Pensar é um ato de extrema complexidade, sobretudo se queremos ir a fundo.Pensar é desarranjar o posto vulgarmente, é ir em busca de constructos mais profundos, cercando-se do pensamento já posto pela Filosofia e entremeando-se com os pilares conceituais do sujeito. Luciana Hidalgo faz isto diante do que seja o FASCISMO, ora arregaçado no mundo e em nossa sociedade.Tomo seu post no seu Facebook:
V. FLUSSER |
HANNAH ARENDT |
Lendo a excelente biografia do filósofo tcheco Vilém Flusser, “O homem sem chão”, bem-escritíssima por Gustavo Bernado e Rainer Guldin, encontro um trecho sobre o fascismo e o homem. Um texto pertinente nesse momento em que um presidenciável de ideias fascistas atrai muita “gente boa” por aí. Pior: nesse momento em que o presidente do Supremo Tribunal Federal decide que o Golpe de 1964 (aquele que começou com tropas militares cercando o Rio de Janeiro, derrubou o presidente civil do país e instituiu uma ditadura com presidentes militares durante 21 anos no Brasil) agora é “movimento" de 1964. A opção pelo eufemismo diz muito. Ao relativizar o golpe militar de 1964 (que realmente só deu certo devido ao apoio da sociedade civil da época), a autoridade máxima do Judiciário brasileiro relativiza a ditadura e o fascismo em si. Recorro, pois, à filosofia. A partir de Hannah Arendt e Vilém Flusser, Gustavo e Rainer explicam a genealogia do fascismo, isto é, por que e como gente como a gente vai aderindo a ideias fascistas, aceitando e participando da barbárie, dia a dia, às vezes sem nem se dar conta:
“A filosofia alemã, de origem judaica, demonstra a falsidade da concepção corrente: de que os maiores males são cometidos pelos maiores monstros. Na verdade, para Hannah Arendt, os maiores males são cometidos por funcionários medíocres empregados, isto sim, por aparelhos gigantescos.
Flusser concorda com ela, mas procura, como sempre, olhar para o avesso do problema: como pessoas cultas, quando empregadas por aparelhos medíocres, cometem males que nunca deveriam ter cometido. Ou seja: enquanto Hannah trata do aparelho como transformador de gente medíocre em funcionário poderoso e destrutivo, Vilém estuda o aparelho como transformador de gente culta em funcionário incômodo e chato.
Ambos os tipos de funcionário, entretanto, sustentam e promovem aparelhos como o do nazismo, como nos ensina Flusser no seu artigo:
'Todos temos a vivência do aparelho chato, nem todos, felizmente, do aparelho destrutivo. Quem é apanhado na engrenagem do aparelho destrutivo (por exemplo, do nazismo) tem a sensação do terror e de ser triturado. E quem entra desprevenido na engrenagem do aparelho chato (por exemplo de uma firma comercial ou de um instituto de ensino) tem a sensação do cômico e da futilidade. Mas a distinção é provisória, fortuita e perigosa. Lembro-me do período de formação do nazismo, quando o seu aspecto cômico e fútil era perfeitamente visível. Mais tarde o terror apagou este aspecto. E a comicidade dos aparelhinhos chatos encobre a sua tendência de triturar-nos aos poucos. Tivesse sido tomado a sério, quando ainda aparelhinho cômico, e talvez não teria tido Eichmann.’
É preciso lutar ‘contra o aparelho em sua cretinice infra-humana’, defende Flusser. Todavia, como os aparelhos são inevitáveis, podemos superá-los se e somente assumirmos uma atitude irônica perante eles. A ironia não é passiva, mas sim subversiva, no sentido literal do termo. Ela solapa os aparelhos porque participa do jogo mediocrizante deles, sim, mas nunca para ganhar o jogo: o que se tenta é alterar o jogo para melhor desconjuntar o aparelho.” por Luciana Hidalgo
* tomo a liberdade de por aqui o link de um texto do Gustavo Bernardo e Rainer Guldin
https://bit.ly/2Qt20zs
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