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sexta-feira, 26 de julho de 2019

Jarid Arraes: jovem ecritora-mulher do sertão



foto arquivo da autora 


Não bastou vir para Sampa, as marcas estão no seu imaginário e caem na escrita; é isto que  percebo na obra da cearense Jarid Arraes. O Cariri cearense decalcou em sua mente e colou em sua estética literária, ou ela sabe fazer seu marketing com a linguagem nordestina, mas entorna na sua fauna lexical outras modulações  regionais fazendo uma salada com o linguajar sudestino, aliás já há algum tempo morando-SP . Será por isso?




por JARID ARRAES http://bit.ly/2YbhLym
A autora  começou a escrever por influência dos folhetos de cordel, presentes na região.Por vezes  toma-o como mote, mas deixa-o. Agora, percebe-se que está  mais madura, porém ainda titubeia no seu léxico, em que  ondeia em verdadeiras historinhas infantojuvenis, no seu último livro de contos ( Redemoinho em Dia Quente-Ed.Kindle)



Jarid poderá ainda crescer na sua escrita-de contos, mas precisa se reelaborar, filtrando sua escrita, muito despojada, por vezes em demasia. Muitos dos seus contos são bons, outros caem numa verdadeira crônica, o que não a desmerece, mas...

O tema mulher está presente em suas outras obras também e com saltos fora do estereótipo da mulher nordestina, o que é de bom alvitre.

Em seu site  mais detalhes da escritora, via pela qual tornou-se conhecida. http://bit.ly/30ICyeu


El País fez uma  reportagem- Via Joana Oliveira- e que vale ser lida, todavia não me agrada  a adjetivação retirante, afinal a temática dela não se reduz a isto, ou será  estampido marqueteiro(?) -vide abaixo-






http://bit.ly/2GmHVYW

Jarid Arraes, a “jovem mulher do sertão” que faz literatura retirante


Escritora, poeta e cordelista lança livro de contos protagonizados por mulheres do Cariri cearense e fala se sua condição de migrante do século XXI: "A gente mora nessa casa com telhado quebrado"


JOANA OLIVEIRA

Paraty 22 JUL 2019 - 12:21 BRT

Jarid Arraes, cordelista e escritora de 28 anos, define-se como uma "jovem mulher do sertão", apesar de viver em São Paulo desde 2014 (mudou-se exatamente no dia 31 de dezembro). Nascida e criada em Juazeiro do Norte, região do Cariri cearense, ela cresceu entre os cordéis escritos pelo pai e o avô e os livros da mãe, professora. Aprendeu a ler antes de chegar à escola e, depois dos cordéis, descobriu a poesia. "Lia Drummond, Goulart, Augusto dos Anjos. Graças a isso, comecei a escrever também muito cedo, fazendo biografias de mulheres negras em cordel", conta ela na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde foi um dos destaques, com o livro de contos Redemoinho em dia quente (Alfaguara), o primeiro que publica em uma grande editora.

Arraes só soube que podia escrever, de fato, quando conheceu o nome Conceição Evaristo. "Descobri-la me deu a confirmação que eu podia escrever, porque eu nunca tinha lido nada escrito por uma mulher negra, por alguém que parecesse minimamente comigo. Quando li Cadernos Negros, a literatura se abriu para mim e comecei a publicar o que eu escrevia".

A primeira obra, um livro de cordéis, foi publicado aos 22 anos, por meio de um empréstimo. Depois, vieram a coletânea Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis, lançado em 2017, e o livro de poesia Um buraco com meu nome, do ano passado. A escritora tem um carinho especial, no entanto, pelo caçula, onde todos os contos são protagonizados por mulheres e no qual ela imprime a vivência de ser uma espécie de retirante no século XXI e suas visões sobre a terra natal. "São histórias que fogem do estereótipo da mulher sertaneja, que vive em casa de taipa, com chão rachado e caveira de vaca na frente. Mesmo quando retrato a pobreza em alguns contos, não é dessa forma, porque não foi isso que eu vi e nem acho interessante reproduzirmos sempre as mesmas coisas. Quis representar um Cariri urbanizado, com idosas lésbicas, mulheres que gostam das tradições, outras que as subvertem… Me representa muito, não só por ser um livro da minha terra, mas por ter essa multiplicidade de vozes", explica.

Em Redemoinho em dia quente, o leitor conhece as histórias de uma velha religiosa que toma remédios alucinógenos para encontrar Padre Cícero, de uma travesti cujo sonho é conhecer Silvio Santos, mas também o relato de uma adolescente que descobre que o pai abusa sexualmente de sua irmã. "Agora ela é como uma casa com telhado quebrado, mas onde ainda mora gente", diz, em certo momento, a personagem. Arraes usa essa frase para construir um paralelo com as muitas violências às quais as mulheres são submetidas e que ela mesma sofreu, conta, como nordestina migrante em São Paulo. "A gente mora nessa casa com telhado quebrado", afirma.

O livro também é especial porque restabeleceu a relação de carinho entre a escritora e o Cariri, algo que fica claro no conto em primeira pessoa Despedida de Juazeiro Norte. "A vida inteira, sentia que aquele lugar não me encontrava, não me sentia pertencente. Por muito tempo, não gostei de lá, e esse livro e a ida para São Paulo me fizeram ver o carinho e a saudade que tenho da minha terra. Até mesmo o fato de ser escritora, com toda a influência do cordel, só foi possível porque cresci lá, porque aprendi lá", diz Arraes.

Apesar dos planos de publicar, em breve, um romance, a escritora conta que não pretende abandonar o cordel. "Valorizo essa literatura como estética, como tradição. Só atualizo os temas, mas mantenho a identidade, que são o ritmo, a rima, a métrica". Ela pretende continuar fazendo essa parte de sua obra de maneira independente, montando um a um não mão e mandando para os leitores por correio. "Isso é autonomia e respeito à tradição. Um acordo que faço com as editoras é que, mesmo que publique outro livro de cordel, continuarei vendendo as histórias individuais como folheto".

Desde que começou a publicar de modo independente, Arraes mantém uma loja online. Com mais de 30 mil seguidores, ela é muito consciente que grande parte do seu êxito veio da relação direta com o público nas redes sociais. "Só consegui chegar onde cheguei porque soube usar a Internet. Eu não estava nas livrarias, então onde ia mostrar meu trabalho? Além disso, valorizo muito minha relação com os leitores, respondo todo mundo, sempre estou muito próxima. Acho que essa é uma relação mais honesta e há mais apoio. É algo que nenhuma vitrine ou editora substitui", diz. Durante a Flip, a escritora recebeu um dos apoios que mais almejava: o da sua mentora literária, Conceição Evaristo. "Você me mostrou que não estou condenada ao silêncio", disse, emocionada.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Ana Paula Maia uma tecedora de linguagem crua do homem em malhas do assujeitamento .









*Ana Paula Maia Foto por  http://bit.ly/2Jh8yPH*







"Javalis são astutos, os homens também. A técnica da caça pode ser 
aplicada tanto para os racionais quanto para irracionais, porque, 
no fim, todos são caça e caçador, não importa o grau de racionalidade. 
Nem os javalis nem os homens devem ser caçados à revelia.
Eles sabem que estão  sendo perseguidos e sabem ser rápidos e violentos 
o bastante para sobreviver.. "Assim na terra como embaixo da  terra 2017





Em que pese meu ofício ser o que gosto, tenho dificuldade de escrever sobre autores que admiro, temo ofendê-los, não saber dizê-los ensaisticamente, mesmo num tom de síntese ou mesmo como uma crônica. Foi o caso desta autora que há anos acompanho.


Comecei a ler Ana Paula Maia por sua obra Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, depois devorei todas as outras obras numa sede incrível; assusta-me sua escrita e seus temas, mas envolve-me de maneira loquaz.

Sua trilogia A saga dos brutosEntre rinhas de cachorros e porcos abatidos e O trabalho sujo dos outros e Carvão animal foi fatal para meu encantamento pela autora. 
   







Ana Paula Maia é uma das escritoras brasileiras que me deixa de bico aberto. Sua escritura é limpa, sem arrodeios, mas o que me prende a mesma é o homem. O homem - entre outros Edgar Wilson- e suas multifaces que ela sabe desvendar, dizê-lo.

 A miséria, o capital se unem e veste este homem. Isto está posto em sua obra. Ela denuncia o mal-estar do sujeito no social sem cair num ideologismo determinado.


Na obra de Ana Paula não são necessários tantos cenários ou uma dada região, o homem e seu pares são o suficiente para determinar a sua literatura. A autora vai do rural ao urbano de uma forma que não destoa sua estilística.



É com o homem, enquanto sujeito que ela coa, depura este ser que se envolve em ações nobres e taciturnas. Há um tônus antropológico em suas matizes escriturais.



Ela expõe a idiossincrasia do sujeito ante o ser e estar no trabalho nas suas formas mais esquecidas.

Não há grandes psicologismo na sua obra, nem por isto olvida o psiquismo dos personagens, sem maiores delongas ensaístas. Há uma tensão, uma febre e uma incontestável tessitura firme na escrita.


Todos os seus livros os li, e faço de modo rápido, não pulo folhas, linhas, ela me prende.



Seu léxico é prático, tece uma discursividade vibrante sem arrodeios, tornando a leitura fácil e rápida. Ao mesmo tempo nos dá um climas diversos e este sim é o seu grande cenário, por vezes de tensão.O Bicho e o homem se cumpliciam e se traem em sua obra.


Ganhou em 2018 Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria Melhor Romance do Ano, por Assim na Terra como embaixo da Terra.


Maria Fernanda Gárbero professora adjunta de Literatura Brasileira e Teoria Literária na Universidade Federal Rural do RJ UFRRJ-escrevendo para Cult- http://bit.ly/2FPlUle -é concisa e certeira em uma das partes de sua resenha sobre este último livro premiado:


"A volta de Edgar Wilson em Enterre seus mortos é uma contínua aposta da autora na composição dessas figuras. O trabalho da personagem com os animais agora é o de recolhê-los das estradas e enterrá-los, como uma problematizada decorrência biográfica do abatedor de gente, porcos e gados das outras narrativas. Longe dos leitores desde De gados e homens (Record, 2013), o reencontro com Edgar Wilson e suas ambiguidades éticas nos convida também a pensar nas relações que se dão a partir da hostilidade, sobretudo num país tão desigual como Brasil, em que o bastardo é criado a partir de marcadores perversos de deslegitimação que convergem questões de classe e étnico-raciais.
Nas narrativas de Maia, não cabem histórias de amor romântico, nem emulações de piedade. O afeto por suas personagens se constrói – ou não – numa perspectiva ética, em que cada capítulo parece nos confrontar com a possibilidade (ou disponibilidade) de reconhecimento desses sujeitos a partir do literário. Talvez seja por essa provocação experimentada pela ficção que não abandonamos Edgar Wilson. Nem nós, nem a autora cuja “saga” ainda parece não ter fim."


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Em depoimento a Revista Rascunho-http://bit.ly/2Jh8yPH- nos diz :


Comecei a escrever assim: um dia entrei em férias da faculdade, levantei e me senti engasgada. Sentia alguma coisa engasgada. Comecei a escrever e fui escrevendo. Escrevi meu primeiro romance assim. E não parei mais de escrever. Foi um lugar em que entrei e de onde não consegui mais sair. Antes desse período, mais ou menos aos doze ou treze anos, havia me interessado por leitura, na biblioteca do colégio. Na infância, também havia tido contato com a história narrada. Minha mãe e minha avó me contavam muitas histórias. Gostava muito de ouvir histórias. Eu tinha disquinhos de histórias. Então, a história narrada era muito importante. Na adolescência, perdi isso. Fiquei muito mais ligada no cinema — era mais fácil ficar sentada duas horas na frente da tevê do que lendo um livro. Acho que os hormônios não me deixavam parar e me aquietar para ler. Antes desse momento mais consistente, tive pequenos momentos de leitura. Leituras muito esparsas, obrigatórias na escola, que fazia sem gostar. Não gostava nada do que me mandavam ler na escola. Minha mãe tinha que ler para mim, me contar a história, para eu não tirar uma nota ainda mais baixa do que já tiraria. Não era uma aluna muito aplicada. Passava de ano raspando. Não estava muito interessada, era muito agitada, muito ativa. Queria mesmo era correr na hora do recreio, prestar atenção no que estava acontecendo. Era um momento de muita criatividade para mim. Não podia falar nada que me dava um surto de criatividade, começava a vir histórias. Acho que dentro de uma repressão do “não pode” foi quando comecei a criar. Estudava numa escola que tinha rigor militar. Então, ali era maravilhoso porque eu tinha idéias boas. Tinha facilidade de ter boas idéias. Tive esses pequenos sinais, mas nada tão consistente quanto aos dezoito anos. Não sei por que foi nesse momento. Acho que estava cansada, estava saindo da adolescência, entrando na faculdade. Sentia sede de alguma coisa. Tudo ao meu redor era pouco. Tudo era pequeno, mesquinho. Achava tudo ruim. Um dia, peguei uns livros da prateleira de casa. Minha mãe é professora. Fui lá, puxei um, puxei dois, puxei três, e ali comecei a ler o que caísse na minha mão. Eu ia lendo, lendo e aquilo ia me alimentando. Eu pegava caminhos. De um livro, pegava bibliografia para outro. E assim fui construindo um ritual de leitura..."


*Ana Paula Maia é de Nova Iguaçu-RJ -1977- Escritora e roteirista
Sua obras:

sábado, 20 de julho de 2019

PARAIBEABÁ-O NORDESTE É GRANDE - SUPORTA E REVIDA



http://bit.ly/2JRGByc





Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
(J.Cabral de Melo Neto.M.Vida Severina )

Maldade, doença, transparência do mal é o que se percebe na fala de um ser que não possui humanidade e mostra o lado perverso ,mesquinho , ignóbil e incompetente, eleito por outros que não se conhecem e logo não aceitam o outro e suas diferenças.

Este senhor ainda acha que o Brasil foi descoberto por Cabral, Cabral -Português, sim foi um saqueador nosso como foram :Espanhóis, Franceses ,I ngleses, Americanos do Norte e que continuam  saqueando junto a Elite espúria atual vendida pelo capital,cumpliciados por uma gama de políticos da bala, bíblia e do boi.

Somos ameríndios,  mostramos nossa tinta no rosto, isto sim, fomos nós os tupis e outros, Pataxos, Tabajaras- ParaÍbas ,Macuxi, Gujajara, Ianomâmi etc que fundamos este país.

O país, se é que ainda somos, tem um chamado líder com transtorno e que é fruto do aparelhamento  preconceituoso de uma classe social educada pela falsa bíblia, mídia e o "disse me disse ".

Por outro lado conjumina-se a possiblidade estratégica de sua equipe de marketing  para desviar Previdência ,Embaixada dos EUA,etc face ao seu pronunciamento à mídia internacional.

Os maiores centros deste país vem da Região Nordeste e fomos nós os construtores destes centros como :São Paulo de Janeiro, entre outros.

Somos muitos paraÍbas-Ariano Suassuna,Celso Furtado,Geraldo Vandré,José Lins,Assis Chateaubriand, Paulo Pontes, José Américo, Pedro Américo ,João Câmara e mil e outros

Como disse o poeta: J. CABRAL DE MELO NETO- MORTE VIDA SEVERINA, ele desvenda preconceito-do nordestino-  paraíba- no seu Severino.

Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias...

 e mais  de onde vem o preconceito:

Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza...

O poema é intacto -1954/55 e atual sempre, mas somos mais muito mais, saímos dos mangues e seca para outros recantos, mas com os mesmos coronéis, agora travestidos e cegos.

Nos desastres do seu governo, Previdência, políticas sociais,CLT etc..está inscrito no  poema, é só  querer ver-

que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Mas hoje mudamos e pra melhor e é isto que eles não suportam.Somos uma região que hoje abastece o Brasil e o mundo-do gás, petróleo, e alimentos em terra seca ou inchada , molhada.

E para findar tomemos outro poeta- Ledo Ivo - poema-O alagoano-que dará outra resposta a esse senhor incapaz de conhecer poesia, que dirá o povo:

O nordeste espera um Cristo
que não morra numa cruz
como o menino Jesus
ou não seja esquartejado
como o Major Calabar
mas que, salvo pelo povo,
da sanha dos fariseus,
viva sempre ao nosso lado
rei e monarca do mundo
com  seu reinado de luz.
Que venha um deus -guerrilheiro
ser o nosso capitão,
corrigir as injustiças,libertar-nos da miséria
e fundar na nossa terra
A monarquia do pão



ESTÁ NOS DEIXANDO UMA LUZ A MAIS : AGNER HELLER 1929-2019

AGNER HELLER -por youtube

“A maldade mata, mas a razão leva a coisas mais terríveis”-por El País


Há uma avalanche de desaparecimento de grandes intelectuais, desta vez a húngara-filósofa-AGNES HELLER.-1929-2019.Crítica severa de Orban- Hungria-obra extensa e conhecida mundialmente, em especial no ocidente. Lúcida, loquaz, ocupou a cátedra em N.York sucedendo Hannah Arendt.El país ,entre outros, trás matéria abaixo.

http://bit.ly/2JJ2NMi

Ágnes Heller, em Budapeste em agosto de 2017. 


Era chocante o contraste entre o físico de Agnes Heller, a filósofa húngara morta nesta sexta-feira aos 90 anos, e a força do seu pensamento e da sua biografia. Miúda e só aparentemente frágil, sobreviveu ao Holocausto em Budapeste — metade do milhão de judeus assassinados em Auschwitz era húngara — e à repressão stalinista posterior à Segunda Guerra Mundial, que a obrigou a se exilar durante décadas. Nos Estados Unidos e na Austrália, porém, ela elaborou um pensamento baseado num profundo conhecimento da história, mas também da vida cotidiana, situado entre a filosofia e a sociologia, que conseguiu atravessar fronteiras para torná-la uma das pensadoras mais influentes da segunda metade do século XX.
Obras como O Cotidiano e a História (Paz e Terra), Historia y futuro ¿sobrevivirá la modernidad?El hombre del renacimientoCrítica de la ilustración e Para cambiar la vida são alguns dos títulos editados na Espanha, onde seu pensamento encontrou uma ampla difusão. Foi colaboradora habitual do EL PAÍS desde os anos oitenta e publicou seu último artigo neste jornal em abril passado, sobre o tema que mais a preocupava no momento: a guinada autoritária do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban e o perigo que isso representava para a democracia na Europa. Como sobrevivente dos totalitarismos nazista e soviético, ela sabia perfeitamente quais podiam ser as consequências de ficar de braços cruzados ante um ataque contra as liberdades.
Heller considerava que a história não se repetiria e pensava que estávamos muito longe dos anos trinta. Ao mesmo tempo, porém, estava convencida de que a democracia corria perigo em alguns países da Europa, lembrando que o Estado de direito não se baseia apenas no voto. Também se preocupava com o ataque contra a razão por parte do extremismo islâmico e a ameaça que o nacionalismo representa para a União Europeia. Foi uma importante pensadora feminista. “É a única revolução que não considero problemática e é a maior do nosso tempo, porque não é uma mobilização contra um período histórico, e sim contra todos os períodos. A única totalmente positiva, talvez junto com o desenvolvimento dos direitos humanos.”
Este jornal a entrevistou em Budapeste no verão de 2017. Vivia num luminoso e desarrumado apartamento com uma vista impressionante para o Danúbio, repleto de livros e revistas sobre temas de todo tipo, que mostravam que sua enorme curiosidade intelectual nunca se apagou. A Academia Húngara de Ciências anunciou sua morte na noite desta sexta-feira, sem especificar a causa. Segundo o site húngaro 444.hu, ela faleceu enquanto nadava no lado Balaton, onde muitos cidadãos da Europa comunista passavam as férias. Curiosamente, foi ali que começou a ruir a Cortina de Ferro quando milhares de cidadãos da Alemanha Oriental que estavam na Hungria tiveram permissão para abandonar o país rumo ao Ocidente.
Heller não tinha problema algum para responder a perguntas sobre todo tipo de assunto, nem para recordar o Holocausto. Narrava a forma como sobreviveu à Shoá, quando os nazistas, apoiados pelos fascistas húngaros do Partido da Cruz Flechada, organizaram a deportação dos judeus de Budapeste a Auschwitz e depois o seu assassinato em massa na própria cidade, quando, ante a iminência da chegada dos soviéticos, os trens deixaram de sair. “Como todas as pessoas que conseguiram sair vivas daquilo, foi por acidente. Meu pai foi assassinado em Auschwitz, minha mãe e eu estivemos a ponto de morrer, mas de alguma forma nos livramos. Os fascistas húngaros mataram muitos judeus junto ao Danúbio, mas pararam antes de chegar à nossa casa. Também dispararam contra mim, mas, como sou baixa, o tiro passou por cima da minha cabeça. Em outro momento, nos colocaram numa fila. Soube que não devíamos ficar ali porque nos matariam, e conseguimos fugir. Mas tudo isso não foi sorte, e sim instinto.”
Após a Segunda Guerra Mundial, Agnes estudou e depois ensinou filosofia na chamada Escola de Budapeste, encabeçada pelo filósofo marxista Georg Lukács. Depois da invasão soviética de 1956, que reprimiu uma tentativa de libertação do regime comunista húngaro, Heller se tornou dissidente e acabou se exilando, primeiro como professora em Melbourne (Austrália) e depois na New School for Social Research de Nova York. Até o fim de seus dias, deu palestras e seminários pelo mundo todo.
Como outros filósofos pegos no turbilhão do século XX, Agnes Heller refletiu sobre o Iluminismo e sobre como se poderia ter passado da esperança despertada pela razão — noção que devia a pensadores da modernidade como Spinoza e Kant — aos horrores do totalitarismo. Foi marxista no início, mas logo se desvinculou de qualquer marco teórico que cerceasse sua vontade de buscar respostas.
Heller perdeu a confiança na razão, porque sem ela não poderiam ter construído os campos nazistas e soviéticos nem organizar a deportação de milhões de pessoas. Mas nunca perdeu a confiança no ser humano. Questionada sobre suas crenças, ela respondeu naquela entrevista: “Tenho que acreditar em algo? Talvez possa responder à sua pergunta. Acredito numa coisa: as pessoas boas existem, sempre existiram e sempre existirão. E sei quem são as boas pessoas.”