Usinas do Rio Madeira: novos problemas trabalhistas
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As frentes de trabalho da empresa V.P. São Paulo, contratada para desmatar áreas que serão inundadas pela Usina de Santo Antônio, ficaram paralisadas de 9 de março a 6 de maio. Usina de Jirau também apresentou condições irregulares
Por Bianca Pyl
Centrais dentro da Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) federal e contestados por ambientalistas, as Usinas Hidrelétricas (UHEs) do Rio Madeira, em Rondônia, colecionam irregularidades trabalhistas. Duas fiscalizações realizadas recentemente nos canteiros de obras da UHE de Santo Antônio e da UHE de Jirau aumentaram o rol de problemas ligados aos empreendimentos.
As frentes de trabalho da V.P. São Paulo, contratada para desmatar áreas que serão inundadas pela Usina de Santo Antônio, ficaram paralisadas de 9 de março a 6 de maio por conta de irregularidades. Alguns equipamentos utilizados na construção da Usina de Jirau também foram interditados. Ano passado, as duas obras foram flagradas com problemas e 38 trabalhadores em condições análogas à escravidão foram libertados nas obras de Jirau.
A primeira fiscalização ocorreu entre 15 e 19 de março na V.P. São Paulo, contratada pela madeireira Madepar - que presta serviço para o consórcio Santo Antônio Energia - para a derrubada de árvores nas localidades de Riacho Doce e Vila Franciscana, às margens esquerda e direita do Rio Madeira.
Em entrevista à Repórter Brasil, a procuradora do trabalho Michelle Bastos Chermont, que participou da ação fiscal, disse que os empregados relataram que foram contratados no Pará e no Amazonas, com promessas de salários superiores aos que vinham recebendo desde que chegaram ao local.
"Eles disseram que os valores não são conforme o combinado e havia atrasos de salários", complementa Michelle, da Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região (PRT -14). Além disso, a empresa reteve a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) dos trabalhadores por até 120 dias. A V.P. São Paulo fornecia somente um uniforme aos empregados, que eram obrigados a trabalhar até com a camiseta molhada, por falta de peças para revezar. O período de trabalho dos empregados variava de 90 a 120 dias.
De acordo com Michelle, a alimentação era de "embrulhar o estômago". O cardápio era sempre o mesmo: carne com osso. O auditor fiscal Juscelino José Durgo dos Santos, coordenador da fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia (SRTE/RO), confirma que a péssima alimentação era servida aos 31 trabalhadores que estavam alojados na "Vila Franciscana". "Os empregados estavam há cerca de três meses comendo carne com osso todos os dias, sem uma salada sequer", relata.
As instalações sanitárias deste alojamento também estavam em desacordo com o padrão estabelecido pela Norma Regulamentadora 31 (NR 31). "A parede era construída totalmente em madeira sem observância da altura mínima em material liso, impermeável e lavável", acrescenta.
A V.P. São Paulo disponibiliza três alojamentos para 180 trabalhadores. "Havia a previsão de chegar mais trabalhadores. Entretanto, dado as interdições, a empresa adiou as novas contratações", conta Juscelino, da SRTE/RO. Ele declara ainda que a fiscalização ainda não teve tempo de realizar uma inspeção noturna para confirmar o número de pessoas alojadas, no alojamento da Madepar, alugado pela V.P. São Paulo. Outro abrigo fica na oficina mecânica para os tratores e máquinas pesadas. "Era nesse ambiente que havia duas famílias dormindo juntamente com outros trabalhadores, sendo que no mesmo dia que nos deparamos com a situação a empresa retirou os trabalhadores e levou para um hotel. Precisamos retornar lá para confirmar se os trabalhadores ainda permanecem em hotel ou se retornaram para o local", diz Juscelino. Os outros continuaram nos alojamentos.
A fiscalização resultou na interdição de todas as frentes de obras executadas pela V.P. São Paulo. A paralisação durou até o dia 6 de maio, quando uma equipe de fiscais voltou ao local e verificou que a situação estava regularizada. "Pudemos verificar que os trabalhadores estavam com os equipamentos de proteção, havia duas ambulâncias no local e rotas de fuga", explica Juscelino.
A empresa está terminando de construir um alojamento maior, dentro da área da Madepar. As promessas incluem equipamentos de lazer, uma área só de instalações sanitárias e outra com local para descanso e pernoite. "Isso está na fase final. Creio que, com os prejuízos das interdições e retiradas do pessoal para hotéis, tenha caído a ficha de que a única forma de conduzir os trabalhos até o final sem nós no encalço deles seria regularizando definitivamente as situações".
A procuradora destacou também a ocorrência de pelo menos dois acidentes de trabalho no local e que o socorro às vítimas não foi prestado de forma adequada. "Nenhuma frente de trabalho possuía ambulância, os trabalhadores eram jogados em um carro comum e atravessavam a balsa só então recebiam atendimento médico profissional". As frentes de trabalham ficam mais de 20 km distantes da cidade. Outras irregularidades relacionadas à Saúde e Segurança do Trabalho (SST) apurada pelos fiscais foram a falta de rotas de fuga e o fornecimento inadequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Os fiscais ainda não analisaram a documentação para saber se a empresa pagou os salários dos trabalhadores durante o período de interdição. Por enquanto, foram lavrados quatro autos de infração. A fiscalização não se encerrou.
A ação foi motivada por uma denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Estado de Rondônia (STICCERO) que esteve no local e fotografou a situação dos trabalhadores.
Imagens captadas durante a visita do sindicato
em janeiro deste ano (Foto: Danny Bueno)
Em setembro do ano passado, os trabalhadores das duas obras fizeram uma greve geral para reivindicar melhorias nos salários e nas condições de trabalho. De acordo com nota divulgada pelo STICCERO as denúncias "vão desde assédio moral, maus tratos, desvio de funções, falta de assistência médica, falta de ambulâncias, ameaças de demissões, alimentação estragada, não pagamento de horas extras, regime de semi-escravidão, uso de força policial ambiental para coagir trabalhador, agressões físicas, apropriação de objetos pessoais, alojamentos inabitáveis, transporte coletivo de péssima qualidade, retenção de carteiras de trabalhos, falta de equipamento de segurança adequado e uma lista infindável de absurdos".
Precedentes
O grupo especial de auditorias em obras de infraestrutura, do Departamento de Saúde e Segurança do Trabalho (DSST), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), constatou problemas trabalhistas na UHE Santo Antônio, em março de 2009. A obra é tocada pelo consórcio Santo Antônio Energia, composto por empresas como Odebrecht, Andrade Gutierrez, Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Furnas Centrais Elétricas, além de sócios quotistas como o Banco Santander.
Na ocasião, auditores emitiram 48 autos de infração por conta das irregularidades nas obras de Santo Antônio - entre elas, a terceirização ilícita. "Cerca de 100 trabalhadores prestavam serviços e foram considerados como terceirização ilícita", acrescenta o auditor fiscal do trabalho Carlos Paixão, coordenador do grupo especial na época.
Jirau
O grupo especial de infraestrutura do DSST lavrou 330 autos de infração nas obras da UHE de Jirau. A fiscalização interditou uma série de equipamentos que apresentavam riscos, como lanchas e balsas usadas na travessia do rio, veículos para transporte de explosivos e guindastes usados na elevação de cargas pesadas. A fiscalização também determinou a paralisação do corte da mata para a instalação da usina. O grupo do MTE passou dez dias no canteiro de obras. A visita será refeita em junho, para checar eventuais providências tomadas.
No ano passado, a situação encontrada pelos fiscais incluía um grupo de 38 pessoas em situação análoga à escravidão. Os trabalhadores foram libertados pela SRTE/RO e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em setembro do ano passado. As vítimas estavam trabalhando para a Construtora BS, que presta serviço à Energia Sustentável do Brasil (Enersus), consórcio responsável pela construção de Jirau formado por GDF Suez , Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul.
Foram aliciados em Parnarama (MA) por intermediários, que prometeram salários de até R$ 1,2 mil. Eles tiveram que arcar com os custos da viagem da cidade de origem até Sorriso (MT), onde a Construtora BS mantém sua sede. "Do Mato Grosso para Rondônia, a empresa arcou com o transporte. Porém, a irregularidade se deu na forma como os trabalhadores foram arregimentados e pelo fato deles terem que pagar o primeiro trecho da viagem", explica Francisco José Pinheiro Cruz, da Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região (PRT-14). Atraídos pelos ganhos, descobriram que receberiam salário mínimo e seriam submetidos a um regime de dívidas quando chegaram ao canteiro de obras.
A Repórter Brasil não conseguiu o contato da empresa V.P. São Paulo. A assessoria de imprensa do Consórcio Santo Antônio de Energia informou não ter o contato da empresa. Os empreendimentos no Rio Madeira compõem o rol de obras mais caras do PAC do governo federal e contam com financiamento público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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