terça-feira, 8 de julho de 2008
Marcos Prado retrata a lucidez e a loucura em “Estamira”
Marcos Prado retrata a lucidez e a loucura em “Estamira”
27/07/2006
Neusa Barbosa
Já fazia seis anos que o fotógrafo carioca Marcos Prado se dedicava a um projeto de documentar o cotidiano do lixão do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ) quando se deparou com uma senhora contemplando a árida paisagem. Ao pedir para tirar o seu retrato, Prado ainda não fazia idéia de que ela se tornaria a protagonista de seu longa de estréia como diretor, o documentário Estamira, que leva o nome da mulher, sexagenária, que trabalhava no imenso lixão.
Apesar de ser uma pessoa difícil, que os próprios amigos no lixão descreviam como “bruxa de Gramacho”, e de sofrer de distúrbios mentais, a afinidade entre Estamira e o fotógrafo foi imediata. “Ela logo me convidou a sentar ao lado dela, me mostrou seu arroz, seu fogão. Ela cozinhava no lixo. E tinha aquele discurso fantástico. Eu só conseguia pensar: ‘Quem é essa pessoa?’”, conta Marcos, em entrevista exclusiva em São Paulo, no final de julho de 2006.
A figura carismática capaz de longos discursos sobre a vida num vocabulário todo próprio não saía da sua cabeça e Marcos voltou a procurar Estamira. Mas ela não estava no lixão. Tinha sido apedrejada, depois de denunciar um casal que roubava as lonas usadas como abrigo pelos velhinhos que viviam no lixão – uma das muitas violências que sofreu no local, que não tem segurança à noite. Procurando-a em casa, Marcos foi recebido com uma frase sintomática: “Tarda, mas não falha”. Depois, pediu autorização para fazer um filme da vida dela. “Eu já estava envolto na magia do verbo de Estamira”, confessa.
Foram quatro anos desde esse primeiro encontro (em 2000) e a conclusão do filme, que acumulou até agora 25 prêmios, no Brasil e no exterior – como o Grande Prêmio do Festival Internacional de Documentário de Marselha e o de melhor documentário no Festival de Karlovy Vary (República Tcheca), na Mostra Internacional de São Paulo e no Festival do Rio. Nesse período, foi estabelecida uma relação de confiança, que é nítida na maneira como Estamira se expõe para a câmera, revelando seu cotidiano no lixão, sua casa peculiar, repleta de objetos e gatos (tem 50) e sua tensa relação com os três filhos – um dos quais, evangélico, proclamando que o problema dela, na verdade, é estar “tomada pelo demônio”.
O diretor conta que vários terapeutas lhe disseram que o filme acabou sendo uma espécie de terapia involuntária para a mulher. Ele mesmo acredita que do processo resultou algum bem: “Ela deve estar melhor do que estava. Lembrou coisas que devem ser importantes para a reconstrução dela”.
Àqueles que acham que o diretor expôs demais sua personagem, ao mostrá-la em cenas de aberto conflito com o filho e escandalizando seu neto, o diretor rebate: “Refleti muito sobre os limites da ética e da intimidade. Mas pensei que, ao cortar certas cenas, eu iria estar mitificando a Estamira. Ela mesma foi a primeira a ver o filme pronto. E me disse que a decisão de cortar ou não qualquer coisa era mesmo minha. ´É a sua missão´, ela disse. Eu juntei esse quebra-cabeças como quis”.
O diretor acredita que, apesar de mostrar um universo com tantas situações fortes e tristes, seu filme tem uma mensagem positiva. “Apesar de tudo, ela é uma pessoa que se impõe. Apesar das adversidades, ela encara a vida de frente. Ela poderia ter se entregado”, pondera.
Atualmente, Estamira não vai mais ao lixão – que continua existindo, mesmo estando saturado, com riscos ecológicos -, toma remédios, ganhou peso e continua se tratando, por vontade própria. Uma vez por semana, vai sozinha a uma unidade de atendimento psiquiátrico. Lá, o filme despertou a admiração de pelo menos um médico, que se esforça para mostrá-lo aos demais. Prado também defende: “Está na hora de haver uma nova reforma psiquiátrica no Brasil”.
Outra mudança na vida de Prado é que Estamira se tornou um relacionamento permanente. “Nos falamos duas, três vezes por semana. Eu a levo ao meu médico, pago uma mesada a ela. Vou fazer uma casinha para ela. Nós a adotamos”.
Sócio do cineasta José Padilha na produtora Zazen, Prado não era, porém, estranho ao cinema. Havia produzido os filmes Carvoeiros (2000), de Nigel Noble, e o premiado Ônibus 174 (2002), de Padilha. Seu próximo trabalho no cinema é outra produção: Tropa de Elite, ficção dirigida novamente por José Padilha, sobre rapazes que entram para o temido Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
by marcos prado
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