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terça-feira, 26 de novembro de 2019

"barriga vazia para cima"- "Se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós”


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Sempre sem apresentações seu faro linguístico é suficiente.Capturas do Face

O filósofo Deleuze distingue duas noções: “sujeito” e “agente”. Todo sujeito se opõe a um objeto: o sujeito seria o polo ativo, ao passo que o objeto é considerado passividade que se manuseia, mede, compra , vende... ou mesmo se descarta virando lixo. 
Mas o que é um agente? O agente pode ser qualquer coisa que favoreça um agenciamento. Por exemplo, uma música pode ser o agente de um agenciamento. Também pode ser o agente de um agenciamento uma paisagem, um livro, um quadro... O agenciamento expressa uma relação onde há um encontro que suspende as dicotomias sujeito/objeto, subjetividade/objetividade, atividade/passividade.
Há um poema de Manoel de Barros que narra a potência que pode ter um agenciamento: o agente do poema é um pote que o poeta encontra jogado fora de "barriga vazia para cima". Não faz muito tempo esse pote deve ter sido o centro das atenções: todos ficavam felizes e o queriam perto. Ele assim era tratado por guardar algo que despertava interesse: ele era um pote cheio de sorvete... Tamanha deve ser a dor que ele sente agora, abandonado . Rejeitado pelos homens, apenas a natureza quis o pote. A natureza nunca despreza: ela recebe e regenera, preenche vazios - disso também já sabia Espinosa. “Inútil”, o objeto-pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo aquilo que, ao receber os cuidados dela , sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o poeta.
Tempos depois, o poeta teve que passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e se preparou para rever aquela imagem triste do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco que a natureza depositou : “as chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir". E onde antes crescia o vazio, um poema vivo o pote partejou: do ventre do pote um pé de rosas desabrochou... "Se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós”, agradeceu o poeta ao pote por essa lição que dele recebeu sob a forma de rosas, num singular agenciamento. E repletos estavam agora o pote e o poeta com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca .
“Quando uma ideia nos fecunda , também sofremos angústia de parto ” (Plotino)

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