W NOVAES POR PINTREST |
O texto e a entrevista a seguir são parte do catálogo da 3ª Mostra Ecofalante, que em 2014 homenageou Washington Novaes
O Sábio da Tribo
APUD https://bit.ly/34L71xV ECOFALANTE.ORG.BR
Quando Washington Novaes abandonou a péssima ideia de ser advogado – nada contra a profissão, mas é difícil imaginá-lo realizando tão bem outros ofícios que não aqueles relacionados à área da comunicação – e se aventurou no jornalismo, o Brasil tinha vergonha de sua exuberância ambiental (será que isso mudou?).
Desenvolvimento era sinônimo de fumaça, a Amazônia precisava ser ocupada e explorada sem trégua, acelerava-se o crescimento desordenado das cidades, e São Paulo “não podia parar”. Era uma época em que não se aprendia jornalismo em faculdades de comunicação – elas sequer existiam – e uma notável geração de jornalistas “criados nas redações” emprestava uma nova identidade à imprensa nacional, menos provinciana e mais ousada na busca de novas linguagens e pautas.
“Naqueles tempos a gente achava o Washington meio esquisito. Quando a maioria de nós só pensava em driblar a censura e denunciar as mazelas do regime militar, lá vinha ele com aquelas pautas de meio ambiente.
Com o tempo, a gente viu que o Washington foi um pioneiro, ao perceber primeiro esses problemas”, disse certa vez Zuenir Ventura, outro veterano desta geração de ouro do jornalismo, num depoimento resgatado aqui de memória durante um debate em Goiás.
Era uma época em que não havia licenciamento ambiental, ministério ou secretarias (estaduais ou municipais) de meio ambiente, ninguém falava em “ecologicamente correto” muito menos em “desenvolvimento sustentável”. Não havia ISO 14.000, produtos certificados ambientalmente, Partido Verde ou Greenpeace. Meio ambiente era assunto de “bicho grilo” ou “alienados” – para não mencionar outras denominações bem mais ofensivas, que tentavam desqualificar quem ousasse lhe dar um tratamento mais sério. Washington pertence ao seletíssimo grupo de jornalistas que pavimentou com coragem esse caminho na direção de uma nova consciência dentro das redações.
Por onde passou, “contaminou” os colegas de profissão com essa estranha determinação em denunciar as mazelas de um modelo de desenvolvimento predador, de curto prazo e condenado ao fracasso por destruir os recursos naturais não renováveis fundamentais à vida e à própria economia. Inteligência, credibilidade, boas fontes e um texto irretocável (direto, incisivo, recheado de dados invariavelmente contundentes) foram aliados preciosos para abrir, aos poucos, os merecidos espaços que conquistaria ao longo dessa jornada.
Com passagem pelos mais importantes veículos de comunicação do Brasil, exercendo as funções de repórter, editor, produtor, comentarista, articulista, diretor e consultor, Washington Novaes conquistou respeito e admiração pela farta produção multimídia num filão carente de especialistas. Desde 1997 seus artigos no jornal O Estado de São Paulo vêm inspirando o primeiro escalão da República, parlamentares e ONGs, despertando o senso de urgência onde havia desleixo e omissão. Não por acaso, foi ele o escolhido para estruturar as bases de discussão da Agenda 21 brasileira, um imenso receituário de como alcançar a utopia da sustentabilidade num país com o tamanho e a complexidade do Brasil.
De terno e gravata cobrindo diferentes Conferências da Organização das Nações Unidas (ONU), nas diversas incursões pelo tão castigado e querido Cerrado ou num furgão com uma numerosa equipe de TV num tour por vários países da Europa – para acompanhar a destinação final do lixo no velho continente – Washington sempre praticou a mais nobre de todas as ocupações possíveis dentro do jornalismo: a de repórter. Ser testemunha da História, estar perto dos acontecimentos, sentir o “cheiro da notícia” afere inquestionável credibilidade a quem tem a missão de registrar os fatos mais importantes do nosso tempo. Mas quando o assunto é meio ambiente, os profissionais de imprensa estão sujeitos a certos riscos. Foi o próprio Washington quem denunciou em 1996, num encontro com jornalistas em São Paulo, o que está em jogo nessa área do jornalismo: “Acho que a questão ambiental é ameaçadora para os jornalistas na medida em que os jornalistas têm uma vida pessoal muito pouco adequada em termos ambientais. O jornalista, em geral, bebe muito, fuma muito, leva uma vida extremamente competitiva, apressada, estressante, onde a disputa pelo poder está sempre muito presente dentro e fora do trabalho, mora em cidades com problemas ambientais gigantescos, todas essas coisas. Ele vai ter que se perguntar um pouco sobre sua vida. Será que é essa mesmo a vida que eu quero? Será que é essa a vida que eu devo levar?”.
Será que Washington sabia exatamente o “risco” que corria quando começou a registrar em reportagens premiadas a realidade das comunidades indígenas pelo Brasil? Foi no Xingu que algo diferente lhe aconteceu. Sua imersão em cinco diferentes aldeias consumiu dois meses de viagem, 70 horas de barco a motor ou canoas, 500 quilômetros a pé. A experiência o marcou profundamente. Num encontro casual com Washington num avião, o antropólogo Darcy Ribeiro percebeu um brilho diferente no olhar do amigo: “Agora você já sabe que não se passa incólume pela experiência de ver o mundo com os olhos dos índios”. E vaticinou: “Você nunca mais vai ser a mesma pessoa”.
A “maldição” de Darcy se confirmou na obstinação renovada desse homem, sempre aguerrido e disposto, em favor de um jornalismo comprometido com um mundo melhor e mais justo.
Devo a Washington Novaes escolhas importantes que fiz na minha carreira. Especialmente a de entender, como jornalista, a real dimensão dos assuntos ambientais na vida moderna e no meu ofício. É sinceramente um privilégio tê-lo como referência, amigo e, como diriam os índios, “o sábio da tribo”.
Por último, aqui vai uma dica importante: não o chamem de “jornalista ambiental”. Por mais de uma vez eu o vi declinar, com elegância, esta apresentação. Washington é simplesmente jornalista, daqueles que sabem “cutucar” com maestria os gigantescos interesses econômicos e políticos que se locupletam no que não seja “sustentável”. É dele a frase que aparece reiteradas vezes em artigos indignados com o descaso dos governos para com os assuntos de meio ambiente: “a questão ambiental deveria ser o centro e o princípio de todas as políticas”. Podemos ainda estar muito longe disso, mas é nessa direção, como já defendia Washington décadas atrás, que devemos caminhar.
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