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MARK FISHER um intelectual inquieto e,atento / angustiado, atuante com lucidez no que escreve, não suportou a vida no desenrolar neoliberal, em que o capital deforma,esfrangalha o ser e a sociedade.Vale ler essa resenha em que Alvaro Martinez fez e chegou á OUTRAS PALAVRAS.P VASCONCELOS
Em seus últimos ensaios, pouco antes do suicídio, pensador teorizou sobre como o sistema neutraliza toda alternativa, por meio de culpas e capturas. Há antídoto: desindividualizar o sofrimento e converter em prazer a consciência de classe
Por Álvaro Soler Martínez, no El Salto. Tradução: Glauco Faria
“Quando uma entidade começa a agir
contra o que é melhor para si e a destruir a si mesma
— como, infelizmente, os seres humanos fazem com frequência,
segundo observa Spinoza –,
é porque forças externas tomaram conta dela”
(Mark Fisher, Emotional Engineering, k-punk, 3 de agosto de 2004).
As forças externas contras as quais Mark Fisher adverte são onipresentes, tentaculares e visíveis nos aparatos culturais da sociedade capitalista. Ligamos a televisão e um anúncio de alarmes contra roubo nos diz que a compra desse dispositivo nos trará segurança. Mudamos de canal e somos informados, em uma das dezenas de programas conservadores de entrevistas, que a imigração é um desafio ou, pior, uma ameaça que devemos enfrentar. Nossa identidade está em jogo, nosso bem-estar, quem somos ou o que achamos que somos.
O ressentimento é lançado sobre nós, a classe trabalhadora, como uma isca que tendemos a morder. Longe de possuir uma forte consciência de classe, a cultura neoliberal cultiva uma falsa consciência de classe, uma autopercepção que está entrincheirada em uma construção reacionária de identidade.
Como Georg Simmel nos alertou em Sociología del Extraño, o mecanismo de construção subjetiva diante da alteridade geralmente está associado à violência. Ou seja, todos esses mecanismos sociais e cognitivos que acionamos quando nos relacionamos com aqueles que percebemos como diferentes e externos ao nosso grupo tendem ao estigma, à incompreensão, ao ódio ou ao medo. Esses fatores são usados contra nós na cultura capitalista.
Assim, acabamos percebendo como inimigos em potencial o trabalhador imigrante, o movimento feminista, o movimento antirracista e os movimentos sociais ligados a minorias historicamente oprimidas. Esses últimos são fundamentais para entender por que os discursos neofascistas estão avançando tão rapidamente entre a classe trabalhadora, estimulados pelas redes sociais, pela televisão, pelo cinema e pela literatura: individualismo, machismo, racismo, masculinidade, glorificação da violência e militarismo estão se aninhando cada vez mais nas fileiras dos trabalhadores, cada vez mais jovens.
Também é fundamental vislumbrar como o capitalismo consegue esvaziar todas as expressões culturais alternativas que propõem novas estruturas de pensamento, ação e transformação da realidade. A maquinaria neoliberal as absorve como um parasita que, pouco a pouco, esvazia a vítima de seu conteúdo interno, deixando apenas a carcaça, enquanto a larva do capital dorme saciada atrás da casca.
Assim ocorrem a colonização e a subsequente mercantilização de movimentos como o antirracismo ou o feminismo, bandeiras, em muitas ocasiões, de críticas mordazes ao capitalismo que, despojadas de sua análise de classe, tornam-se meras mercadorias neoliberais que sustentam o sistema.
O filósofo citado no início deste texto, Mark Fisher, em sua obra póstuma Postcapitalist Desire: The Last Classes, assume a derrota esmagadora da esquerda nessas décadas de hegemonia neoliberal, uma derrota que decorre de como o capitalismo, como sistema social, capturou o desejo. Essa capitulação não pode ser compreendida sem a lógica dos processos de homogeneização e apropriação que o capitalismo realizou culturalmente.
Consequentemente, para Fisher, o desejo do proletariado é completamente mercantilizado e incorporado à lógica econômica e mercantil capitalista. Como Fisher adverte nesse mesmo livro, com referência ao filósofo marxista Georg Lukács: “Para ver as coisas como externas a nós, não podemos estar nelas” (Fisher: 180).
Dessa forma, a luta contra a alienação como base para o retorno a uma consciência de classe, mais necessária do que nunca, é o que Fisher nos chama a reivindicar para gerar novas formas de pensamento e desejo. Um novo rearmamento ideológico desvinculado do círculo vicioso que o capital constantemente projeta para nós como natural, imediato e normalizado: “Todos nós poderíamos estar trabalhando muito menos, e essa é a loucura da coisa (…) eles produzem uma escassez artificial de tempo para produzir uma escassez real de recursos naturais” (Mark Fisher, Post-capitalist Desire: 181).
Por meio da frase acima, Fisher nos alerta sobre como a repressão no capitalismo tardio se baseia na repressão pela repressão, um paradoxo autoritário. Anteriormente, a repressão, além de exercer o controle social óbvio, era justificada em um suposto contexto de escassez de recursos. Mas com o capitalismo e o progresso tecnológico por meio das revoluções industriais e a estruturação de sociedades que têm acesso a uma grande quantidade de energia exossomática, o problema da escassez pode ser resolvido ou abordado pela primeira vez com solvência.
No entanto, o capital coloca em movimento uma estrutura de repressão absoluta e sem precedentes, que subjuga o trabalhador por todos os lados e que tem como objetivo dinamitar a possível conscientização e a subsequente organização política. Qual é a chave para lidar com esse contexto, de acordo com Fisher? Atacar o realismo capitalista.
Realismo capitalista versus pensamento de fronteira
A realidade é o capitalismo e o capitalismo é a realidade, não é mesmo? Não há alternativa. Esse seria um dos pensamentos mais difundidos em nosso imaginário coletivo, incorporado a esse sistema hegemônico que tem todos os tipos de estratégias para construir essa ideologia do inamovível, que Mark Fisher batiza de realismo capitalista, um conceito mencionado algumas frases acima.
Consequentemente, o realismo capitalista é uma restrição ideológica, um pensamento latente em todos os pensamentos atuais onde, como uma larva, sempre verte uma gênese comum: não podemos pensar fora do capital.
Isso tem várias consequências. O pessimismo é normalizado e o imobilismo é justificado por pura lógica: qual é o sentido de tentar mudar as coisas se, no final, não podemos nem mesmo propor alternativas políticas para o futuro? Diante desse cenário, é lógico que a ansiedade e a depressão se aninham em abundância sobre nossas cabeças. Não é à toa que essa é a doença de nosso tempo: um sintoma coletivo do que a alienação pode causar. Um sintoma que, além disso, é difícil de detectar como social, já que o realismo capitalista atomiza nossa capacidade de análise, vendo tudo por meio de uma individualidade exacerbada; uma visão de prisão para entender as estruturas sociais que nos subjugam. Como o próprio Fisher adverte: “Há algum tempo, uma das táticas mais bem-sucedidas da classe dominante tem sido a responsabilização. Todos os membros das classes baixas são levados a acreditar que a pobreza, a falta de oportunidade ou o desemprego são culpa deles, e de mais ninguém. As pessoas se culparão em vez de culparem as estruturas sociais, que, da mesma forma, foram levadas a acreditar que não existem de fato” (Fisher, The Ghosts of My Life).
LEIA TODO NA FONTE- https://bit.ly/4cvSLIQ
*Mark Fisher (11 de julho 1968 – 13 de janeiro de 2017), conhecido pelo seu blog "k-punk", foi um pensador da esquerda radical que atuou como escritor, crítico, teórico cultural, filósofo marxista e professor no Departamento de Cultura Visual em Goldsmiths, Universidade de Londres. Passou a ser reconhecido por meio de seu blog k-punk no começo dos anos 2000, e ficou conhecido por seus escritos sobre política, música e cultura popular.
Fisher publicou diversos livros, incluindo o sucesso inesperado Capitalist Realism: Is There No Alternative? (2009, Zero Books, lançado em 2020 em português pela Autonomia Literária), e contribuiu para publicações como The Wire, Fact, New Statesman e Sight & Sound. Foi também co-fundador do selo editorial Zero Books, e depois da editora Repeater Books. Suicidou-se em janeiro de 2017, logo após a publicação de The Weird and the Eerie (2017).WIKIPEDIA