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PAULO ALEXANDRE CORDEIRO DE VASCONCELOS -USP
ABRINDO
Os anos 90, no Brasil, presenciaram uma avalanche de propostas de educação
à distancia, mediadas pela rede mundial de computadores, em que pontuam os
recursos multimÍdia, as webcans, as tele-conferências; prometendo assim mudar o
ambiente da aprendizagem. Munidos de otimismo e marketing, os cursos
transversam desde propostas mais simples, indo até a cursos de extensão
universitária e mestrados.
A pedagogia, ai defendida, apoia-se numa ciberpedagogia, na trama do
hipertexto, e suas múltiplas linguagens; a avaliação do aprendizado apoia-se
muito mais na demanda em que o curso se coloca(economicamente),
fundamentando assim sua defesa, qual seja, em nível de marketing.
Inúmeros e novos profissionais adentram aos novos espaços da educação à
distância e ocupam lugares dos profissionais da pedagogia; são eles com
destaque web designer, instructional designer..
Grande parte destes projetos é defendida sob inspiração de Pierre Lévy, em
defesa do ciberespaço, potencializam terminologias como inteligência coletiva em
ambientes interativos, insinuando diversidade ecológica do conhecimento.
Livros brasileiros, que discutem a educação à distância, citam inexoravelmente a
obra de Pierre Lévy. A fim de construir argumentos, ou justificativas, que acoplem
o pedagógico ao ciberespaço, Lévy é, agora, um novo ciberpedagogo.
A tecnologia, tenta assumir nos seus procedimentos de arquitetura técnica e
performances da informação, baseada na cibernética, o lugar da didática, das
discussões filosóficas da aprendizagem.
A sala de aula, o espaço presencial , o espaço de trocas, em que se misturam
elementos simbólicos variados, desde linguagens verbais, imagéticas, sonoras e
cinestésicas são trocados pelo ambiente do ciberespaço, numa tentativa de fazer
valer este espaço desnudo, ainda , de compreensões didáticas.
LÉVY - UM PERCURSO
Pierre Lévy (1956- ) aparece no Brasil no início da década de 90 .Seu livro de
impacto é Tecnologias da Inteligência – Brasil,1993, com datação francesa de
edição de 1990.
Este autor é fruto de uma metamorfose franco-canadense. De formação em
História na França, parte para o Canadá onde desenvolve estudos ligados à
inteligência e cognição e lá investe no hipertexto, não mais retornando à sua
gênese acadêmica.
Visto como um filósofo da cultura virtual contemporânea, Lèvy é docente do
Departamento de Hipermídia, Universidade de Paris-VIII. Trabalha junto ao
Ministério de Educação da França, com seu ex-professor e companheiro
intelectual Michel Serres.
Seu trajeto inicial intelectual publicado é a Máquina Universo (Brasil,1998) - La
Machine Univers, edição francesa (1987), em que já trata da inteligência e das
tecnologias intelectuais, recortadas pelos paradigmas da informática.
Tecnologias da Inteligência é resultado de suas andanças e elucubrações em
terras americanas - Lês Techonologies de L’intelligence (1990).
Sua formação histórica lhe permite fazer algumas elucubrações esparsas em que
se sustenta parcamente para elucidar os fundamentos da escrita e seu poder
textual, mas parece não considerar substratos epistêmicos sociais como o caráter
genético da fala , da oralidade e suas implicações com a escrita.
A TÉCNICA/CIÊNCIA: FILOSOFIA
Tomando a técnica como o seu grande aliado, ele não a situa dentro do devir
histórico, senão num corte das técnicas operadoras do texto, caso da agricultura -
campo – pagus - a pagina da escrita, levantando que esta, ao estabelecer
parcerias interativas, participou do constructo epistêmico com a ciência .
Ao vincular-se à Filosofia, toma posição defensiva, ou seja, defende-se, acusando
Heidegger, Simondon, J. Ellul, entre outros, de desconhecerem a real eficácia da
técnica , invertendo assim o papel da mesma, diante da ciência.
“Que o filósofo ou o historiador devam adquirir conhecimentos técnicos antes de
falar sobre o assunto, é o mínimo. Mas é preciso ir mais longe, não ficar preso a
um ”ponto de vista sobre....” para abrir-se possíveis metamorfoses sob o efeito do
objeto. A técnica e as tecnologias intelectuais em particular tem muitas coisas a
ensinar aos filósofos e ao historiadores sobre a história”(Lévy:199:11:1993)
Apesar de querer repropor uma história das técnicas, e apelar para ciências e
mesmo à Filosofia, perde-se num emaranhado de argumentações interpretativas
subjetivas e de defensiva racionalidade técnica e seu poder de antevisão do
futuro e do conhecimento.
Todavia, o que Lévy quer propor é a reconciliação absoluta entre ciência e técnica,
sem absolutamente reconhecer o devir histórico já percorrido e todo o discurso
filosófico que o reflexiona, em que se destacam os desmandos que historicamente
foram realizados sobretudo no âmbito dos dispositivos da era industrial, pósindustrial e da explosão das tecnologias midiáticas.
O capitalismo, na era das mídias eletro- eletrônicas e digitais, firma seu apogeu,
unindo-se à Matemática, ao cálculo, às especulações do ser vivo, às
biotecnologias, buscando a construção de frankensteins, que busquem competir,
ou até mesmo, superar o humano. Contudo, para este autor não se trata de
superação do humano, mas sua reconstrução.
Ora, se é legítimo cogitar sobre a reconstrução do humano, porque não é dado o
direito à Filosofia em perguntar sobre esta desconstrução, em tempos em que a
técnica fragmenta, exclui ou propõe a ação desumanizadora?, ou com isto já
inauguramos a morte do sujeito corpóreo, do social e da política, como já
preconizava Baudrillard(1990)?
A desconstrução de Lévy, atacada pelos discursos de seus concidadãos franceses
Jean Baudrillard, Paul Virilio e Philippe Breton, se dá no âmbito da sedução das
engrenagens motrizes, num espaço reinventado de uma comunicação utópica e,
como tal, num investimento, em parte, alienada em face da condição do humano e
morte de uma Filosofia que plasmou o humano na busca de sua verdade.
Na França, proliferam-se posturas dissidentes ao pensar filosófico clássico, ou de
base humanista como as do grupo de Breton, em que se situa o próprio Lévy,
como também Michel Serres e Bruno Latour. Tais posturas, ao se centrarem no
âmbito da Filosofia da Matemática, reiteram críticas às perspectivas do
pensamento filosófico cujo enfoque é o homem, como a querer forjar uma nova
essência, a informacional.
Atestando esse pensamento, assim se coloca Serres:
“......já não há querelas entre antigos e modernos nos pontos em que a Filosofia
seria polêmica: há querelas entre antigos e novos matemáticos entre os
modernos e lógicos. A Epistemologia afastou-se do circuito. Enquanto conservar
sua intenção tradicional continua a estar.(...) Vemos aqui duas razões para que a
epistemologia clássica seja banida das matemáticas modernas e da lógica
matemática: a recusa duma situação de prioridades, no primeiro caso, a estreita
ligação com a análise reflexiva, no segundo o transporte efetivo dos problemas
da epistemologia para a técnica científica. Em cada um dos casos, apenas se trata
de origem e de fundamento: ficamos pela prioridade numeral par ao edifício e
pela prioridade do sujeito operante para a sua justificação.(Serres :47 ;s/d)
Lévy, indo na mesma mão que Serres, refuta as críticas da Filosofia à técnica,
pois é este o grande impasse para a sua apologia da tecnologia do ciberespaço
reinando como instrumento da razão, e da ideologia, que inclusive faz montar sua
Antropologia descentrada no homem, mas partilhada entre homem e seus objetos
com o poder de confundir esse sujeito com o objeto.
“.....no momento em que dezenas de trabalhos empíricos e teóricos renovam
completamente a reflexão sobre tecnociência não é mais possível repetir com ou
sem variantes Husserl , Heidegger ou Ellul . A ciência e a técnica representam
uma questão política e cultural excessivamente importante para serem deixados a
cargo dos irmãos inimigos cientistas ou críticos da ciência que concordam em ver
no objeto de seus louvores ou de suas censuras um fenômeno estranho ao
funcionamento social ordinário. “(Lévy :12:1993)
Segundo Lévy, parece-nos, só é possível de reinventarmos o homem na troca da
ciência pela técnica e desdizer Heidegger do ente como pano de fundo ontológico.
Mas o impasse maior é criado quando o mesmo afirma que o seu propósito não é
uma crítica filosófica da técnica, aliás não poderia ser na sua argumentatividade
frágil, mas logo a seguir diz que seu verdadeiro propósito é “antes de colocar em
dia a possibilidade prática de uma tecnodemocracia” (Idem:12).
Bom do impasse evidente, cresce sua incoerência epistêmica ao desejar justapor
dois conceitos vistos e revistos pela Filosofia em lugares tão antagônicos: a
democracia e o fulgor da técnica. Todavia, dando uma seqüência a seu plano
incoerente, ele propõe que a filosofia política “não pode mais ignorar a ciência e a
técnica.” (pág 9). Ele despeja sua argumentatividade para poder afirmar mais
adiante que, diante das críticas de Jacque Ellul, Gilbert Hottois e Michel Henry,
fica impossível reafirmar seu desenho da tecnodemocracia. Assim, pede uma
revisão da técnica historicamente, do ponto de vista das reflexões da filosofia
clássica.
Tal estratégia prende-se ao fato de a seguir pretender fazer a apologia da
modulação da rede como se fora uma verdadeira simulação da mente humana, e
assim buscar ser a rede um espelho cognitivo, quando na verdade nem 30 por
cento da população mundial se acha plugada na rede, quando ainda não
atingimos a democracia na escrita para uma educação coletiva.
Na verdade, o que Lévy quer encontrar similitude, na rede do hipertexto e sua
interfaces, é com uma organização cognitiva, em que ele luta para ali encontrar
espaço para a sua defesa da tecnodemocracia., em que reinaria a ecologia
cognitiva, dentro de um contexto da Cibercultura, portanto da Comunicação,
“através de mundos virtuais compartilhados”.
Lévy, neste sentido, é muito mais a utopia wieneriana do que um pedagogo pois o
que ele pretende é prospectar o homem pelo viés do comando orgânico de
informação, podendo ser conformado nos critérios da comunicação midiática, o
que reduz o ser a uma releitura do biológico através das interfaces de
informações, transmutadas da sintomatologia orgânica à codificação
cibernética/informacional.
Tal modulação da comunicação, segundo seu maior crítico P. Breton,
pesquisador da informática e teorias da argumentação, é resultado das pesquisas
nos anos quarenta - 42 a 47 - em que se uniam interdisciplinarmente a
cardiologia, a neurofisiologia, a telefonia, a eletrotécnica, as matemáticas
aplicadas, bem como a antropologia (Breton:15:94).
Tais pressupostos começam, segundo Breton, a se alinhar num segundo
momento – ano final dos anos quarenta - se caracterizar pelo domínio do social e
do político. Passa a vigir então um modo de ver a comunicação, gestada não entre
os medias, mas entre cibernéticos, cuja proposta era de que a
informação/comunicação era o todo, podendo o real ser visualizado por este par e,
indo mais além, ver o comportamento dos seres apenas como “permuta de
informação”.
Consignando desta feita o ser enquanto comportamento observável e podendo ser
decomposto, estão lançadas as bases da interatividade ou retroação da
comunicação. Tal pressuposto leva a contemplar a democratização do saber
humano pela interatividade e retroação interconectada pelas próteses
maquínicas.(idem)
Indo a busca de uma crítica a tais posturas, como essas em que se achega a
Pierre Lévy, em que se vê as tecnologias da comunicação como a salvação para
a democracia, Philippe Breton chamará isso de “Uma Utopia da Comunicação”.
Ele vai tomar o pensamento wieneriano, que permeia projectualmente o
pensamento de Lévy, para apontar as distorções do homem pela técnica no
ambiente das comunicações e no aparecimento de novas antropologias, como a
de Lévy, que busca justificar tecnodemocracia, no ciberespaço, erigindo a sua
utópica ágora, mantida pelo hipertexto.
.
Breton assim se coloca:
“o projeto utópico que se desenvolve em redor da comunicação, é ambicioso e se
desenvolve em três níveis: uma sociedade ideal, uma outra definição
antropológica do homem e a promoção da comunicação como valor. Esses três
níveis concentram-se em torno do tema de um homem novo a que se chamará
aqui de homo communicans. Esse homem novo corresponde nada mais nada
menos, na perspectiva de Wiener , à tentativa de recolar, recorrendo aos materiais
disponíveis, os fragmentos que uma civilização derrotada tinha feito estalar num
grande turbilhão entrópico. O homo communicans é um ser sem interioridade e
sem corpo, que vive numa sociedade sem segredos, um ser por inteiro voltado
para o social, que não existe se não através da informação e da permuta, numa
sociedade tornada transparente graças às novas “ máquinas de comunicar”.
Essas qualidades do homem na comunicação, que contribui para alimentar o
ideal do homem moderno, parecem como uma das alternativas á degradação do
ser humano, resultante da tormenta do século XX”(Breton:46:1992).
Breton chama-nos a atenção, no que compartilho, para os novos paradigmas
desta nova comunicação que se instaura, no sentido de sua utopia, ou nas
demasias forjadas pela comunicação que a tudo comunica e a nada comunica,
como que numa perspectiva bem próxima a de Jean Baudrillard. O primeiro ainda
coloca de modo contundente, em oposição a Lévy, que, na verdade, as
articulações da sociedade de consumo e sociedade no seu pensamento liberal
manipulam jogos de interesses econômicos e políticos mancomunados com os
trunfos da informática, no ideal utópico de plena comunicação, sem antever as
situações de exclusões sociais, e de bloqueios sociais. Isto, para o autor, pode
na verdade afetar os patamares possíveis da democracia, pelo excesso de
comunicação forjada nos domínios da banalização da retórica e de suas técnicas
que a viabilizam.
PARA CONCLUIR
Inegável que a rede é um espaço da comunicação em que se alocam as
perspectivas utópicas plurais como também se alojam fanatismos, é um espaço
em que transita o saber, mas neste também se constitui o espaço dos excessos,
das simulações, e sobretudo espaço do consumo. Não queremos aqui negar sua
condição de ferramenta da educação, todavia ainda estamos distantes de uma
pedagogia ágil para a rede, até mesmo face aos impasses econômicos, no que
de econômico implica o uso da mesma.
A Rede Mundial de Computadores_Internet- tem potência como ferramenta,
dentro do que se entende por tecnologia educacional, em agilizar o espaço do
saber, da educação, mas sem os exageros prescritos por Lévy quando trata a
inteligência nos meandros da rede midiática de inteligência coletiva, justapondo-a
num mesmo espaço de homens e máquinas, fazendo ,ainda assim, um recorte
antropológico.
Caminha ainda ele para uma deturpação, com relação à inteligência, pois ela
sempre foi exercida no domínio do coletivo, todavia ela é individuada, sendo copartícipe do outro e no coletivo, aliás assunto já visto pelo construtivismo, nos
focos piagetianos e vygotskianos. A rede é facilitadora,da informação, enquanto
ferramenta e sistema.Mas. por outro lado, ela exige capacitação técnica de
ferramentas –pc, softwares, browser, para só assim constituir o sujeito-potência do
conhecimento. Há mediações técnicas e, portanto, de consumo, de dispêndio
econômico,assim como se necessita de agilidade de comportamento técnico, para
só assim estar constituído potencialmente o sujeito do saber.
Por outro lado os ambientes interativos são produção de contatos sociais, e de
simulações do espaço social, em que o volume se descredibiliza, como nos
aponta Virilio, e que tal variável definha a presença, por decorrência a
percepção e o aquecimento do vínculo social .(Virilio:1993)
Chama-nos atenção Breton em sua última obra – Lê culte de L’internet(2000) -
para a ameaça ao vínculo social que se depreende da forma política articulada
pelos grupos hegemônicos da rede, determinando uma nova forma de vida que
passaria por um verdadeiro fundamentalismo, pondo em jogo princípios da
democracia até então vividos, e cultivados.
A ágora lewiana é utópica, fundada pois na ideologia do approche da tecnologia,
da cibernética, da informação matemática, ou das tecnobiologias. Ela se inscreve
no ideário utópico da perseguição à comunicação democrática. Ainda hoje as
tecnologias aplicadas pela educação, e como tantas outras formas da
tecnociência, que já tentaram a democratização do saber através da escrita, da
imprensa, do rádio e da TV, mas que na verdade se mostraram utópicas, até
porque as tecnologias são ideologias a serviço de um sistema econômico maior.
Lévy é utópico pois ainda estamos a esperar a mais perfeita forma de ágora.
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