sexta-feira, 5 de março de 2010
Folha e os direitos humanos
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Chico Villela
A Folha trilha com veemência o caminho da Veja, tomada pelo que Luis Nassif chama (alguns) de ‘jornalistas de esgoto’. Irmana-se assim ao grupo Globo na falsificação sistemática da informação em defesa de interesses, sempre identificados, de empresas e governos e candidatos, seus ou favoráveis ao império, ou do próprio império, como se registra na edição do dia 27/2/2010.
Cuba, Lula e direitos humanos
A visita de Lula a Cuba, marcada pelo seu comportamento dúbio ante a presença de presos políticos e dissidentes e a morte do preso de consciência Orlando Zapata Tamayo (que comentei e condenei um dia antes de essa imprensa grande reagir), agora vem sendo explorada ad nauseam, em harmonia com seus atos de falsificação jornalística que visam à campanha a presidente. A regra clara é: destruir Lula e o PT para destruir Dilma, principalmente agora que Dilma encostou em Serra e Aécio espera para decidir mais tarde, de olho na desistência de Serra e na abertura de seu caminho para a candidatura, ocasião em que seria praticamente imbatível. A missão da Folha é facilitada por declarações oportunistas, como a do assessor internacional Marco Aurélio Garcia em Cuba, de que direitos humanos são problema em todo o mundo. São, claro, mas isso não pode servir de escudo a gestos de omissão.
Essa história, tudo indica que ficará em foco na Folha durante muito tempo: rende condenações e votos contra Lula, e na edição de hoje rendeu muitas páginas, editorial e matérias. Mas a debilidade reside em que a questão dos direitos humanos na Folha refere-se sempre aos adversários do império: para a Folha, há problemas de DH na China, na Rússia, no Irã, em Cuba, na Venezuela, em Mianmar, por aí. A questão da liberdade de imprensa, cara à Folha e aos senhores da Sociedade Interamericana de Imprensa, donos de reservas e monopólios dos meios, falsifica com lente grande a questão da Venezuela, por exemplo, ignorando que Chávez tem feito mais para democratizar a imprensa do que todos esses senhores ilustres juntos. Hoje, primeiro dia de março, esses senhores da grande imprensa fazem reunião e festa com seus promotores, agentes e servos remunerados em São Paulo, sob as asas do suspeito Instituto Millenium.
Aliados fascistas e os DH
A julgar pelo noticiário e análises da Folha, que, insista-se, reproduz poucos meios dos EUA e uma e outra imprensa britânica, nos EUA, não há problemas de direitos humanos. Nem no Egito, aliado dos EUA e governado pelo ditador retrógrado e torturador (veja uma mostra rápida de alguns deles) que caminha para seus trinta anos de tirania e promete fazer do filho o sucessor, criando uma dinastia familiar, como na ditadura de Cuba; na Colômbia, domínio de traficantes (veja e baixe a biografia do presidente-traficante) e tropas paramilitares e, ao lado do México, principal aliado estratégico dos EUA na América Latina; na Arábia Saudita, reino muçulmano ditatorial da corrente sunita, a mais repressiva do islã; em Israel, que joga hoje o jogo apoiado pelos EUA de tratar os palestinos como foram tratados pelo regime nazista, como se vê neste ensaio fotográfico (até a linguagem vai se aproximando); na Georgia, que aboliu a liberdade de imprensa sem que os leitores da Folha sequer tomassem conhecimento; na Índia, aliada estratégica dos EUA, que adota sistemas sociais de castas de cores pré-medievais e acumula problemas de DH de toda ordem; no Uzbequistão, outro aliado estratégico dos EUA, embora pendular e chantagista, que adotava até há pouco a técnica inquisitorial de fritar em óleo fervente prisioneiros enviados pela CIA; todos, sem exceção, aliados do império e modelos de drásticas violações de DH nunca noticiados pela Folha.
Direitos humanos nos EUA
Problemas de DH nos EUA? Na pátria da democracia? Após os atentados false flag em 2001, o instituto jurídico do habeas corpus foi abolido pela lei mais fascista já aprovada num país ocidental após o fim da Segunda Guerra, o Patriot Act do regime Cheney-Bush. O habeas corpus tem uma história de cerca de 800 anos, desde o século XIII, com destaque para sua fixação no território que hoje é ocupado pelo Reino Unido na ilha inglesa. Espalhou-se, vingou, e é reconhecido pela maior parte dos países. Mas nunca vi a Folha referir-se ao fato de o instituto do habeas corpus ter sido abolido nos EUA a partir do Patriot Act de 2001.
Nem ao fato de a violação ilegal e inconstitucional do sigilo de correspondência, e-mail e telefone ter operado e ainda operar no país, sob o governo de democratas. Um país em que os dados pessoais e da obra, de um leitor que a retira em biblioteca, mesmo de universidades, terem de ser compulsoriamente informados à polícia política não é, definitivamente, uma democracia. E que há mais de 100 mil cidadãos (dados de 8 meses atrás) proibidos de viajar em aviões? Quantos leitores da Folha conhecem esses fatos pelas páginas do jornal?
O direito à defesa nos EUA também desapareceu, como se pode ver em outro artigo deste blog e no site referido. A organização e operação de centros de tortura, exaustivamente documentada na imprensa livre mundial, e que continua sob BHObama, sempre foi ignorada pela Folha. A morte sob torturas de três jovens em Guantánamo, na mesma manhã de junho de 2009, foi ignorada pela Folha e pela imprensa dos EUA, que a Folha reproduz e copia, com destaque para seu conveniado The New York Times. Da mesma forma, a construção pela Halliburton de cerca de 600 centros de detenção equipados com áreas de eliminação física de dissidentes (são tantos os sites que remeto o leitor ao menu), em vários pontos, sempre isolados e afastados de centros urbanos, no território dos EUA, sempre foi assunto tabu para a Folha.
E a Folha, que celebra a questão, obscena e condenável, dos prisioneiros políticos de Cuba, nem sequer noticiou o assassinato da principal ativista contra os golpistas de Honduras, com aspecto de obra de profissionais. As notícias dão conta de que sua morte levou marca registrada do serviço de inteligência israelense, que assessora os gorilas hondurenhos, apelido revivido pelos militares locais dependentes do Pentágono e de especialistas israelenses em morte de dissidentes. Assuntos tabus para a Folha são aqueles não noticiados pela grande mídia associada dos EUA. Pobre jornal.
Diplomacia ou corretagem?
A Folha faz parecer natural, e não um ato de escândalo digno de um governo Arruda, um alto funcionário diplomático em missão oficial de governo dos EUA dirigir-se ao Brasil para vender produtos de suas empresas. Na página A10 de hoje, a manchete é: “EUA dão última cartada para vender caças”. A foto e legenda que ilustram a reportagem são de “William Burns, subsecretário para Assuntos Políticos dos EUA”, que tenta chantagear o Brasil com a afirmação de que a compra de seus Boeing facilitaria a negociação para a compra de 200 SuperTucanos da Embraer pela Marinha.
Ao repórter sua voz: “[...] o recado foi enviado de forma diplomática e discreta, pela delegação que prepara a visita na semana que vem da secretária de Estado, Hillary Clinton, a Brasília. O subsecretário [...] esteve ontem com o ministro Nelson Jobim (Defesa)”. Desconheço o que a Folha pensa sobre discrição. A reportagem não esclarece a diferença fundamental entre as propostas: os EUA não transferem tecnologia, querem ser eternos fornecedores; os outros proponentes, Suécia e França, transferem tecnologia, oferecem assessoria, compartem futuros projetos, configuram novas alianças armadas estratégicas, ao largo do poder imperial, e isso se inclui nos preços.
Os EUA recentemente vetaram a venda de aviões da Embraer brasileira à Venezuela: para o império, os aviões têm “componentes euamericanos”, e esse fato não garantiiria a reposição ao país inimigo. O nome disso nos meios de bandidos etraficantes é chantagem, mas, para a “diplomacia do império” e para a imprensa que a apóia, é apenas tema corriqueiro de noticiário.
Essa mistura de negócios com diplomacia sempre foi, por mais de um século, marca registrada do império, e, para eles, é postura aceita, tanto quanto o Pentágono abrigar conselheiros sobre ciência e tecnologia avançadas que são representantes de empresas. Para os EUA, e para a Folha, isso é o dia-a-dia. Anormal, para a Folha, é Lula apoiar a legítima aspiração do Irã de dominar o ciclo nuclear, tanto quanto o Brasil vem fazendo, e em que já se encontra bastante adiantado, com desenvolvimento de tecnologia própria.
Diferenças e semelhanças
Israel detém tecnologia nuclear, abriga cerca de (estimativas nesse campo são variadas e difíceis, mas há aproximações) de um mínimo de 200 artefatos aptos a explodir. Desenvolveram sua tecnologia com assistência dos EUA. É um país amigo.
O Irã a duras penas vem tentando dominar o ciclo nuclear. É membro do Acordo contra a Proliferação de Armas Nucleares, patrocinado pela desacreditada ONU. EUA e Israel nunca foram membros do Acordo. Mas essa realidade não impede que há anos o Irã venha sendo chantageado e ameaçado por sua “pretensão em ter a bomba”. O Irã não é um país amigo, nem dos EUA, nem da Folha.
O Brasil adotou, finalmente, postura de dignidade e clareza nesta e noutras questões. Mas a visita oficial da esposa traída, pela agente do Mossad Monica Lewinski, do ex-presidente Clinton é abordada pela Folha sob ângulo diferenciado. Na sua página A4 da edição de hoje, sob a manchete arrogante “EUA vêem ‘erro’ em apoio do Brasil ao Irã e elevam pressão”, com foto de aperto de mãos empilhadas de Lula e Ahmadinejad, a Folha lista os pontos de “controvérsia”:
1. Caças. Veja o comentário acima, com o adendo da Folha de que a secretária Hillary Clinton também se empenhará na venda dos seus caças.
2. Bases na Colômbia. A cândida Folha anota: “EUA e Colômbia expandiram seu acordo militar, elevando o contingente americano no país. O Brasil pediu garantias e reclamou da reativação da Quarta Frota que, segundo Lula, alcança o pré-sal”. O império de bases, que tem nas sete bases colombianas mais um pequeno capítulo, e definição perfeita para o atual império em decadência, jamais foi abordado pela Folha, nem sequer em seu dominical ‘caderno de análises’ Mais!.
3. Honduras. O texto do verbete é um primor de desinformação: “De mãos atadas após o ‘abrigo’ ao presidente deposto Manuael Zelaya em sua embaixada, o Brasil pediu ajuda aos EUA para, depois ,discordar da solução apontada: acatar as eleições”.
Sem comentários: nada disso é verdadeiro. Os EUA espernearam, plantaram críticas em muitas mídias, mas o Brasil manteve o asilo; e deixou a embaixada, sob supervisão de diplomata, nas mãos dos asilados, que tiveram apoio de muitos populares que se transferiram para lá. A Folha deveria ter vergonha de suas afirmações: chegou a manter um repórter, dentro da embaixada, que forneceu relatos, de elevada dignidade humana, sobre os asilados e o seu próprio papel; e, agora, escreve esse lixo editorial.
4. Irã. O texto é claro na denúncia da ilegalidade absoluta e da prepotência do império: “Lula recebeu o presidente Mahmoud Ahmadinejad e deu apoio a um programa nuclear com fins pacíficos. Os EUA acusam o Irã de buscar armas e articulam novas sanções ao país”. O Irã é acusado, segundo a Folha e os EUA, de buscar armas. Israel já as tem, centenas. Mas o Irã não pode buscar essas armas. Mais claro, impossível. Lembra o caso do Iraque, que poderia ter armas de destruição em massa. Como disse em blog anterior, cuidado com o ímpeto de esfaquear seu vizinho, que poderia vir a ameaçá-lo um dia. A teoria da “guerra preventiva”, herança dos neocons fascistas da era Cheney-Bush, mantém-se como doutrina estratégica do inerme governo BHObama. A Folha ecoa.
5. Algodão. O Brasil ganhou direito na OMC de usar 830 milhões de dólares em retaliação contra subsídios ilegais dos EUA. Sugiro mandar os EUA transferirem os recursos ao Haiti. Desde que se retirem, e retirem também do país seus 20 mil soldados armados até os cotovelos. O Haiti, assunto do item 6, não cabe neste espaço: o império exacerbou sua loucura e exagerou na dose.
Mas a Folha é insuperável. Na mesma página A4 em que esses temas se alinham, e da qual me abstenho de comentar a barafunda jornalística do texto da matéria, há um pé de página em que o enviado especial dos EUA , citado ao início deste texto, fala sobre os direitos humanos: “É preciso ser direto sobre abuso, afirma americano”. O box do artigo foi entregue ao fantasma FHC. Serra despenca serra abaixo, e é preciso ressucitar até mesmo o viajante FHC (claro: com Serra ameaçado por Dilma, é preciso dar a palavra ao PSDB, e até mesmo ao caquético FHC). Que, até agora, não se manifestou contra a proibição da marcha do orégano em São Paulo. Logo ele, que vem fazendo esforços até pessoais pela causa!
(Chico Villela)
Em tempo: durante a maior parte dos eventos sociais do terremoto do Haiti, a imprensa dos EUA sempre privilegiou a questão da propriedade e focou saques e destruição, ignorando os milhões de gestos sociais de solidariedade. A Folha de hoje, 1º de março, dia da reunião celebratória dos seus pares em São Paulo, traz manchete repugnante: “Chile põe Exército nas ruas contra saques”. Além de foto de quase meia página, de três saqueadores dentro de um centro de compras semidestruído. Como se tudo se resumisse a colocar tropas contra saqueadores, perante mais de 1 milhão de pessoas em necessidade de sobrevivência e em desdobrados gestos de clemência e compaixão.
A grande imprensa é exemplar, sempre. Num momento em que se celebra, e o povo vivo celebra, a solidariedade, a salvação e o abrigo de vizinhos e pessoas em necessidade, milhares de demonstrações de solidariedade e desprendimento, e até mesmo os esforços do governo Bachelet de socorrer as populações com pelo menos água e comida, a imundície da Folha se revela em sua primeira página. O sentimento único possível é de nojo. Nassif tem razão: os empresários e jornalistas de esgoto estão à solta.
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