Edineide Silva
Coordenadora do Núcleo de Adoção e Estudos da Família
2ª Vara da Infância e Juventude do Recife
Filhos... Melhor tê-los?
A notícia da morte trágica do Bispo Robson Cavalcanti e de sua esposa Miriam Cavalcanti deixou a muitos atônitos pela perda de pessoas significativas no mundo cristão e político. Mais ainda atônitos ao saberem que o filho do casal, Eduardo, era o autor dos homicídios. Rapaz jovem, com educação formal, mas devastado pelo consumo de drogas. Além das perdas irreparáveis, muitos também ficaram estupefatos pela associação imediata da mídia com a condição de filho adotivo de Eduardo. As manchetes eram claras: Filho adotivo mata pais. A ênfase na condição de adotivo estava mais que explícita, trazendo consigo a indignação de muitos com a facilidade com que esta condição estava atrelada a uma conduta homicida. Pessoas se rebelaram contra essa linha de raciocínio fácil e superficial de que filhos biológicos não cometem crime contra seus pais, não são agressivos, nem desrespeitosos, pois se assim o fossem, as manchetes estampariam: Filho biológico mata mãe ou Filho de sangue se volta contra seus pais. Tal perspectiva midiática nunca foi produzida, pelo menos na história do Brasil.
Espanta-nos encontrar acusações fáceis quando um filho adotivo mata seus pais e de imediato, a justificativa de que cuidar dos “filhos de outros” é sempre desastroso. Entretanto, crimes contra familiares, irmãos e pais não são ações contemporâneas do ser humano. Encontraremos Caim contra seu irmão Abel, o parricídio nos Irmãos Karamázov de forma magistral, e na atualidade, a mídia cotidiana, às vezes em programas sensacionalistas ou populescos, a exploração e exposição desta temática de forma mais corriqueira.
Estamos lidando com um vasto universo de representações sociais sobre família, infância, filiação e com estereótipos que constroem preconceitos difíceis de serem rompidos e modificados. Ao sabor das novidades ou tragédias do cotidiano encontraremos no senso comum ou nos formadores de opinião, a assunção da adoção como uma atitude que traz um significado singular e positivo para aqueles que constroem sua família com crianças e adolescentes não advindos de sua linhagem biológica e, que nem por isso, lhes falta algo ou se torna uma filiação de segunda categoria. Os exemplos inesgotáveis traduzem a felicidade daqueles que encontram na construção da maternidade e paternidade um caminho para oferecerem a uma criança, o que eles têm de melhor: a necessidade de dar amor a alguém e vislumbrar a possibilidade de oferecer as condições para que esse alguém se torne “decente”, um sujeito de valor. Não é isso que todos os pais e mães dizem querer para seus filhos?
O poeta diz: Filhos...filhos? Melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-lo? Comem botão, noites insone, “chupam gilete”, “tomam shampoo”, “quantas consultas”, “banho de mar: engolem água...” Filhos, melhor não tê-los! Eles nos tiram do centro dos nossos desejos mais egoístas, do nosso espelho, do tempo dedicado só a nós. Eles serão ingratos e nos abandonarão na velhice. É certo!
Encontramos afirmações do quanto de loucura há naqueles que desejam ter filhos ou até mais de um, denunciando sem saber, o quanto se perde ao se ganhar filhos.
Mas, e a maciez dos cabelos deles? O cheiro de sua pele? “Que coisa louca que coisa linda que os filhos são!” Eles se parecem conosco, serão melhores que nós, com eles poderemos rivalizar, com eles seremos longevos, eternos. O que perdemos voltamos a ganhar? Ou será que durante todo o tempo tentamos não perder?
Questionar ter filhos é da condição humana, eles nos descentram, nos atingem no âmago do nosso narcisismo. O imperativo de amá-los também traz consigo o imperativo de odiá-los.
Questionar como lidaremos com nossos limites, como grandes crianças que sofrem ao dividir o brinquedo ou que o mundo continua a girar com ou sem a nossa presença, é uma tarefa humana extremamente dolorosa. Não somos o centro do universo, não somos os maiorais na terra, nem tão poucos donos na nossa própria casa. Somos seres racionais, mas com desejos que não controlamos e que deveremos abrir mão ou até encontrar caminhos para eles que causem menos danos para nós e para os outros.
Questionar ou priorizar ter filho adotivo ou biológico é apenas uma massa cinzenta ou uma cortina de fumaça para o que está por trás: Queremos ter filhos? Suportaremos não ser mais o centro? Como eles lidarão com a questão dos limites da lei, da interdição. Qual a relação disto com o modo que lidamos com as interdições? Poderemos encontrar no amor dedicado a eles uma forma de nos reerguer? Eis a questão!
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