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“O que digo é um desdizer como cuspir para dentro, não reverbera”, “Tenho medo dos dicionários que dizem palavras presas”.
Um percurso pelo Avesso da Palavra
Palavra,
tempo, memória: são as peças que escolho para seguir o fio que me conduz pelo Avesso da palavra.
É
preciso de um fio condutor: existe um, dado pela sequência de poemas, e também
vários, puxados por cada leitor, que se deixa perder na solidão da “cartografia
vencida” do poeta, labiríntica como o ser.
Falo do
poeta, mas falo de mim. Falo do poeta, mas do sujeito em devir. Permitem-me
isso a ausência de títulos para os poemas, os movimentos que sugere cada parte
do livro (uma ordem, entre outras possíveis), além do próprio jogo proposto pelo trabalho que é feito
com a palavra.
Colocar
a palavra pelo avesso, dobrá-la/desdobrá-la, é buscar pela “despalavra”, é
“catar feijão”. É , como diria Roland Barthes, “trapacear” o tempo inteiro com
a linguagem, como um jeito de não se aprisionar pelo seu “fascismo”: tentativa
de dizer as coisas, o mundo, as coisas do mundo, por imagens, como no primeiro
poema, em que tempo, morte e baía sem peixes e crustáceos são encadeados de
forma a compor uma unidade que não se basta e é sempre movimento: “Os estômagos
das palavras fazem cadeia [...] / Explosões destes estômagos e seus cais”.
O “homem
palavra”, sujeito que se elabora nos poemas, reconhece que é feito de
linguagem, mas anda “à procura de palavras para abafá-las”. E, embora as
palavras sejam pouco para o mundo, contraditoriamente, é por meio delas que se
pode “focinhar a vida e gritá-la como se assim ardesse menos”.
Assim é
que Paulo Vasconcelos desnuda o teor do seu fazer poético, como é possível
perceber em inúmeras passagens da
travessia: “Eu lia com as mãos [...] / Eu aprendia com todo o corpo / Hoje
fecharam as mãos para o mundo e se aprende só com as letras”, “O que digo é um
desdizer como cuspir para dentro, não reverbera”, “Tenho medo dos dicionários
que dizem palavras presas”.
Nesse
jogo, entretanto, Vasconcelos faz reverberar, além da literatura oral, Manoel
de Barros e João Cabral de Melo Neto, outras vozes, como a de Octavio Paz, para
quem a imagem poética tem o objetivo de dizer o indizível. Escreve Vasconcelos:
“Poemar é nada dizer dizendo o que é inacessível”.
É
precisamente por conta dessa busca sem fim e pela impossibilidade de
representar a realidade que, segundo o olhar de Barthes, existe a literatura.
Dessa maneira, faz-se a poesia de Vasconcelos: “O real nos doerá para sempre”
(Orides Fontela).
Por essa
trilha, tempo e memória são tramados e destramados ao longo dos poemas, que, no
desengasgar da palavra, expõem um sujeito que se reconhece incerto e se
reelabora através da linguagem:
Meu coração não tem fibra
O poema dá-lhe franja
Mas não finjo nem digo
Apenas assoletro o que o juízo me dita
Junto com as minhas mentiras
Verdade escolhidas
No manto do homem palavra
Se a
percorro de posse de uma “cartografia vencida” e colho os signos pelo avesso, a
memória, o passado, com que me deparo é refeito “por imagens, por eflúvios, por
afeto”:
Não sei de onde venho,
Não sei de onde fui,
Sei que sou de nada
Sou estampa desbotada entre
pedaços de linhas retrós
Botões em costureiro velho
Nesse sentido,
vários elementos são combinados de forma a compor uma espécie de mitologia pessoal, atravessada, além de
leituras – algumas já destacadas – por diversos símbolos.
Estes
remontam a tempos e espaços singulares (a infância, o Nordeste, a cidade de São
Paulo...), entretanto, simultaneamente, mitificados: “No pão doce do meu pai /
as abelhas estancavam [...]/ Pintando aos abanos as tardes na padaria”,
“Caranguejos [...] / que silenciosamente confabulam com nichos de águas e
dejetos assoletrando / Capibaribe”, “[ ...] o sol batendo nas arueira do
sertão”, “Um coração vazio e aliviado como cabaça na seca”, “flores de
sabugueiros”, “cianinhas brancas”, “Minha vó ao centro da máquina pedia-me / A
colher e punha se a mexer o açúcar / Que coloria a casa de sabores de notas
violadas”, pés de castanheiras, “E me apaulistei pouco a pouco mas nunca
esquecerei / Das vogais do meu coco catolé”, “Nas vielas da cidade adotada
falta cheiro de cajueiro / Tem ausências de cantares de borboletas no cio”,
“Vendia abacaxi no centro e dizia o mior abacaxi de Sampalo com cheiro de me de
abelha” são algumas das imagens que constituem um sujeito em devir: palavra,
bicho, árvore, cidade...
O
passado recuperado pelas palavras não é o espelhamento de uma sequência de
fatos vivenciados por um verdadeiro eu, mas resultado de um processo de leitura
e reescrita de si levado a cabo pelo sujeito múltiplo que ganha corpo nos
poemas.
Sem
pretender esgotar os sentidos para a poesia de Paulo Vasconcelos, esta breve
travessia é, portanto, um convite para que o leitor trace seu rumo por entre as
brechas da linguagem, por suas dobras. Mediante esse traçado, é possível
desfrutar do prazer do texto, ao
percorrer o espaço de fruição que se cria entre escritor e leitor pela
dialética do desejo que entre eles se estabelece.
Antonio Laranjeira
Doutor em Teoria da Literatura
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
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