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sábado, 15 de março de 2008

Karl Marx ainda não disse sua última palavra


Karl Marx ainda não disse sua última palavra

Jean Birnbaum

Por que continuar lendo Karl Marx (1818-1883), o autor de "O Capital"? Por causa da clareza formal dos seus textos, e da força do seu raciocínio, explica o filósofo e lingüista Jean-Claude Milner na entrevista a seguir.

Le Monde - Qual é o lugar que Marx e a sua obra ocupam no seu itinerário de pensamento?
Jean-Claude Milner - Em qual momento um estudioso resolve parar com a sua atitude de definir como único objetivo de repetir da melhor maneira possível o que já foi dito? Este momento, para mim, dependeu de Marx. A meta de escrever para si mesmo, e não para satisfazer às exigências acadêmicas, não é tão simples assim; se eu a alcancei de vez em quando - pouco importa que o resultado seja ou não digno de interesse -, foi em primeiro lugar graças a Marx.

Posteriormente, outros nomes tomaram o seu lugar, mas, no caso de Marx, foi uma prioridade, e continua sendo uma dívida para com ele. Não há dúvida de que o impulso inicial foi dado por Louis Althusser (1918-1990, filósofo marxista) foi decisiva, mas o meu interesse subseqüente se deve aos textos do próprio Marx. Eu não diria que eles me ensinaram a pensar, mas sim que eles me ensinaram que o pensamento consiste em abandonar as nossas próprias bagagens. Marx me ofereceu a oportunidade para a minha primeira "emigração filosófica". Se eu tivesse de resumir o que revelou ser mais importante e continua sendo até hoje, mencionaria o seguinte: quando o lemos como se deve, Marx nos torna especialmente sensíveis para o fato de que uma entidade não precisa mudar de natureza para operar efeitos opostos. Isso não se deve ao fato de a entidade se transformar no seu contrário; é justamente porque ela permanece idêntica a si mesma que os seus efeitos se invertem. A máquina, ao permanecer tal como ela é, pode acentuar a servidão ou gerar um princípio de liberdade. A burguesia não se torna diferente dela mesma entre o momento em que ela desencadeia as revoluções e o momento em que ela instala os conservadorismos. O capitalismo precisa ao mesmo tempo de que a mais-valia exista e que nenhum capitalista consiga compreender que ela existe.

REFERÊNCIAS

Nascido na Alemanha, em Trier (então sob domínio prussiana) em 1818, morto em 1883, em Londres, Karl Marx segue estudos de direito e de filosofia em Bonn e depois em Berlim, antes de tornar-se um jornalista cujas intervenções radicais causam escândalo. Depois de uma estada em Paris, em 1843-1845, ele encontra Friedrich Engels, com quem ele sempre continuará trabalhando direta ou indiretamente, e começa a modificar a sua maneira de abordar a filosofia, privilegiando a ação política revolucionária.

Após ter retornado a Colônia durante a insurreição de 1848, Marx se refugia em Londres, onde ele trabalha na elaboração das suas obras, sem nunca deixar de participar das lutas no quadro do movimento operário. Ele participa, entre outros, em 1864, da fundação da primeira Internacional.

Marx dedica-se a "derrubar a filosofia", destituindo-a da sua posição hegemônica em proveito da ação concreta dos trabalhadores em luta, mas sem deixar de lhe devolver a sua base material. O seu pensamento está fundamentado no materialismo histórico, que se distingue dos materialismos precedentes pelo fato de Marx levar em conta as relações de produção e de conflitos que elas engendram entre as classes sociais; e sobre a dialética, que ele emprestou de Hegel, mas que é "colocada na posição certa", isto é, aplicada ao mundo material e não apenas ao campo dos conceitos.

Esta obra complexa, evolutiva, inacabada, foi simplificada e transformada em dogma pela constituição do marxismo e pelo uso que dele fizeram os regimes comunistas. Sempre por ser descoberta, ela é constantemente objeto de julgamentos conflitantes.
Mais perto de nós, foi ao persistir em se inscrever numa mesma estrutura histórica que a Europa democrática produziu, em relação ao nome judeu, tanto a recusa do crime quanto a aceitação dos resultados do crime. Temos nisso um exemplo de reviravolta topológica da mesma ordem do que aquelas que Marx descreve e analisa. Ele recorria a uma linguagem hegeliana e à dialética. Mas isso não é nem um pouco necessário. Outras linguagens revelam-se, da mesma forma, adequadas: estou me referindo a Roman Jakobson ou a Michel Foucault. O que importa é que é preciso ter lido Marx para se dar conta disso.

Le Monde - Qual é o texto de Marx que mais o impressionou, e que mais lhe proporcionou ensinamento, e por quê?
Milner - Muitos foram os textos que me impressionaram, de uma maneira ou de outra. Entre outros, os textos do período que vai de 1840 a 1850, que são modelos de inteligência. Mas o mais completo, em minha opinião, é "Salário, preço e lucro". A nitidez da forma, a força do raciocínio, a vontade de não ceder em nada ao politicamente correto, a força explicativa diante de fenômenos paradoxais, tudo nele é admirável.

Le Monde - Em sua opinião, em que este autor encontra hoje a sua atualidade mais intensa?
Milner - Eu seria o primeiro a defender a opinião de que as doutrinas econômicas de Marx merecem plenamente o recrudescimento de interesse que as cercam atualmente. Mas isso é o mais importante? Não creio. Para a política, não se pode deixar de mencionar o preço que Marx foi obrigado a pagar por se distanciar de Hegel: a ausência de toda reflexão verdadeira sobre as instituições. Sobre o Estado, sobre o sufrágio universal, sobre os poderes, sobre o direito, não há nada em sua obra, a não ser a crítica altiva. É por esta razão que Lênin foi obrigado a improvisar - o que ele fez de maneira brilhante, em certos casos, é verdade, mas a improvisação nesses campos é proibida: ela conduziu à catástrofe.

Prefiro situar Marx em outro campo. Do lado da escrita e do lado do pensamento. Leo Strauss insistiu sobre a existência de uma arte de escrever por parte de quem é vítima de perseguição. Que seja, mas é preciso se perguntar também como os autores fizeram, depois das Luzes, lá onde todos podiam escrever a respeito de assuntos polêmicos sem temerem a perseguição. A resposta é simples: foi preciso desenvolver uma nova arte de escrever. Esta foi a mais gloriosa empreitada do século 19; os que se dedicaram a ela não são tão numerosos assim. Na língua francesa, só consigo me lembrar dos romancistas e dos poetas. Na língua alemã, Marx é certamente um dos mais importantes.

Ele praticou dois modos de escrita. Eu chamarei o primeiro de 'a corrosão do presente pela esperança no futuro' - uma categoria na qual se incluem os textos sobre a atualidade, "As lutas de classes na França de 1848 a 1850" (1850), "O 18 Brumário de Luis Bonaparte" (1852), os artigos do "New York Tribune" (1852-1862). Ou ainda os comentários ocasionais a respeito de obras literárias - estou me referindo, por exemplo, à espantosa desmontagem de "Os Mistérios de Paris" (um romance de Eugène Sue, publicado em 1842-43) em "A Santa Família" (1845). O outro modo de escrita diz respeito ao saber - o qual Marx separa explicitamente de toda esperança. Sobre esta questão, leia o prefácio de "O Capital".

Mas, voltando aos dois modos de escrita, trata-se de escrever sem temer a perseguição. Estou me referindo evidentemente à perseguição policial, mas existem outras formas de perseguição mais sutis. Por exemplo, a desaprovação daqueles dos quais nós deveríamos, em nome da esperança, nos tornar amigos. Não há nada mais estimável em Marx do que a sua vontade de não dar ouvidos para as lamúrias dos bem-intencionados que tentam convencê-lo de que ele está equivocado em não se enganar. Mas é preferível aqui não nos deter aos detalhes. A verdadeira questão diz respeito ao futuro da arte de escrever sem reservas mentais, uma arte que é mais recente do que aquela de Strauss, mas que caiu ainda mais no esquecimento.

Eu sei que a perseguição reapareceu. As matanças, as maldições, a prisão, tudo recomeçou. Então, a arte de escrever sob a perseguição é um tema que está se tornando novamente inevitável. Mas, nos lugares onde o pior ainda não se instalou, ninguém precisa se apressar a renunciar a esta outra arte de escrever, da qual Marx foi um mestre. As virtudes da sua abordagem são muitas: nem prudência nem respeito, raciocinar sem dobrar-se; não fingir estar errado quando se está certo, não deixar para intermediários a tarefa de dizer o que se pensa, não misturar aquilo que se tem como verdadeiro em meio a declarações de submissão e de fidelidade àquilo que se tem como falso. Estas são as virtudes que conservei de Marx. Ora, andei constatando que há uma grande indiferença em relação a esta questão por parte daqueles que dizem ser os seus herdeiros.

Resta o pensamento. Nós sabemos que Marx declara ser um materialista. A proposta materialista por excelência tem o seu enunciado: nada se perde, nada se cria. Resumindo, a matéria é um jogo no qual a soma é nula. Ora, o materialismo de Marx afirma abertamente o contrário: existe algo material que se cria por meio apenas do jogo das forças materiais. Tal é a teoria da mais-valia: a força de trabalho cria valor lá onde este não existia.

Todos os grandes pensamentos materialistas se baseiam numa operação análoga. Ou alguma coisa se perde, ou alguma coisa se cria. É possível detectar a existência de materialismos do "menos um" (tal como defendeu Freud nos seus textos finais) e de materialismos do "mais um" (o "clinamen" de Lucrécio, filósofo epicurista do século 1 a.C.; ou ainda o aleatório darwiniano como origem das espécies, etc.). O "nem tudo" de Lacan opera uma abertura para as duas leituras. Esses diversos operadores enunciam que o jogo não resulta numa soma nula. Ou que o único jogo que valha é um jogo cuja soma não é nula. Negativa ou positiva, isso depende das doutrinas.

Mas, na realidade, os jogos de soma nula são aqueles que predominam efetivamente. Eles têm por nome matéria, ou espírito; ou grande desígnio, ou ordem mundial, ou revolução mundial, ou Papai Noel, pouco importa - é o infame. Contra este inimigo, os textos de Marx contêm um operador eficiente, embora este seja demasiadamente oculto.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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