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AUGUSTO ROA BASTOS por : https://bit.ly/2Ogo6Wd |
O COMPROMETIMENTO POLÍTICO-HISTÓRICO
DE UM LITERATA LATINO AMERICANO –AUGUSTO ROA BASTOS
( por PAULO VASCONCELOS)
“A literatura produz um discurso sobre o
mundo, porém esse discurso não passa a integrar o mundo, mas a cultura da
sociedade, tornando-se parte da vasta malha simbólica mediante a qual os homens
conhecem e operam sobre o mundo.” - Angel Rama
“Propongo el assalto de los novelistas
latino-americanos a la historia oficial. Propongo que no dejemos a unos cuantos
historiadores Independientes la tarea de contar la historia de nuestras
enfermedades.Porpongo que el nuevo novelista latinoameriano conozca a fondo
nuestra historia y que despues no la olvide.” - La novela que no olvides, 2002-9610
- Fernando Del passo
“Los escritores han sabido reconstruir la
historia mejor que los historiadores...” - Andazahi
Há escritores raros, muito
raros. Augusto Roa Bastos é um desses. Digo isto em relação a minha predileção
pela Literatura comprometida com a política, com a cultura popular, seu
contexto regional e suas características de denúncia.
Os ensaístas hispânicos,
como Olivia V. Mediana e Claudia Gonzalez, ao analisar as obras de Roa Bastos,
denominam a nova novela histórica, do século XX ou ao conceito e Metaficção
Histórica Pós-moderna. No primeiro termo, Novela Histórica ou Romance Histórico,
concordam com tal terminologia Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Reynaldo Arenas,
entre outros.
Há que se sublinhar que esta
tipologia de Literatura se caracteriza pela leitura crítica e desmistificadora
do passado, como nos diz Pons (1996).
Pouco conhecido entre nós,
aliás sempre foi, e muito mais conhecido na Europa - especialmente na Espanha e
na França, assim mais, muito mais que no Brasil. Na América Latina ele é bem
conhecido e reverenciado. Na Argentina, produziu quase a totalidade de sua obra
em seu exílio de 30 anos; quase, como veremos mais adiante. Também é conhecido
no México, Uruguai e alguns países outros como Equador, Chile, Venezuela, Colômbia
e Peru, destacadamente.
Seu desconhecimento vem na mesma
avalanche de ignorância nossa sobre a história do Paraguai e da nossa América Latina.
Com o Paraguai travamos batalhas desde o séc. XVI, XVII, culminando no séc. XIX;
ainda na Monarquia Portuguesa no Brasil, isso com a Guerra do Paraguai, em que
estivemos envolvidos e patrocinamos uma carnificina monstruosa envolvendo nosso
exército recrutado entre nossos negros, ou empurrados para servir a este exército
em troca de liberdade da escravidão.
São Paulo, com seu espírito
bandeirante vampiresco, afiançou esta participação fazendo o recrutamento ou
empurrando negros e mestiços dos cafezais para, sem preparo, compor um exército
maldito contra os irmãos paraguaios. Nada ou pouco sabemos sobre aquele país
que foi um dos pioneiros de grandiosidade econômica e social, assim como
precursor de ideias e práticas socialistas, no comando dos jesuítas na chamada
região das missões.
Roa Bastos para ser entendido, compreendido,
exige uma contemplação da história de seu país e a cumplicidade dos vizinhos,
da Bolívia, Argentina, Uruguai e Peru e, claro, nós, brasileiros. Yo El Supremo é a sua obra mais
avantajada e premiada e fala de nós, Brasil, onde o supremo ditador tem origens
ancestrais com portugueses do Brasil. Ele era José
Gaspar Rodríguez de Francia, conhecido como "Dr. Francia”. A obra
inspirada em fatos reais ascende ao ficcional sem perder as margens históricas
e cumprindo uma narrativa que surpreende pela forma do relato da escritura, em
que se superpõe um corpo textual complexo em que se misturam citações e notas
de rodapé, fazendo uma textualidade cruzada de roteiro, tempo e espaço e
personagens.
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Dr. Francia: "Eu não escrevo história. Faço". Por https://bit.ly/2wXREjQ |
Ele é de uma atualidade
absurda nos tempos em que o Brasil passa por um Golpe Supremo, aculoiado com os
EUA, entremeado pela direita e falsos partidos da chamada social democracia, e
tendo a cumplicidade de todos os poderes e com as baionetas das forças armadas.
O Paraguai foi e é um país
ainda subordinado aos interesses internacionais, desde as inserções do domínio
Hispânico, Inglês e Americano. Depois, é vitima das ações do Brasil e Argentina,
como o próprio Roa bastos nos diz em seus depoimentos e ensaios.
Na conquista hispânica das
Américas, os espanhóis aportaram no Paraguai e a parte mais oriental dali foi
seu grande centro, Assunção, para partir à conquista de toda América do Sul,
fazendo assim uma espécie de Mesopotâmia, tendo como marco as beiradas do rio
Paraguai, como nos diz Maria de Los Angeles Del Pino ao tratar das origens do
idioma Guarany em Lá creacion da Lenguage
en la Mitologia Guarani (https://bit.ly/2C2V3Q2).
Este país já foi um dos mais
bem-estruturados em séculos anteriores, XVI, XVII séc. XVIII, entretanto
despedaçou-se pelos descaminhos causados pelo capital internacional, e de
países vizinhos face graves guerras, como a Cisplatina -Uruguai, do Paraguai - Tríplice
Fronteira e Charco. Assim, sua própria vizinhança atentou contra aquele país e
aqui se inclui mais intensamente o Brasil e a Argentina. Sua situação
geográfica, espremida entre terras, sem mar, apenas os rios lhe propiciam um
traço aquático, mas nem por isso deixa de ter um empurra-empurra entre seus vizinhos
pela vastidão de suas terras tropicais e produção de sua lavoura, assim como
usar os seus rios para adentrar na floresta em busca de ouro, madeira e outros.
Mas vamos ao foco. Roa
Bastos pode ser considerado um dos poucos escritores de destaque internacional,
latino-americano com uma literatura comprometida historicamente do Paraguai,
"uma ilha cercada de terra por todos os lados", como assim expressou
ele.
Para que tenhamos uma melhor compreensão do
autor e sua obra, se faz importante darmos uma passada no contexto familiar, na
sua biografia, para que tenhamos os traços que marcaram sua vida e que expõe na
sua trajetória de escritor (contista, romancista), ensaísta e poeta,
jornalista, diretor de teatro e cinema.
Sua família é de origem
simples tanto por parte da mãe como do pai. Nasceu em Assunção em 13.06.1917,
todavia logo depois de seu nascimento a família muda-se para Iturbe, interior
do país. Seu pai, Lucio Bastos, ex-seminarista, homem de origem francesa, tinha
um forte de temperamento. Inicialmente trabalhou na área madeireira e logo
depois passou para a área do açúcar, sendo espécie de gerente de engenhos
açucareiro. Sua mãe, Lucia Bastos, era uma mulher do lar, de origem espanhola
com possíveis mestiçagens com os guaranis; ajudava ao marido a se inserir
melhor nos negócios, sobretudo porque esta tinha um domínio do idioma Guarani,
coisa que o pai não dominava com facilidade. Portanto, para administrar a área
açucareira e lidar com os campesinos, era fatal compreender o segundo idioma deste
país, coisa inédita na América Latina. Apesar de o Guarani estar presente em
toda América do Sul, dentro do léxico de seus países, ficou mais disperso
enquanto língua mais estruturada, sobrevivendo apenas com fonemas soltos.
No Paraguai, ele sobrevive
de modo horizontal entre as populações do campo, e mesmo nas periferias da
capital, mas mesmo no meio urbano adentrou em expressões dentro do espanhol corriqueiro,
mais ou menos puro, ou mesclado na fala-expressões do espanhol mestiço.
O guarani é uma língua
oralmente bem-estruturada, mas não tem uma produção escrita, senão por retalhos
fonéticos presentes na língua espanhola escrita, coisa que se atesta entre o
jornalismo e em escritores como Roa Bastos.
Dona Lúcia iniciou o jovem Roa
para os caminhos da Literatura com a leitura da Bíblia e de autores clássicos.
Ela, por outro lado, era uma mulher mais sensível às artes, dentro do meio
popular, e fala-se de sua paixão pela música, o que a fazia ser uma cantora
dentro de casa, mas que fazia ecoar o gosto musical aos filhos.
Em 1925, aos oito anos, Roa
é enviado à Assunção para estudar num famoso colégio de padres - Colégio San
José, conhecido pelo seu alunado que ali já havia passado e pela qualidade dos seus
professores. É possível que o tio, Padre Hermenegildo Roa, tenha dado influência
para seu ingresso nesta instituição de ensino, pois o mesmo tio era de ordem
religiosa, bispo da Igreja Católica radicado em Assunção e teve uma função de
preceptor do jovem autor.
Este tio o aprofundou em
autores clássicos, coisa já iniciada pela mãe, mas não com a profundidade do
seu tio bispo. Todavia, mesmo com sua inserção no campo das letras clássicas,
especialmente as francesas, coisa que aliás foi um marco dentro da América Latina,
fazendo a intelectualidade dos grandes autores de toda América Sul, Roa Bastos
foi e é irrefutável à cultura latina e de influência guarani.
A guerra do Chaco
(1932-1935), quando ele tinha 18 anos, fê-lo sentir na pele as dores daquele
conflito, tendo participado não diretamente no front, mas na área de apoio à enfermaria. Todavia, testemunhou os
horrores declinados, contados por aqueles que ele atendia como assistente no apoio
de enfermagem. Tais fatos vão se somar ao seu cabedal de afeto à Cultura Popular,
resguardando tais fatos específicos daquela guerra para uma de suas obras importantes,
Hijo del Hombre, lançada só em 1960,
entre outras.
Roa Bastos militou na
imprensa de Assunção desde cedo, o que fez conhecido por suas críticas e por sua
militância ideológica, contrapondo-se de modo claro a alguns desmandos e críticas
no geral do seu país, o que lhe valeu ser conhecido como comunista e de vínculo
sindicalista. O tendencioso militar e entreguista no seu país era algo que para
ele era insuportável e que denunciava como jornalista. Aliás, as linguagens artísticas
foram formas de escoamento da revolta e denúncia do Paraguai que Roa expressava.
Contudo, o cinema, as artes plásticas, a poesia e suas crônicas logo cedo foram
terreno fértil para uma resistência política; claro, sempre denunciando.
No final dos anos 30 e início
dos 40, Roa Bastos casa, tendo dois relacionamentos, daí advindo seus 6 filhos:
dois do primeiro relacionamento e 4 do segundo. Entre estas décadas, cursa
Direito e Economia em Assunção, o que lhe permite adentrar mais intensamente
nas óticas ou focos jornalísticos desses campos. Sua atividade no campo das
artes prossegue, mas é no jornalismo que sua atividade o publicita, de início.
Esteve em Londres como
correspondente do jornal El Pais do Paraguai em 1944, onde já começa a ganhar
expressão na Europa. Este tempo na Inglaterra permite reunir suas entrevistas e
crônicas em 1946, em La Inglaterra Que Yo Vivi, e isso reflete no seu país a ponto de
ser malvisto e perseguido pelo governo Paraguaio, o que lhe valeu um exílio
para a Argentina em 1947 e depois para França, em Toulouse.
Sua estada em Buenos Aires foi
longa, 29 anos, 1947-1976, o que lhe propiciou a produção quase total de suas
obras. Seu período de adaptação, em tempos de ditadura Argentina, foi muito
difícil e teve que passar por sérios apertos, trabalhando em tipos de trabalho
simples como de garçom, limpador de vidros, tradutor, mas chegou à Universidade
de La Plata, onde lecionou. Essa gama de experiências, desde a infância até sua
vinda à Argentina, não foi desperdiçada em sua memória, e se extroverteu em sua
obra de forma certeira num desenho de seu povo e da política a qual estava
submetido.
Naturalmente que toda sua
bagagem teórica, autodidata ou acadêmica lhe permite mais estofo para germinar
em suas obras. Contudo, a experiência com o seu povo e com o povo argentino
permitiu uma intimidade com a cultura popular deste cone Sul.
A Argentina o reconhece e lá
ele tece uma gama de grandes amigos, entre eles Tomas Eloy Martinez, outro escritor
comprometido com a história e a política.
Em 1976, vai para Toulouse
onde passa a lecionar Guarani e Literatura Latino-Americana; lá lhe concedem a
cidadania francesa. Todavia, estando na Europa, percorreu vários países, entre
eles a Espanha que lhe deu não só a cidadania como o prêmio Cervantes de
Literatura em1989 por Yo El Supremo.
Será ainda em Madrid que ele,
junto com demais intelectuais europeus, cria um movimento de apoio ao Paraguai
contra a ditadura extensa de Stroessner, o Tiranossauro, como era assim denominado,
chamado de Jornadas pela Democracia do Paraguai, em 1987.
Em 1989, com a queda do
ditador Stroessner, lhe é concedido o passaporte, que ocorreu no consulado do
Paraguai em Barcelona, entretanto só se fixa em Assunção em 1996, vivendo mais
9 anos e falecendo em 26 de abril 2005. Desde sua chegada, padeceu de problemas
cardiovasculares, assim como de patologia na próstata. Durante seus últimos
anos de vida jamais abandonou a literatura, ao contrário, acolheu-se a esta e
saiu do campo de atuação política mais exposta.
Sua obra é extensa e de
múltiplas linguagens, desde o jornalismo ao cinema, teatro e música, mas a literatura
é o marcante em sua obra.
Na literatura sua obra
desliza ente poemas, contos e romances, mas temos que destacar algumas obras e
seu contexto, mesmo que em outro momento deslizaremos com uma reflexão mais crítica
sobre as mesmas. Buscaremos apreciar a sua prosa dentro dos gêneros, novela,
romance e os contos.
Mas, mesmo na prosa, faremos
um corte entre as suas obras no âmbito da novela e dos contos, aglutinando-os
ao foco principal de nosso intento.
Tal corte se dará em função
do nosso olhar para as questões do poder – política -, terra, corpo e
identidade. Entendamos aqui a política no emaranhado do comprometimento da história
revisitada. No que toca à identidade, buscaremos observar o bilinguismo Espanhol/Guarany
(diglosia) e suas manifestações na cultura popular e como expressão de uma assunção
de uma subjetividade muito particular dos seus personagens.
Sua grande trilogia é: El Hijo de Hombre (1960), Yo El Supremo (1974)
e El Fiscal (1993).
Mas há
inúmeras outras obras que não podemos deixar aqui de destacar, como El
trueno entre las hojas (1953), Contravida (1994) e Madama Sui (1995).
Em torno destas faremos
nossas apreciações críticas de um autor inesquecível para nós, latino-americanos.
Em breve voltamos com tais apreciações que poderão ser parceladas por focos.
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