(Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação / Kuarup)
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A OPERA, POR BRUNO RIBEIRO,nos relembra o grande TAIGUARA, cantor ,compositor, ator e par vocal com Claudete Soares, em grande shows, entre outros.P VASCONCELOS
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SHOW APENAS COM SOM: (3) Claudette Soares, Taiguara e Trio – Primeiro Tempo: 5 X 0 - YouTube UMA AULA DA MPB ANOS 70
Taiguara, o cantor mais censurado pela ditadura, foi um marxista-leninista declarado. Morreu esquecido e desprezado pelas gravadoras e mídia. Por Bruno Ribeiro | Revista Opera
Quando se fala na relação entre ditadura militar e música popular brasileira, os primeiros nomes que vêm à mente da maioria são Geraldo Vandré e Chico Buarque, pelas canções contestatórias que marcaram aquele período e até hoje são lembradas, ou Caetano Veloso e Gilberto Gil, que chegaram a ser presos como “subversivos” por atentar contra “a moral e os bons costumes”. Eles foram perseguidos e vigiados pelo regime, como registra a história. Nenhum outro artista, porém, foi tão censurado — e prejudicado por ser de esquerda — quanto o cantor e compositor Taiguara, que nos deixou há 25 anos.
Tal informação não é nenhuma novidade: está documentada em inúmeras reportagens publicadas na imprensa nacional. O músico, no entanto, segue sendo pouco lembrado, apesar de sua importância para a “canção de protesto” no Brasil e da forma com que sua carreira foi destroçada por razões políticas e ideológicas. Nada indica que o esquecimento ao qual seu nome foi relegado seja mera obra do acaso: enquanto viveu, Taiguara foi monitorado, ameaçado e silenciado pelos militares e seus cupinchas civis dentro da mídia, das gravadoras e do empresariado. A intenção do establishment era, de fato, tirá-lo de cena.
Oficialmente, 68 canções do compositor foram vetadas pela censura ao longo da década de 1970. Mas, segundo a jornalista Janes Rocha, no livro “Os Outubros de Taiguara” (Kuarup), este número pode ter sido ainda maior: em suas pesquisas ela levantou, ao todo, 81 músicas de Taiguara que não chegaram a ser gravadas, executadas ou concluídas por determinação do governo brasileiro. Ninguém precisa ser especialista para concluir que, com isso, a ditadura praticamente inviabilizou a carreira de um dos mais talentosos artistas surgidos na era dos festivais.
Os problemas de Taiguara com o regime começaram antes mesmo de o artista se tornar conhecido como um “artista engajado” ou de se aproximar do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua primeira canção vetada, em 1971, chamava-se “Corpos Nus” e não tinha qualquer teor político: falava apenas de uma relação sexual. A música deveria ser apresentada no 6º Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, mas a polícia interveio e os organizadores retiraram Taiguara da disputa, à revelia.
Em 1973, montando repertório para um novo disco, Taiguara submeteu uma série de canções ao crivo da censura, como era de praxe. Ele passara por várias situações como esta nos últimos dois anos e não nutria muita esperança de realizar a gravação da forma como idealizara. Dito e feito: das 12 canções programadas para o elepê, apenas uma foi liberada — o que inviabilizou o projeto. O episódio foi a gota d’água que faltava para que o compositor tomasse a decisão de sair do País e se autoexilar em Londres.
Mesmo à distância, Taiguara continuou sendo vigiado pelo Estado brasileiro e suas composições proibidas em solo nacional: em 1974, pouco mais de 40 letras escritas por ele foram vetadas. Para gravar era preciso negociar com os censores alterações que mudavam o sentido original das canções. Longe do Brasil, Taiguara não se reportou à censura para fazer a gravação de um disco na Inglaterra. Achou que, cantando em inglês, fosse burlar a ditadura, mas o álbum teve a entrada proibida em território brasileiro. Nunca mais se soube da matriz.
Em 1975, Taiguara vem ao Brasil para gravar seu trabalho mais ambicioso, “Imyra, Tayra, Ipy“. O processo é longo e tortuoso. Em 1976, menos de 72 horas depois de chegar às lojas, o elepê é recolhido pela polícia e tem todas as cópias destruídas. Somente em 2013 o público brasileiro teria acesso ao disco, quando o selo Kuarup relançou a obra em CD. A conversão de álbum esquecido em clássico da música brasileira foi quase instantânea: pela excelência e originalidade, “Imyra, Tayra, Ipy” virou objeto “cult” e passou a figurar na lista dos melhores discos de todos os tempos. Para o compositor, todavia, era tarde demais: ele havia morrido 17 anos antes, vitimado pelo câncer.
Uruguaio, brasileiro e livre
Taiguara Chalar da Silva nasceu no dia 9 de outubro de 1945, em Montevidéu, capital do Uruguai. Seu nome, escolhido de comum acordo pelo pai, o músico brasileiro Ubirajara Silva, e pela mãe, a cantora uruguaia Olga Chalar, significava “senhor de si” ou “homem livre”, em tupi-guarani. Ainda criança vem para o Brasil com a família. Mora no Rio de Janeiro e, mais tarde, em São Paulo.
Filho de camponeses gaúchos, Ubirajara Silva tocava bandoneón (instrumento de fole similar ao acordeão). Viveu em Buenos Aires e Montevidéu, onde passou parte da vida tocando tangos, murgas e chamamés para sobreviver. Foi a primeira e mais forte influência de Taiguara, tanto musical quanto politicamente — era filiado ao Partido Comunista do Uruguai e, nas palavras do filho, tinha “princípios socialistas inegociáveis”.
Aos 10 anos de idade, Taiguara começa a compor despretensiosamente, mas o marco inicial de sua carreira data de 1964, quando o jovem estudante da Universidade Mackenzie realiza uma série de shows aclamados no Teatro de Arena. Requisitado para se apresentar nas boates do Rio e de São Paulo, abandona a faculdade de Direito (com a qual não se identificava, por ser um ambiente “reacionário”) e passa a se dedicar exclusivamente à música. Em 1965, a convite da gravadora Phillips, grava seu primeiro disco, “Taiguara!”, composto basicamente por sambas com arranjos de bossa nova.
Em 1968, o cantor vence o Festival Universitário da Canção Popular com a balada “Helena, Helena” e seu nome passa a ser comentado nacionalmente. Era questão de tempo para que chegasse às rádios — e isso se dá em 1969, com o lançamento do elepê “Hoje“, cuja faixa-título, de sua autoria, traz versos de grande força discursiva: “Hoje/ Trago em meu corpo as marcas do meu tempo/ Meu desespero, a vida num momento/ A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo”.
Um ano depois, em 1970, o elepê “Viagem“, em que se destaca a participação da banda de rock progressivo Som Imaginário, traz ao público “Universo No Teu Corpo”, que viria a ser uma das canções mais regravadas de sua discografia: “Eu desisto/ Não existe essa manhã que eu perseguia/ Um lugar que me dê trégua ou me sorria/ Uma gente que não viva só pra si”.
“Viagem” foi o último trabalho da fase “romântica” de Taiguara, embora faixas como “Universo No Teu Corpo” vislumbrassem, ainda que de modo incipiente, algo de preocupação social em seu trabalho. O recrudescimento da repressão o obrigaria a tocar em temas mais urgentes.
A partir do psicodélico “Carne e Osso”, de 1971, ele passa a ser alvo constante da censura. Se em “Corpos Nus” o veto se deu por questões morais, em “A Ilha” o motivo seria político: apesar de gravada sem contratempos, a execução pública da canção foi proibida por fazer referência a Cuba: “Vou viver na ilha, na ilha/ Onde meus iguais serão minha família, na ilha”. Sem nunca ter sido cantada em shows, a música acabou esquecida até mesmo pelos seguidores do artista.
“Piano e Viola”, de 1972, e “Fotografias”, de 1973, são os últimos discos de Taiguara antes do autoexílio. Retalhados pela censura, não chegaram a sair como ele gostaria, mas deixaram à posteridade um clássico da MPB: “Que as Crianças Cantem Livres“, que também enfrentou problemas de liberação: “Pode não ser esse calor o que faz mal/ Pode não ser essa gravata o que sufoca/ Ou essa falta de dinheiro que é fatal/ Vê como o fogo brando funde um ferro duro/ Vê como o asfalto é teu jardim se você crer/ Que há um sol nascente avermelhando o céu escuro/ Chamando os homens pro seu tempo de viver”.
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