quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Sobre o romance 'Roliúde':
Ouvindo a crítica ao vivo
Pedro Rodrigues/Vetor Cultural
Cássio Cavalcante, da UBE, HF, Luiz Carlos e Cristhiano
Cristhiano Aguiar:
(Escritor, crítico e mestrando em Teoria da Literatura (UFPE), editor da revista Crispim).
Sobre o romance 'Roliúde':
1) A pertinência de refazer a história através da vida das camadas populares: a literatura nos faz viver os dramas humanos de maneira mais próxima do que a maior parte das modalidades de historiografia, portanto é interessante ver como Bibiu é um personagem do povo que revela como sentiu as transformações na sociedade brasileira nos processos de modernização do século XX;
2) Roliúde reafirma a validade de contar histórias e nos lembra que não existe apenas um tipo de memória, porém memórias (equivalentes às tantas dicções sociais possíveis);
3) A boa ideia de cruzar cultura popular e cultura de massa e mostrar que a primeira é maleável e dialoga com a segunda;
4) A importância de afirmar que Roliúde, assim como Galiléia, ou Dois Irmãos, não é regionalista, a não ser que se entenda regionalista como sinônimo de "romance de imaginário rural". Um conceito mais preciso de regionalismo implica em dizer que ele trata-se de um projeto estético e ideológico que vincula uma determinada região do país como componente fundamental da "alma nacional". Não me parece o caso de nenhum dos romances citados.
Sobre 'A Vida É Fêmea', contos:
1 - A vida é fêmea – Uma grata surpresa, pois só conhecia os textos jornalísticos e o romance Roliúde. Contudo, não posso deixar de ser sincero e afirmar que é um livro que indica um processo de maturidade, que já se encontra bem resolvido em Roliúde e certamente alcançará um maior amarração no próximo livro de Homero. Ler o trecho destacado na página 53.
2 - O caráter investigativo da obra de Homero – A vida é fêmea parece ser movido pelo mesmo impulso investigavo de outros livros de Homero. Assim como os livros de não ficção Pernambucania e Viagem ao planeta dos boatos, a ficção de Homero Fonseca partilha desta vontade investigativa. Em Roliúde, temos, por exemplo, a investigação dos impactos da modernização do Brasil na primeira metade do século XX e os seus impactos na cultura popular; no caso de A vida é fêmea, a investigação dos meandros da alma feminina e do feminino, mas a partir de um prisma peculiar.
3 - Lipovetsky e Luc Ferry – Que prisma seria esse? O fim daquilo que os dois filósofos franceses chamam de Era Sacrificial. Nos livros O homem-Deus e A era do vazio, ambos explicam que o nosso individualismo, que parece ser a marca do tempo contemporâneo, implica que não estamos mais dispostos a abrir mão de nós mesmos em prol de ideais tais como A Razão, Deus, A Nação. Isto parece bem ilustrado nas personagens de Homero, cuja tônica é justamente a investigação do feminino a partir da liberação contemporânea do desejo sem culpas. Este contexto permite também escancarar o feminino que atravessa as masculinidades. Veja, por exemplo, um dos melhores contos do livro, Da arte de ser mulher, no qual há uma ambiguidade sobre o gênero do narrador que só se revela ao final da narrativa.
4 - Sexo – É por esta investigação de vidas no fim da Era Sacrificial, que temos a tônica do sexo, revelado em suas ambiguidades e conflitos. No conto Lilás, por exemplo, temos uma personagem em conflito para abandonar a culpa da Era sacrificial e exercer a sua plena sexualidade: p.67. Neste sentido é que o caráter investigativo da literatura de Homero nos revela o sexo em tórridos detalhes, inscrevendo o livro na tradição da literatura pornográfica (linguagem que se contenta com o corpo enquanto limite) e erótica: é o exercício do corpo que nos dá uma mostra da reescritura das identidades, neste início de século XXI, e a intenção de revelar esta transformação em sua intimidade é o que justifica o uso da segunda pessoa, no lugar das tradicionais primeira, ou terceira.
Luiz Carlos Monteiro:
(Graduado em Letras, mestre em Teoria da Literatura pela UFPE, poeta, ensaísta e crítico literário.)
Sobre 'A Vida É Fêmea':
Título
1)Afirmativo, centrado no presente;
2)irônico, pelo óbvio que indica (todos nasceram e nascem de fêmeas)
3)traduz exatamente o que o autor quis expressar: o presente diferenciado que caracteriza a transitação feminina no mundo urbano, a desenvoltura que cada vez mais as mulheres externam.
Tipo de narrativa
a)Contos que podem ser lidos de modo independente uns dos outros, a depender da escolha do leitor;
b)podem ser lidos também numa sequência normal, linear e lógica de leitura;
c)quando juntos em bloco, sugerem certa unidade temática que os amarra entre si, tendo a mulher como eixo central;
d)monotemáticos, cujos desfechos (ou a falta deles, que incomoda e desconcerta o leitor) vão se acumulando até formar um todo que espelha a complexidade narrativa que os norteia e identifica em algo maior. Pode-se pensar em “romance disfarçado” ou “novela dissimulada” num corpo de narrativas breves.
Diálogos, personagens
a)Todo o exterior é captado pelos diálogos entre mulheres e homens, embutidos em meio ao desenrolar da prosa; os diálogos pouco se interrompem e aparecem internamente aos parágrafos;
b)os diálogos se processam com a rapidez dos nossos dias, urgentes como a pressa da vida urbana; e se transformam posteriormente no Grande Diálogo que une os textos, estabelecendo seu sentido narrativo comum e acumulado; são unidos também pelo fio temático que contempla a condição feminina a se afirmar num mundo hostil, machista e preconceituoso
c)b) o narrador flagra, sem piedade, o homem e a mulher do jeito que eles são: entre o glamour e as fraquezas e fragilidades inerentes a eles, entre a aparência imperativa e segura que externam e a precariedade dos defeitos e misérias aflorantes.
d)Os personagens têm nomes eventuais, ocasionais e soltos em cada narrativa breve, que às vezes se entrecruzam em textos anteriores ou posteriores;
e)há narrativas em que os personagens podem aparecer inominados;
f)o narrador está ocultado e dirige-se principalmente a um “Você”, eliminando toda possibilidade de figuração dos textos em primeira pessoa;
g)o ficcionista se distancia de sua criatura mulher, ao mesmo tempo que expõe, analisa, disseca e desvenda as intimidades de sua personagem, que é uma e todas as mulheres, que é a mulher na busca de emancipação sexual e profissional, efeito que se multiplica e se estende a todas as mulheres;
h)no cenário essencialmente urbano do livro, as relações entre homens e mulheres se elastecem, fazendo crescer as possibilidades dos encontros agendados ou fugazes e dos espetáculos noturnos que as cidades oferecem; em tal cenário urbano proliferam os objetos externos da civilização e da cultura, da ostentação e do consumismo em lugares como casas, bares, aeroportos, cinemas;
i)a mulher assume facetas diversificadas e ramificações sensuais de sua persona, a depender do parceiro com o qual se envolve – desde o taxista que estuda Belas Artes ao cientista famosos e agressivo; do triângulo amoroso formado com dois amigos próximos ao marido que, ao reconhecer que faz o papel de “Amélia” na relação, rompe o casamento; do executivo que a assedia no local de trabalho ao conde aventureiro e imaginário na Londres de fins do século XVIII.
Arremate - O mundo urbano objetivo e veloz da vida contemporânea explicita e recupera o intimismo franco, liberado e sensual da mulher (ou das diversas mulheres) que atravessam as narrativas (que também podem se expandir numa só narrativa). É nos meandros desse mundo ramificado, despersonalizado e competitivo que se realiza a eficácia e o alcance do texto de A vida é fêmea.
Sobre 'Roliúde':
1)Roliúde é um grande tributo à arte de contar histórias, ao desempenho da fala e da linguagem popular, à conversação e à dicção destrambelhada do mundo aventureiro,representado no romance por Biibiu.
2)O personagem de Homero difere, por exemplo, na forma de expor a linguagem popular, do personagem Leonardo de Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, publicado em folhetim entre 1852 e 53.
3)Leonardo é levado também pelas circunstâncias, pelas situações inesperadas, embora não tenha a locução encantatória e desenfreada de Bibiu. Ambos são malandros, mas o malandro do século XIX é mais calado, ladino, inescrupuloso, apesar de viver na pele ambígua do herói que respeita as regras e leis do regime monárquico. Contudo, está sempre em confronto com tais injunções, voluntariamente ou não, no Rio de Janeiro daquela época.
4)Roliúde, apesar de situar-se mais frequentemente em cidades pernambucanas, é um romance que fala sobre várias cidades e países do mundo. Existem numerosas referências a fatos e acontecimentos históricos que o texto lembra e expõe.
5)Os fatos chegam vivos, dinâmicos, como se estivessem acontecendo no presente. Isso tudo é mérito da fala de Bibiu, que é capaz de dar nova dimensão aos fatos, de modificá-los e transformá-los de acordo com sua visão e verve.
6)O ficcionista transmite voz a Bibiu através de uma dicção que revela o extraordinário da narrativa. Narrativa que mostra-se ampla sem esquecer o detalhe, que mostra um imenso painel de acontecimentos mundiais e ao mesmo tempo as emoções, desacertos e conquistas do personagem central. Tudo isso é elaborado a partir da contação de histórias de filmes hollywoodianos.
http://www.interblogs.com.br/homerofonseca/post.kmf?cod=8935735
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário