paiol, Curitiba (PR), http://bit.ly/HQaEVN
Assim temos:
“Literatura – o grande patrimônio que temos é a memória. A
memória guarda o que vivemos e o que sonhamos. E a literatura é esse espaço
onde o quê sonhamos encontra o diálogo. Com a literatura, esse mundo sonhado consegue
falar…
O texto literário é um texto que também dá voz ao leitor. Quando
escrevo, por exemplo: “A casa é bonita”, coloco um ponto final. Quando você lê para
uma criança “A casa é bonita”, para ela pode significar que tem pai e mãe. Para
outra criança, “casa bonita” é a que tem comida. Para outra, a que tem colchão.
Eu não sei o que é casa bonita, quem sabe é o leitor. A importância para mim da
literatura é também acreditar que o cidadão possui a palavra. O texto literário
dá a palavra ao leitor. O texto literário convida o leitor a se dizer diante
dele. Isso é o que há de mais importante para mim na literatura…”
Iniciou-se à toa, pelo
fantástico da palavra e imaginação, de repente, sai O peixe e pássaro-1971-prêmio
literatura Infantil.Com o livro ele desmitifica a literatura chamada Infantojuvenil.
A obra é uma grande poesia, literatura para todos, sempre, como assim o apresentou
Henriqueta Lisboa, que em contracapa do livro nos diz: “Sem resposta definitiva,
algumas vezes me fiz esta pergunta: Como reconhecer a poesia? Muitas vezes pude
identificá-la, respirá-la tocá-la, guarda-la nos olhos, nos ouvidos e
coração....” Henriqueta, a grande poetisa mineira já via o futuro de
Bartolomeu, a poesia. Mesmo entrando pela prosa, ele a enxertou-a de poesia, como
só os bons fazem.
Com uma obra que ultrapassa 40
livros, Bartolomeu foi premiado, trabalhou com o eixo da leitura, para difusão
do livro, premiado nacional e internacionalmente, nos marcou recentemente, o
ano passado com sua obra Vermelho Amargo. Post mortem aparece O elefante, obra
curta, mas sempre nos seu moldes do bicho e da prosa poética.