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sexta-feira, 17 de março de 2017

‘Drogadictos’, uma viagem (literária) e tanto

http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/15/cultura/1489592134_191162.html
1:59 BRT  por El país Brasil  






Vamos Aguardar no Brasil, se é que haverá interesse em Publicar.
Há Latinos a escrever sobre o tema o que é de bom alvitre.


Chega às livrarias espanholas Drogadictos (Dependentes de drogas), um livro escrito por, quase todos, viciados. Certo, alguns deles não o são, ou pouco. Outros, se pode notar, bastante. Doze autores espanhóis e latino-americanos escrevem sobre viagens, não exatamente para hotéis com tudo incluído. Cada um se debruça sobre uma substância proibida, pelo que se vê nada proibida. O grupo é formado, pela Espanha, por Lara Moreno (ópio), Sara Mesa (morfina), Juan Gracia Armendáriz (maconha), Juan Bonilla (ecstasy), Marta Sanz (lorazepam), Javier Irazoki (tabaco), Manuel Astur (LSD) e José Ovejero (sexo); pelo Peru, Richard Parra (crack); pela Colômbia, Andrés Felipe Solano (álcool); e pelo México, Mario Bellatin (talidomida) e Carlos Velázquez (cocaína).
Não vamos exagerar: escrever sobre, a partir de ou por trás das drogas não é novidade. Guia de leitura urgente: Thomas de Quincey, que ficou viciado em ópio enquanto seus pais pagavam seus estudos em Oxford e depois pariu, extenuado, Confissões de um Comedor de Ópio. Henri Michaux e suas viagens com mescalina, igualmente presentes em alguns de seus poemas e em muitos dos seus embriagantes nanquins. Leiam, leiam seu muito lisérgico O Infinito Turbulento. Antonin Artaud e o ritual do peiote com os índios tarahumaras (Os Tarahumaras, leitura recomendável a todos, praticantes da causa ou não). Baudelaire precedendo e inspirando Walter Benjamin na expressão literária do haxixe (deste último, visite ou revisite Sobre o Haxixe e Outras Drogas, do primeiro volte sempre a Paraísos Artificiais, bíblia literária sobre a questão, diante da Bíblia teórica, Historia General de las Drogas –História geral das drogas–, de Antonio Escohotado).




Dito isto, todos estes escritores e todos estes livros pululam como pano de fundo consciente ou inconsciente em Drogadictos. O volume traz doses suficientes de reflexão, divertimento, canalhice, vire-se sozinho, ausência de preconceito e o habitual coquetel de prazer e remorso (já sabem, “por que são tão boas essas porras de drogas...”), tudo misturado com certa vocação de retrato sério dos paraísos artificiais e seus efeitos. Tudo temperado com soberbos devaneios gráficos do ilustrador francês Jean-François Martin, colaborador regular de jornais como Le MondeThe Guardian e The New York Times. Aqui os desenhos não apoiam o texto, aqui os desenhos são outro livro.
Tudo em Drogadictos tem um ar inocente e legítimo de convite ao prazer –com o perdão da expressão–, ao prazer da leitura, entenda-se. No entanto, as sucessivas viagens têm momentos difíceis e, mais além disso, dramáticos e trágicos. Também tragicômicos. Mas não cômicos.
Uma garota de cabelo cor de laranja come a dose de ópio que seus pais lhe deram porque se queimou com o forno e porque esse parece ser o alimento de base da família, e o ópio, é bem conhecido, cicatriza queimaduras e todo o resto. Um camicase enlouquecido pelas ruas de Lima não consegue encontrar o momento de parar de comprar e consumir coca peruana, a melhor do mundo (“o bilhete dourado do Willie Wonka do mundo da droga”). Ou o primeiro mergulho no ecstasy: o zumbido urbano de Barcelona, música techno nas alturas, a lama das próprias obsessões e aquele poema de Luis Rosales que falava da “floresta incendiada sob a água”.
A morfina entrando –e o pior de tudo: não entrando– na veia do moribundo no horror do mundo paliativo. A iniciação na maconha mais selvagem do mundo, fumando e vomitando lá em cima, na Sierra de Lobos, do México, paraíso e inferno. Frases memoráveis como esta de Andrés Felipe Solano: “Pediram um café envenenado com rum branco em uma loja na qual ainda vendem lâminas de barbear como aquelas usadas pelos suicidas dos filmes”. O tabaco trazido da América que o avô de Javier Irazoki plantava numa aldeia de Navarra (avô real ou fictício): “A heroína pura, o LSD, a mescalina ou o ecstasy concentrado não poderiam competir com semelhante alucinógeno. Cada fio de tabaco era uma bomba de surrealismo”. Ou a memória do sexo traçada por um escritor que teve de suar tinta para convencer seus editores a deixá-lo fazer isso... tinha todo o direito moral do mundo: era um verdadeiro viciado em sexo, e o sexo é uma droga, então era um drogado.
Temos de continuar a ler todos os autores clássicos que um dia escreveram sobre o assunto: suas lições são bastante práticas, para não falar de sua literatura, quase sempre absorvente. Também é preciso ler este Drogadictos se o que se deseja é, por um lado, prolongar a viagem pelas drogas através de papel e tinta, e por outro, ter acesso a uma situação muito curiosa e rara: a disposição de um punhado escritores para contar histórias que falam de um marasmo, aquele da relação entre o homem e as substâncias proibidas. A coisa remonta a algo como 4.000 anos atrás, de acordo com os que sabem. Não é, em suma, um assunto novo. Mas pode se tratar de uma forma nova. Esta o é.

Um comentário:

Unknown disse...

Bem presentado! A literatura é também um prazer perigoso. Acho normal que ela possa convidar ao perigo. Não entendo como quem està no poder pretende erradicar as drogas sem saber da sua literatura.