Lido pelo Chanceler Celso Amorim.
“Minhas senhoras e meus senhores,
Em primeiro lugar, agradeço o prêmio “Estadista Global” que vocês
estão me concedendo.
Nos últimos meses, tenho recebido alguns dos prêmios e títulos mais
importantes da minha vida.
Com toda sinceridade, sei que não é exatamente a mim que estão
premiando – mas ao Brasil e ao esforço do povo brasileiro. Isso me
deixa ainda mais feliz e honrado.
Recebo este prêmio, portanto, em nome do Brasil e do povo do meu país.
Este prêmio nos alegra, mas, especialmente, nos alerta para a grande
responsabilidade que temos.
Ele aumenta minha responsabilidade como governante, e a
responsabilidade do meu país como ator cada vez mais ativo e presente
no cenário mundial.
Tenho visto, em várias publicações internacionais, que o Brasil está
na moda. Permitam-me dizer que se trata de um termo simpático, porém
inapropriado.
O modismo é coisa fugaz, passageira. E o Brasil quer e será ator
permanente no cenário do novo mundo.
O Brasil, porém, não quer ser um destaque novo em um mundo velho. A
voz brasileira quer proclamar, em alto e bom som, que é possível
construir um mundo novo.
O Brasil quer ajudar a construir este novo mundo, que todos nós
sabemos, não apenas é possível,mas dramaticamente necessário, como
ficou claro, na recente crise financeira internacional – mesmo para os
que não gostam de mudanças.
Meus senhores e minhas senhoras,
O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de
sete anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos.
Naquela época, sentíamos que o mundo nos olhava mais com dúvida do que
esperança. O mundo temia pelo futuro do Brasil, porque não sabia o
rumo exato que nosso país tomaria sob a liderança de um operário, sem
diploma universitário, nascido politicamente no seio da esquerda
sindical.
Meu olhar para o mundo, na época, era o contrário do que o mundo tinha
para o Brasil. Eu acreditava, que assim como o Brasil estava mudando,
o mundo também pudesse mudar.
No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria
trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais,
aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e
promover, ativamente, os direitos humanos.
Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das
instituições internacionais de crédito e buscar uma inserção mais
ativa e soberana na comunidade das nações.
Frisei, entre outras coisas, a necessidade de construção de uma nova
ordem econômica internacional, mais justa e democrática.
E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas um ato
de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência
política.
Ponderei ainda que a paz não era só um objetivo moral, mas um
imperativo de racionalidade. E que não bastava apenas proclamar os
valores do humanismo. Era necessário fazer com que eles prevalecessem,
verdadeiramente, nas relações entre os países e os povos.
Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e,
mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com
todas as dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu.
Neste período, 31 milhões de brasileiros entraram na classe média e 20
milhões saíram do estágio de pobreza absoluta. Pagamos toda nossa
dívida externa e hoje, em lugar de sermos devedores, somos credores do
FMI.
Nossas reservas internacionais pularam de 38 bilhões para cerca de 240
bilhões de dólares. Temos fronteiras com 10 países e não nos
envolvemos em um só conflito com nossos vizinhos. Diminuímos,
consideravelmente, as agressões ao meio ambiente. Temos e estamos
consolidando uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e
estamos caminhando para nos tornar a quinta economia mundial.
Posso dizer, com humildade e realismo, que ainda precisamos avançar
muito. Mas ninguém pode negar que o Brasil melhorou.
O fato é que Brasil não apenas venceu o desafio de crescer
economicamente e incluir socialmente, como provou, aos céticos, que a
melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza.
Historicamente, quase todos governantes brasileiros governaram apenas
para um terço da população. Para eles, o resto era peso, estorvo,
carga.
Falavam em arrumar a casa. Mas como é possível arrumar um país
deixando dois terços de sua população fora dos benefícios do progresso
e da civilização?
Alguma casa fica de pé, se o pai e a mãe relegam ao abandono os filhos
mais fracos, e concentram toda atenção nos filhos mais fortes e mais
bem aquinhoados pela sorte?
É claro que não. Uma casa assim será uma casa frágil, dividida pelo
ressentimento e pela insegurança, onde os irmãos se vêem como inimigos
e não como membros da mesma família.
Nós concluímos o contrário: que só havia sentido em governar, se fosse
governar para todos. E mostramos que aquilo que, tradicionalmente, era
considerado estorvo, era, na verdade, força, reserva, energia para
crescer.
Incorporar os mais fracos e os mais necessitados à economia e às
políticas públicas não era apenas algo moralmente correto. Era,
também, politicamente indispensável e economicamente acertado. Porque
só arrumam a casa, o pai e a mãe que olham para todos, não deixam que
os mais fortes esbulhem os mais fracos, nem aceitam que os mais fracos
conformem-se com a submissão e com a injustiça. Uma casa só é forte
quando é de todos – e nela todos encontram abrigo, oportunidades e
esperanças.
Por isso, apostamos na ampliação do mercado interno e no
aproveitamento de todas as nossas potencialidades. Hoje, há mais
Brasil para mais brasileiros. Com isso, fortalecemos a economia,
ampliamos a qualidade de vida do nosso povo, reforçamos a democracia,
aumentamos nossa auto-estima e amplificamos nossa voz no mundo.
Minhas senhoras e meus senhores,
O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o
mundo, igual ao Brasil, também melhorou?
Não faço esta pergunta com soberba. Nem para provocar comparações
vantajosas em favor do Brasil.
Faço esta pergunta com humildade, como cidadão do mundo, que tem sua
parcela de responsabilidade no que sucedeu – e no que possa vir a
suceder com a humanidade e com o nosso planeta.
Pergunto: podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou
no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos,
das tragédias e da pobreza?
Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo
de respeito ao ser humano e ao meio ambiente?
Podemos dizer que interrompeu a marcha da insensatez, que tantas vezes
parece nos encaminhar para o abismo social, para o abismo ambiental,
para o abismo político e para o abismo moral?
Posso imaginar a resposta sincera que sai do coração de cada um de
vocês, porque sinto a mesma perplexidade e a mesma frustração com o
mundo em que vivemos.
E nós todos, sem exceção, temos uma parcela de responsabilidade nisso tudo.
Nos últimos anos, continuamos sacudidos por guerras absurdas.
Continuamos destruindo o meio-ambiente. Continuamos assistindo, com
compaixão hipócrita, a miséria e a morte assumirem proporções
dantescas na África. Continuamos vendo, passivamente, aumentar os
campos de refugiados pelo mundo afora.
E vimos, com susto e medo, mas sem que a lição tenha sido corretamente
aprendida, para onde a especulação financeira pode nos levar.
Sim, porque continuam muitos dos terríveis efeitos da crise financeira
internacional, e não vemos nenhum sinal, mais concreto, de que esta
crise tenha servido para que repensássemos a ordem econômica mundial,
seus métodos, sua pobre ética e seus processos anacrônicos.
Pergunto: quantas crises serão necessárias para mudarmos de atitude?
Quantas hecatombes financeiras teremos condições de suportar até que
decidamos fazer o óbvio e o mais correto?
Quantos graus de aquecimento global, quanto degelo, quanto
desmatamento e desequilíbrios ecológicos serão necessários para que
tomemos a firme decisão de salvar o planeta?
Meus senhores e minhas senhoras,
Vendo os efeitos pavorosos da tragédia do Haiti, também pergunto:
quantos Haitis serão necessários para que deixemos de buscar remédios
tardios e soluções improvisadas, ao calor do remorso?
Todos nós sabemos que a tragédia do Haiti foi causada por dois tipos
de terremotos: o que sacudiu Porto Príncipe, no início deste mês, com
a força de 30 bombas atômicas, e o outro, lento e silencioso, que vem
corroendo suas entranhas há alguns séculos.
Para este outro terremoto, o mundo fechou os olhos e os ouvidos. Como
continua de olhos e ouvidos fechados para o terremoto silencioso que
destrói comunidades inteiras na África, na Ásia, na Europa Oriental e
nos países mais pobres das Américas.
Será necessário que o terremoto social traga seu epicentro para as
grandes metrópoles européias e norte-americanas para que possamos
tomar soluções mais definitivas?
Um antigo presidente brasileiro dizia, do alto de sua aristocrática
arrogância, que a questão social era uma questão de polícia.
Será que não é isso que, de forma sutil e sofisticada, muitos países
ricos dizem até hoje, quando perseguem, reprimem e discriminam os
imigrantes, quando insistem num jogo em que tantos perdem e só poucos
ganham?
Por que não fazermos um jogo em que todos possam ganhar, mesmo que em
quantidades diversas, mas que ninguém perca no essencial?
O que existe de impossível nisso? Por que não caminharmos nessa
direção, de forma consciente e deliberada e não empurrados por crises,
por guerras e por tragédias? Será que a humanidade só pode aprender
pelo caminho do sofrimento e do rugir de forças descontroladas?
Outro mundo e outro caminho são possíveis. Basta que queiramos. E
precisamos fazer isso enquanto é tempo.
Meus senhores e minhas senhoras,
Gostaria de repetir que a melhor política de desenvolvimento é o
combate à pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz.
E aprendemos, no ano passado, que é também um poderoso escudo contra
crise.
Esta lição que o Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo,
rica ou pobre.
Isso significa ampliar oportunidades, aumentar a produtividade,
ampliar mercado e fortalecer a economia. Isso significa mudar as
mentalidades e as relações. Isso significa criar fábricas de emprego e
de cidadania.
Só fomos bem sucedidos nessas tarefas porque recuperamos o papel do
Estado como indutor do desenvolvimento e não nos deixamos aprisionar
em armadilhas teóricas – ou políticas – equivocadas sobre o verdadeiro
papel do estado.
Nos últimos sete anos, o Brasil criou quase 12 milhões de empregos
formais. Em 2009, quando a maioria dos países viu diminuir os postos
de trabalhos, tivemos um saldo positivo de cerca de um milhão de novos
empregos.
O Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos
primeiros a sair. Por que? Porque tínhamos reorganizado a economia com
fundamentos sólidos, com base no crescimento, na estabilidade, na
produtividade, num sistema financeiro saudável, no acesso ao crédito e
na inclusão social.
E quando os efeitos da crise começaram a nos alcançar, reforçamos, sem
titubear, os fundamentos do nosso modelo e demos ênfase à ampliação do
crédito, à redução de impostos e ao estímulo do consumo.
Na crise ficou provado, mais uma vez, que são os pequenos que estão
construindo a economia de gigante do Brasil.
Este talvez seja o principal motivo do sucesso do Brasil: acreditar e
apoiar o povo, os mais fracos e os pequenos. Na verdade, não estamos
inventando a roda. Foi com esta força motriz que Roosevelt recuperou a
economia americana depois da grande crise de 1929. E foi com ela que o
Brasil venceu preventivamente a última crise internacional.
Mas, nos últimos sete anos, nunca agimos de forma improvisada. A gente
sabia para onde queria caminhar. Organizamos a economia sem bravatas e
sem sustos, mas com um foco muito claro: crescer com estabilidade e
com inclusão.
Implantamos o maior programa de transferência de renda do mundo, o
Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 12 milhões de famílias. E
lançamos, ao mesmo tempo, o Programa de Aceleração do Crescimento, o
PAC, maior conjunto de obras simultâneas nas áreas de infra-estrutura
e logística da história do país, no qual já foram investidos 213
bilhões de dólares e que alcançará, no final do ano de 2010, um
montante de 343 bilhões.
Volto ao ponto central: estivemos sempre atentos às politicas
macro-econômicas, mas jamais nos limitamos às grandes linhas. Tivemos
a obsessão de destravar a máquina da economia, sempre olhando para os
mais necessitados, aumentando o poder de compra e o acesso ao crédito
da maioria dos brasileiros.
Criamos, por exemplo, grandes programas de infra-estrutura social
voltados exclusivamente para as camadas mais pobres. É o caso do
programa Luz para Todos, que levou energia elétrica, no campo, para 12
milhões de pessoas e se mostrou um grande propulsor de bem estar e um
forte ativador da economia.
Por exemplo: para levar energia elétrica a 2 milhões e 200 mil
residências rurais, utilizamos 906 mil quilômetros de cabo, o
suficiente para dar 21 voltas em torno do planeta Terra. Em
contrapartida, estas famílias que passaram a ter energia elétrica em
suas casas, compraram 1,5 milhão de televisores, 1,4 milhão de
geladeiras e quantidades enormes de outros equipamentos.
As diversas linhas de microcrédito que criamos, seja para a produção,
seja para o consumo, tiveram igualmente grande efeito multiplicador. E
ensinaram aos capitalistas brasileiros que não existe capitalismo sem
crédito.
Para que vocês tenham uma idéia, apenas com a modalidade de “crédito
consignado”, que tem como garantia o contracheque dos trabalhadores e
aposentados, chegamos a fazer girar na economia mais 100 bilhões de
reais por mês. As pessoas tomam empréstimos de 50 dólares, 80 dólares
para comprar roupas, material escolar, etc, e isto ajuda ativar
profundamente a economia.
Minhas senhoras e meus senhores,
Os desafios enfrentados, agora, pelo mundo são muito maiores do que os
enfrentados pelo Brasil.
Com mudanças de prioridades e rearranjos de modelos, o governo
brasileiro está conseguindo impor um novo ritmo de desenvolvimento ao
nosso país.
O mundo, porém, necessita de mudanças mais profundas e mais complexas.
E elas ficarão ainda mais difíceis quanto mais tempo deixarmos passar
e quanto mais oportunidades jogarmos fora.
O encontro do clima, em Copenhague, é um exemplo disso. Ali a
humanidade perdeu uma grande oportunidade de avançar, com rapidez, em
defesa do meio-ambiente.
Por isso cobramos que cheguemos com o espírito desarmado, no próximo
encontro, no México, e que encontremos saídas concretas para o grave
problema do aquecimento global.
A crise financeira também mostrou que é preciso uma mudança profunda
na ordem econômica, que privilegie a produção e não a especulação.
Um modelo, como todos sabem, onde o sistema financeiro esteja a
serviço do setor produtivo e onde haja regulações claras para evitar
riscos absurdos e excessivos.
Mas tudo isso são sintomas de uma crise mais profunda, e da
necessidade de o mundo encontrar um novo caminho, livre dos velhos
modelos e das velhas ideologias.
É hora de re-inventarmos o mundo e suas instituições. Por que ficarmos
atrelados a modelos gestados em tempos e realidades tão diversas das
que vivemos? O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de
sonhar.
Não podemos retardar soluções que apontam para uma melhor governança
mundial, onde governos e nações trabalhem em favor de toda a
humanidade.
Precisamos de um novo papel para os governos. E digo que,
paradoxalmente, este novo papel é o mais antigo deles: é a recuperação
do papel de governar.
Nós fomos eleitos para governar e temos que governar. Mas temos que
governar com criatividade e justiça. E fazer isso já, antes que seja
tarde.
Não sou apocalíptico, nem estou anunciando o fim do mundo. Estou
lançando um brado de otimismo. E dizendo que, mais que nunca, temos
nossos destinos em nossas mãos.
E toda vez que mãos humanas misturam sonho, criatividade, amor,
coragem e justiça elas conseguem realizar a tarefa divina de construir
um novo mundo e uma nova humanidade.
Muito obrigado.”
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