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Regrar conteúdos pode ser fútil, sem um passo a mais. País precisa desenvolver suas próprias plataformas intermediárias e de aplicativos – e deixar de depender das Big Techs. É possível, como mostram a China e as iniciativas na Saúde
Publicado 12/05/2023 às 18:25
No último 25 de abril, o Comitê Gestor da Internet do Brasil realizou um seminário, em Brasília, por ocasião do lançamento de consulta pública sobre regulação de plataformas digitais. Participaram representantes do governo, da academia, do empresariado e do chamado terceiro setor, formando um painel bem representativo do debate atual sobre o tema na sociedade civil brasileira. Duas temáticas gerais dominaram as apresentações: a polêmica ideia de regulação de conteúdos, que é sem dúvida o grande norte dos argumentos pró e contra a regulação hoje no país, e a perspectiva de defesa da concorrência.
Ambos problemas são importantes, mas meu objetivo aqui é sinalizar uma terceira ordem de questões que deveria estar no centro do debate, ligada à necessidade premente de um novo projeto nacional de desenvolvimento. A título de comparação, irei me referir, muito brevemente, ao emblemático caso chinês, mas também ao notável programa relativo ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, desenvolvido por uma ampla rede de pesquisadores brasileiros. Não estou tratando, neste texto, do PL 2630, em discussão no Congresso. Minha tese é que a regulação das plataformas no Brasil deveria ser pensada, desde o início, em termos das possibilidades de solução de problemas sociais urgentes e de promoção, ao mesmo tempo, de alternativas para o desenvolvimento.
Em primeiro lugar, é preciso diferenciar o fenômeno técnico das redes e plataformas, derivado da revolução microeletrônica e informática – que remonta à reestruturação produtiva que se seguiu à crise estrutural dos anos 1970 – daquele das empresas que têm hoje um papel preponderante na economia da internet. Quando um laboratório, por exemplo, se associa a uma determinada plataforma vacinal, passa a integrar uma rede de produção de conhecimento, no interior da qual seus pesquisadores compõem o trabalhador coletivo, para usar a expressão de Marx, responsável pela busca de soluções para um determinado problema de saúde pública. Este é o lado material da coisa: a organização do trabalho em rede através de plataformas e não necessariamente de empresas de plataforma. Estas são empreendimentos que visam apenas explorar as potencialidades de lucro que aquele tipo de organização da produção enseja. No primeiro caso, trata-se do desenvolvimento das forças produtivas, no segundo, das relações de produção, que se dividem também em dois tipos: a relação fundamental capital-trabalho, estabelecida no nível microeconômico, e a relação de compra e venda dos produtos ou serviços, definida no plano da realização do valor das mercadorias, no mercado.
Trata-se de uma distinção importante, tendo em vista o atual sucesso, em certos meios acadêmicos, da confusa noção de prossumidor proposta pelo futurólogo norte-americano Alvin Tofler. Sem entrar aqui no debate (ver Bolaño & Vieira, 2014), a existência desse tipo de interpretação se explica pelo fato de que a internet e as plataformas digitais unificam em boa medida as formas de controle do trabalho e da sociedade, constituindo mecanismos comuns de gestão empresarial e de vigilância em massa. Do ponto de vista da regulação, trata-se, de um lado, concretamente, no caso brasileiro hoje, sob o comando de um governo de esquerda, de restaurar, no mínimo, em condições extremamente adversas, os mecanismos de defesa dos trabalhadores, destruídos ao longo do período neoliberal, especialmente após o golpe de 2016. Um problema ainda mais complexo se considerarmos as particularidades dos novos processos produtivos mediados por plataformas. Apenas para citar um exemplo, não é trivial identificar os interesses dos trabalhadores autônomos espoliados por plataformas como o Uber e aqueles dos trabalhadores assalariados das chamadas plataformas industriais, na classificação de Srnicek (2018), embora sejam todos eles, parte da “classe que vive do trabalho”, para usar a expressão de Ricardo Antunes (2007).
No que diz respeito ao consumidor, ao usuário, o grande debate concentra-se hoje nas plataformas publicitárias, como Google e Facebook. São tomadas como paradigma, quando de fato são casos particulares, ainda que obviamente de grande interesse, seja pela magnitude do fenômeno, seja pela sua importância na consolidação do novo sistema global de cultura, que subsume a velha Indústria Cultural do século XX. Este sistema potencializa as funções publicidade e propaganda que a definem como setor particular do capital monopolista cumprindo um papel chave na legitimação do sistema de dominação, enquanto instrumento de manipulação e controle social. Um aspecto distintivo do novo sistema global de cultura, surgido do desenvolvimento da internet, das plataformas e redes sociais, é a interatividade, característica reivindicada historicamente pelos defensores da democratização dos meios de comunicação. Ainda que a interatividade realmente existente não corresponda à demanda – sujeita que está, por um lado, a um tipo de mediação algorítmica a serviço dos proprietários das plataformas ou, por outro, à ação estratégica de grupos antidemocráticos –, o afã de regulação dos conteúdos pode ser mais um problema que uma solução.
Mas há outras plataformas ainda, de venda de produtos, digitais ou não, plataformas especializadas, de diferentes tipos de serviços, inclusive financeiros, de logística, enfim, o que se vive hoje é um processo complexo de plataformização geral da economia que não permite pensar em uma regulação “de plataformas” como um conjunto e isolada da política econômica e da política social. Assim, já vimos que, no caso do trabalho, não se trata simplesmente de regulação de plataformas, mas de recuperação (para não dizer ainda avanço) das conquistas históricas da classe trabalhadora, o que por certo evidencia já a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento. Por outro lado, o caso das plataformas publicitárias remete à velha questão da regulação ou do controle social dos meios de comunicação de massa, o que se relaciona também à questão do desenvolvimento, se pensarmos, por exemplo, na velha discussão sobre os limites à competitividade sistêmica no setor cultural-comunicacional, dada a concentração da produção audiovisual nacional. A tese aqui defendida é que é possível definir um marco regulatório geral, segmentado em função das determinações de ordem material e formal referidas acima, subordinado a uma lógica comum de desenvolvimento econômico e social.
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