A primeira vez que vi o Recife e suas pontes no inicio da década de 80 foi através de um cartão postal e a cidade me encantou , me enfeitiçou como fez com tantos forasteiros .
Mas uma cidade de cartão postal está longe da realidade, mesmo assim vim para cá de mala e cuia e pelas ruas e becos do centro da cidade fui aprendendo a me tornar pernambucano.
Nasci aos 20 anos na rua Bispo Cardoso Ayres,no incendiário bairro da Boa Vista, numa pensão cheia de ácaros e personagens que iam de loucos, músicos, caixeiros viajantes , fracassados e aspirantes a vadiagem e a bebedeira como eu. Era e fui com muito orgulho um vira-lata.
A poesia do Recife começava nas suas bibliotecas de calçadas, sebistas autodidatas como Melquisedek , Brandão e outros nichos culturais como a famosa livro 7 de Tarcísio apresentavam a cidade para os de fora.
De vira-lata, virei um homem caranguejo tal qual a metáfora criada pelo escritor Josué de Castro e hoje depois de mais de trinta anos continuo fincado na lama desses aterros com a benção dos Santos e dos Orixás.
É de Ledo Ivo o poema abaixo:
Amar mulheres, várias, amar cidades, só uma --- Recife.
E assim mesmo com as suas pontes e os seus rios que cantam
E seus jardins leves como sonâmbulos
E suas esquinas que desdobram os sonhos de Nassaus.
A ligação desta cidade com as águas é outra coisa comovente, Valdemar de Oliveira dizia que no Recife o que não é água, foi água ou lembra a água.
O colar de pedras que defende a cidade das ondas do atlântico possui cerca de 10 km de extensão e divide-se em dois blocos, o primeiro ao sul vai da praia do pina a Boa Viagem (4km), o segundo ao Norte vem do Pina em direção ao Marco Zero (6km) e mesmo na maré alta essa defesa natural é capaz de proteger a cidade contra as ressacas do mar bravio
O historiador Pereira da Costa explica que Arrecifes ou Recifes são a extensa linha de pedras que emerge do oceano e contorna uma grande parte do litoral do Brasil, em maior ou menor distância e que se estende desde as proximidades da Bahia, ao sul, até o Cabo de São Roque no Rio Grande do Norte, ora submergidos , ora ao nível do mar ou pouco mais elevado, oferecendo algumas interrupções cujas aberturas formam barras e entradas para os portos de toda aquela extensão.
Quando Charles Darvin visitou o Recife entre as poucas coisas simpáticas que disse dessa cidade destacou que o objeto mais curioso que observou foi o recife que formava o ancoradouro, assegurou que duvidava de que em todo o mundo houvesse outra estrutura natural que apresentasse aspecto tão artificial como o referido colar de pedras que protege a cidade.
Com essa imensa dádiva da natureza como proteção ,nasce o Recife,inicialmente, como uma praia de pescadores e ancoradouro de Olinda.
O poeta Carlos Pena filho dizia a respeito da fundação do Recife:
“No ponto onde o mar se extingue e as areias se levantam, cavaram seus alicerces na surda sombra da terra e levantaram seus muros do frio sono das pedras.”
Muito antes de ser uma verdadeira planície , o atual sitio urbano do Recife foi um delta de muitos rios que se ligavam através de múltiplos canais
Literalmente, vivemos sobre as águas, como no milagre escrito na bíblia,
No livro Roteiros do Recife de Tadeu Rocha escreve que esta cidade está situada à beira do Atlântico, de clima tropical onde os dias são geralmente mais longos do que as noites, onde o sol quase sempre brilha em um céu muito azul e onde sopra uma brisa do quadrante leste, carregada de odores marinhos.
E onde tem rio tem ilhas e são tantas as ilhas em que vivemos e hoje se ligam por pontes que já nem damos conta, Ilha do Retiro, do Leite, do Maruim, de Joana Bezerra, do Pina, da Boa Vista, de Santo Amaro, de Santo Antônio.
Uma cidade entrecortada de rios, de riachos e córregos.
E foram eles que propiciaram a vida nesta cidade segundo o texto histórico abaixo:
“ No principio, era o Mar, a baía. Onde está localizada a planície flúvio-marinha do Recife, estendia-se da ponta rochosa do Cabo de Santo Agostinho ao Sul, até o sopé das colinas de Olinda ao Norte.
E foram as terras de aluvião trazidas pelas enxurradas dos deltas dos rios Beberibe, Capibaribe, Tejipió, Jaboatão e Pirapama, durante 5 milhões de anos que formaram os arrecifes de corais que detém a fúria do mar.”
Assim, comecemos pelo maior , o mais caudaloso, pelo Cão sem plumas do poeta João Cabral de Melo Neto, o Rio das Capivaras, e iniciemos com essa frase abaixo que entre aspas mostram que não sei a quem pertence, mas provavelmente é de Carlos Pena Filho:
“Capibaribe, meu rio, que vida levamos nós¿ Tu corres, eu rodopio.”
Esse rio hoje tão poluído que já propiciou em outros tempos banhos medicinais e onde as madonas tomavam banhos nus envolve a cidade num grande abraço que se prolonga das colinas da Várzea aos arrecifes do porto, vindo de longe lá das terras do Agreste no planalto da Borborema.
Mas além do Rio das Capivaras, Pernambuco ainda tem, o Beberibe, o Tejipió, o Jaboatão, o Pirapama e muitos outros menores, como o Parnamirim, o Jiquiá, o Jordão, o Pina e mais riachos e córregos,
Para tanta água doce e salgada que se misturam também há as pontes que ligam as misérias e grandezas, as dores e alegrias das gentes de Pernambuco, e também são tantas , tantas, ora construídas pelos invasores holandeses que colocaram um boi para voar, ora pelos colonizadores e seus filhos políticos das famílias abastadas que até hoje se perpetuam no poder, eleições após eleições.
As pontes que ligam vidas e ilhas, península e continente, vai contando aí , ponte velha, da Boa Vista, Giratória, Mauricio de Nassau, Buarque de Macedo, de Sta Isabel, Duarte Coelho, do Limoeiros , de Sto Amaro, do Retiro , da Agamenon Magalhães, da Madalena, do Derby, do Lassere, da Torre , da Caxangá, a motocolombó , tem mais, visse, sobre o canal do Derby ainda tem a do Paiçandu, das fronteiras, a ponte pequena do Derby, tem 3 do Parque Amorim, a do Espinheiro, a da João de Barros, a do Maduro a da Tacaruna , algumas chamadas de travessas e a mais genial de todas foi a ponte do Mangue Beat criada por Chico Science a qual juntou diversos gêneros musicais, unindo ritmos regionais, como o maracatu, o rock, hip hop, funk e a música eletrônica, retomando a metáfora de Josué de Castro do Caranguejo com cérebro para gritar por uma nova consciência de ritmo e de meio ambiente, algo tão grandioso que até hoje continua sendo estudado para se entender sua complexidade.
E eu continuarei por aqui até o mangue e a terra me reclamar de volta.
Viva o Recife e eu nem falei do Frevo, visse, quem sabe noutro texto.
Rennat Said
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