A Europa da dívida e da dúvida BY VISÃO PT
VICTR ANGELO
Na política, como na vida, a sabedoria passa por tentar compreender os nossos rivais
3:25 Quarta-feira, 2 de Jun de 2010
Um político dizia, recentemente, que o mundo havia mudado em três semanas. Inacreditável. Mas que o clima se alterou radicalmente, em Bruxelas, nos últimos doze meses, isso sim, é verdade. Há um ano, a Europa ainda era apresentada como o modelo que muitos gostariam de imitar. Havia optimismo, sublinhava-se a importância do Tratado de Lisboa, prestes a ser aprovado. Falava-se na governação mundial, que se estaria a inspirar nos valores europeus. Na economia social de mercado, apresentada como a chave do progresso e a solução para os problemas do desenvolvimento. Esse foi o mote de uma conferência de alto nível, em Maio de 2009.
Na semana passada, no Fórum Económico de Bruxelas, o tom era outro. Reina, agora, o pessimismo. A dúvida a juntar-se à dívida. Olli Rehn, o Comissário para os Assuntos Económicos e Monetários, um homem pragmático, disse que a Europa está em risco de estagnar e de se tornar politicamente irrelevante. Não será uma declaração inédita. Proferida por um responsável de topo, não deve passar despercebida.
Durante os debates ficou claro que a crise na Europa resulta, em grande medida, de razões endógenas. Enumero algumas. A falta de coordenação das políticas económicas e sociais. A indisciplina orçamental de certos governos. O peso excessivo do sector público nas contas nacionais. A perda de competitividade em relação a economias concorrentes. O adiamento das reformas estruturais mais urgentes. Um sistema financeiro artificial, construído no ar, especulativo e sem correspondência com a economia real. Um tipo de consumo, em países como Portugal, que leva ao endividamento crónico das famílias e à instabilidade financeira. Uma crise que tem sido agravada pela opção por um euro forte, sobrevalorizado. E por uma liderança política incapaz de apontar o dedo, nas diferentes cimeiras da União, aos governos prevaricadores, que não respeitam as regras estabelecidas.
A questão de fundo é a do crescimento económico. Como criar as condições que levem a um crescimento sustentável? Admito que são necessárias reformas estruturais para resolver certos estrangulamentos, embora ainda esteja por definir o conteúdo exacto dessas reformas. Como também está por aclarar qual deverá ser a estratégia para as fazer aceitar pelos cidadãos.
A verdade é que a Europa não está preparada para responder aos desafios globais. Muitos sectores da economia deixaram de ser competitivos. Mesmo na área digital. Foi-nos lembrado que as empresas tecnologicamente mais avançadas da Finlândia estão, agora, a investir na Ásia e com os olhos postos nos mercados dos Estados Unidos.
Temos que alargar o debate sobre o futuro económico da Europa. Qual é o paradigma para a próxima década? Qual é o valor da Estratégia 2020? Neste momento, a reflexão está nas mãos dos macroeconomistas. É curioso ver como os dirigentes da Comissão fazem discursos como se fossem técnicos económicos. Um erro. É preciso reflectir sobre a economia política, sobre a sociedade, não apenas sobre orçamentos, rácios financeiros ou modelos matemáticos. Como também é um erro olhar apenas para a experiência dos Estados Unidos, como fonte de inspiração. Assim aconteceu no Fórum. O neoliberalismo não é o único modelo possível. Não seria útil, por exemplo, ouvir as vozes da China ou da Índia? Ou homens de grande sucesso, vindos de outras culturas, como Mo Ibrahim, Lakshmi Mittal ou Mohamed Al Jaber? Na política, como na vida, a sabedoria passa por tentar compreender os nossos rivais.
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