O professor, historiador de arte e artista plástico Juarez Paraíso postou hoje no WhatsApp este texto em tributo à memória do saudoso artista plástico Ângelo Roberto, que ontem nos deixou. Enviado por e-mail pelo fotógrafo e também artista plástico Humberto Rocha, reproduzo-o abaixo.
DESENHOS DE ANGELO ROBERTO
Angelo Roberto é conhecido na Bahia como um Mestre do Desenho. São mais de cinqüenta anos de pratica intensiva na área do desenho de bico de pena, da ilustração e da caricatura. Embora tenha domínio da programação visual e da técnica de murais, pode-se dizer que Angelo Roberto é essencialmente um desenhista, pela dedicação quase exclusiva e constante. Pertence à segunda geração de artistas modernos da Bahia, década de 1960. Realizou o curso oficial de pintura e os cursos livres de gravura, cerâmica e escultura da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, tendo convivido com Riolan Coutinho, Helio Oliveira, José Maria, Henrique Oswald, Udo Knoff, Mendonça Filho, Mario Cravo Junior, Rescala, e muitos outros notáveis artistas, responsáveis, como ele mesmo, pela internacionalização da arte moderna na Bahia.
O desenho é linguagem artística basilar, utilizada pelos artistas através dos tempos e em todas as áreas da realização plástico-visual. Como forma independente de linguagem plástica, emancipa-se a partir do Renascimento e, com pontas de metal, grafites, tintas, luz, materiais tridimensionais, incisões, técnicas as mais diversas, tradicionais ou ultramodernas, realiza com os suportes apropriados a forma concebida pelo artista. Vencidos os preconceitos impostos pela ausência da cor e características do desenho acadêmico como expressão da forma sobre o suporte bidimensional, desenho linear, (do desenhista), de manchas (do pintor), de contrastes volumétricos, (do escultor), Picasso desenha com a luz e, na arte contemporânea, incluindo a fantástica contribuição do computador, vale qualquer recurso, vinculado ou não ao hibridismo reinante. Mas no momento em que são inventadas e disputadas as técnicas mais sofisticadas como desejo e marca de atualização técnica, o que mais seduz nos Desenhos de Angelo Roberto é justamente a simplicidade dos meios, dos recursos técnicos. Prevalece a inteligência e a sensibilidade das soluções formais, transcendendo os limites do desenho tradicional para uma concepção comprometida com o conceito de design, pela presença constante da estruturação da forma, no sentido mais amplo do dualismo figura-fundo e da criatividade plástica.
Depois de desenhar os mais variados temas, Angelo Roberto concentra-se no desenho de cavalos. São 30 desenhos de excepcional qualidade plástica, formando um indivisível conjunto pela atração mutua de suas unidades. É como uma seqüência cinematográfica, onde cada fotograma tem a sua autonomia e independência estética. Elegância, agilidade, força, beleza e expressividade plástica é o que simboliza o cavalo, tema que desde a pré-história tem sido constante na historia da arte. Em perfeita sincronização com a natureza, o artista transcende a beleza do animal, eternizando-a através dos processos da abstração plástica.
Angelo Roberto é, precipuamete, um artista da linha e do tracejado, das impressionantes tramas de bico de pena. O contraste elegido é simples, mas eficaz. O completo domínio artesanal do artista tece uma incrível tessitura gráfica, um incrível trabeculado, estrutura linear composta por traços pacientemente superpostos, com mais ou menos transparência, jamais obstruindo a passagem da luz que emana do papel. A volumetria é reduzida e controlada com sutileza e o segredo está no controle da transparência e da natureza da textura visual, na dependência da acumulação e posição espacial do tracejado retilíneo, sendo notável as passagens da luz entre as figuras e o fundo. Mestre do bico de pena, Angelo Roberto já produziu centenas de desenhos de grande beleza plástica (gráfica). Com os atuais desenhos demonstra uma prodigiosa imaginação e memória visual no desafio de um só tema e com o máximo de economia dos recursos materiais. Um sensível e intenso sentimento de harmonia emana da conjugação de linhas, atraindo o movimento do olhar, seduzido pela suavidade do rítimo criado pelo artista. A expressividade plástica sobrepõe-se à simples configuração temática, graças ao desenho despojado e contemplado pelo talento do artista, pela depurada percepção seletiva e notável poder de síntese, próprio dos grandes desenhistas figurativos.
A anatomia natural é substituída pela anatomia artística. Assumindo a posição de frontalidade para as imagens naturais, o artista concebe a redução da cabeça conferindo mais força e elegância corporal. Com magistral interpretação, Angelo Roberto utiliza-se do movimento continuo para a configuração básica da imagem virtual do cavalo, representando a sua energia incontida, e, mesmo em posicionamento estático, o movimento dirigido cria as tensões visuais necessárias para a estruturação rítmica do conjunto. A dimensão do desenho torna-se espaço-temporal. O artista alcança a síntese dos movimentos pela constante modulação da linha, com dimensões e intensidades precisas e, ao contrario do congelamento da reprodução fotográfica do movimento, Angelo Roberto pratica com talento e maestria os processos de abstração da forma natural, através da linha, das deformações dimensionais e da abstração monocromática.
Nos atuais desenhos, o artista introduz suavemente a cor em alguns desenhos, mas também como forte contraponto à estrutura gráfica, quando o círculo de cor intensa cria um novo e poderoso fulcro de atração visual, com tendência a monopolizar a atenção do perceptor, não fosse a atração irresistível da riqueza formal dos cavalos. Ao contrario, contribui para intensificar o jogo de tensões visuais, enfatizando as distensões e contrações do movimento dirigido, do rítimo criado pelo artista. O circulo também cria o espaço cenográfico e de integralização temática, definindo a concepção espacial dos desenhos em termos de dupla composição, pois a visualização plástica imediata realiza-se no bidimensional pela frontalidade das imagens e pelo suporte branco do papel, branco que também pode ser percebido como profundidade espacial expandida para os limites da imaginação, quando interpretado o círculo como o Sol.
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