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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Em RECIFE

A cidade caminha com os homens, como as pedras com o vento, como o sistema de planetas. Recife, como dizia meu amigo Orlei Mesquita,pernambucano, é uma mulher , sempre molhada, rasa e viva. A cidade e seu tempo toma nervos mais densos, o que nao sei se é bom, e é um centro cosmopolita. Os recifenses tomam hábitos novos de megalopóle e uma nova poesia lhe envolve e fica surda, como o tempo que não escuta tudo.Os ventos usam novas próteses e já nao canta como dantes.A cidade é uma mulher de dentes afiados, como a mulher de Placidus.Recife, tem novas violas e seu tônus é elétrico. Não se escuta os trens e bondes, nem ondas rasas do Capirabibe.Suas praças não mais se sentam, nem tem cheiros de águas, nem de doce do homem do algodão doce.Tem cheiro de azedo de restos de Macdonaldes,podre como os que criaram, e gosma de Colas derramadas. A cidade continua esguia carregando sua história no bolso, calada quieta e assim indo entra ela em mais um ano. Recife continua com seus arrecifes gastos pelo empurra-empurra das águas de pedra liquída,mas que liquida seus ares de praias e assim sendo, ela gasta seus dentes dizimando suas areias- engolidas pelas águas, mas há ainda esperança mesmo num ano, que diz como tal, nessa contagem quase inútil dos ponteiros. O que importa é ela é viva como os mortos calados, colados,mas amalgamado em pátios que se diz progresso, mas não como sua rua do mesmo nome. Persistem as bruxas- musas como Luzilás-linda, e os sopros poéticos de Cabral,Bandeira,Maria do Carmo.B Campelo,Lourdes Horta, Angelos, etc...Recife ainda respira forte para novo aporte de um novo calendário amassado em sua política .

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

POESIA Mensagem a Rubem Braga

Os doces montes cônicos de feno (Decassílabo solto num postal de Rubem Braga, da Itália.) A meu amigo Rubem Braga Digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever Mas digam-lhe. Digam-lhe que é Natal, que os sinos Estão batendo, e estamos no Cavalão: o Menino vai nascer Entre as lágrimas do tempo. Digam-lhe que os tempos estão duros Falta água, falta carne, falta às vezes o ar: há uma angústia Mas fora isso vai-se vivendo. Digam-lhe que é verão no Rio E apesar de hoje estar chovendo, amanhã certamente o céu se abrirá de azul Sobre as meninas de maiô. Digam-lhe que Cachoeiro continua no mapa E há meninas de maiô, altas e baixas, louras e morochas E mesmo negras, muito engraçadinhas. Digam-lhe, entretanto Que a falta de dignidade é considerável, e as perspectivas pobres Mas sempre há algumas, poucas. Tirante isso, vai tudo bem No Vermelhinho. Digam-lhe que a menina da Caixa Continua impassível, mas Caloca acha que ela está melhorando Digam-lhe que o Ceschiatti continua tomando chope, e eu também Malgrado uma avitaminose B e o fígado ligeiramente inchado. Digam-lhe que o tédio às vezes é mortal; respira-se com a mais extrema Dificuldade; bate-se, e ninguém responde. Sem embargo Digam-lhe que as mulheres continuam passando no alto de seus saltos, e a moda das saias curtas E das mangas japonesas dão-lhes um novo interesse: ficam muito provocantes. O diabo é de manhã, quando se sai para o trabalho, dá uma tristeza, a rotina: para a tarde melhora. Oh, digam a ele, digam a ele, a meu amigo Rubem Braga Correspondente de guerra, 250 FEB, atualmente em algum lugar da Itália Que ainda há auroras apesar de tudo, e o esporro das cigarras Na claridade matinal. Digam-lhe que o mar no Leblon Porquanto se encontre eventualmente cocô boiando, devido aos despejos Continua a lavar todos os males. Digam-lhe, aliás Que há cocô boiando por aí tudo, mas que em não havendo marola A gente se agüenta. Digam-lhe que escrevi uma carta terna Contra os escritores mineiros: ele ia gostar. Digam-lhe Que outro dia vi Elza-Simpatia-é-quase-Amor. Foi para os Estados Unidos E riu muito de eu lhe dizer que ela ia fazer falta à paisagem carioca Seu riso me deu vontade de beber: a tarde Ficou tensa e luminosa. Digam-lhe que outro dia, na Rua Larga Vi um menino em coma de fome (coma de fome soa esquisito, parece Que havendo coma não devia haver fome: mas havia). Mas em compensação estive depois com o Aníbal Que embora não dê para alimentar ninguém, é um amigo. Digam-lhe que o Carlos Drummond tem escrito ótimos poemas, mas eu larguei o Suplemento. Digam-lhe que está com cara de que vai haver muita miséria-de-fim-de-ano Há, de um modo geral, uma acentuada tendência para se beber e uma ânsia Nas pessoas de se estrafegarem. Digam-lhe que o Compadre está na insulina Mas que a Comadre está linda. Digam-lhe que de quando em vez o Miranda passa E ri com ar de astúcia. Digam-lhe, oh, não se esqueçam de dizer A meu amigo Rubem Braga, que comi camarões no Antero Ovas na Cabaça e vatapá na Furna, e que tomei plenty coquinho Digam-lhe também que o Werneck prossegue enamorado, está no tempo De caju e abacaxi, e nas ruas Já se perfumam os jasmineiros. Digam-lhe que têm havido Poucos crimes passionais em proporção ao grande número de paixões À solta. Digam-lhe especialmente Do azul da tarde carioca, recortado Entre o Ministério da Educação e a ABI. Não creio que haja igual Mesmo em Capri. Digam-lhe porém que muito o invejamos Tati e eu, e as saudades são grandes, e eu seria muito feliz De poder estar um pouco a seu lado, fardado de segundo-sargento. Oh Digam a meu amigo Rubem Braga Que às vezes me sinto calhorda mas reajo, tenho tido meus maus momentos Mas reajo. Digam-lhe que continuo aquele modesto lutador Porém batata. Que estou perfeitamente esclarecido E é bem capaz de nos revermos na Europa. Digam-lhe, discretamente, Que isso seria uma alegria boa demais: que se ele Não mandar buscar Zorinha e Roberto antes, que certamente Os levaremos conosco, que quero muito Vê-lo em Paris, em Roma, em Bucareste. Digam, oh digam A meu amigo Rubem Braga que é pena estar chovendo aqui Neste dia tão cheio de memórias. Mas Que beberemos à sua saúde, e ele há de estar entre nós O bravo Capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas e seu bigode circunflexos Terno em seus olhos de pescador de fundo Feroz em seu focinho de lobo solitário Delicado em suas mãos e no seu modo de falar ao telefone E brindaremos à sua figura, à sua poesia única, à sua revolta, e ao seu cavalheirismo Para que lá, entre as velhas paredes renascentes e os doces montes cônicos de feno Lá onde a cobra está fumando o seu moderado cigarro brasileiro Ele seja feliz também, e forte, e se lembre com saudades Do Rio, de nós todos e ai! de mim. Rubem Braga (Cachoeiro de Itapemirim, ES, 1913 - Rio de Janeiro, RJ, 1990) foi jornalista e escritor. Clarice Lispector certa vez o definiu como "o inventor da crônica", gênero no qual ele foi um mestre absoluto. Seu primeiro livro, O Conde e o Passarinho, foi publicado em 1936. Como jornalista, exerceu as funções de repórter, redator, editorialista e cronista em jornais e revistas do Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. Foi correspondente de guerra do Diário Carioca na Itália, quando escreveu o livro Com a FEB na Itália (1945). Fundou com Fernando Sabino e Otto Lara Resende, em 1968, a célebre editora Sabiá. Grande amigo de Vinicius de Moraes, Rubem Braga escreveu a orelha da primeira edição de sua Antologia poética (Rio de Janeiro: A Noite, 1954).* *O texto de R. B. encontra-se integralmente transcrito na nota da Antologia.