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Joaquim Cardoso por https://bit.ly/2wgSiHZ |
"Alguns dos escritos de Joaquim Cardozo o levam a ser considerado pela crítica como o “poeta que melhor executou um projeto urgente à época, ou seja, o aparecimento do signo não verbal”. Tais inventos não se reduzem a meras acrobacias semióticas. Sua inquietação quanto ao uso do poema como elemento de transformação justifica-se também pelo seu engajamento social, ele que se afirma homem marcado em país ocupado pelo estrangeiro, mas que traz “das águas/A substância/Da claridade". EVERARDO NORÕES -(https://bit.ly/2LaHP6h)
Conheci a obra de Joaquim Cardozo por este poema, nele me via como morador do Recife (anos 70 ) seus ventos, uma de suas marcas, me diziam da terra em sua geografia poética.
Congresso dos ventos
Na várzea extensa do Capibaribe, em pleno mês de agosto
Reuniram-se em congresso todos os ventos do mundo;
Àquela planície clara, feita de luz aberta na luz e de amplidão
[cingida,
Onde o grande céu se encurva sobre verdes e verdes, sobre lentos
[telhados,
Chegaram os mais famosos, os mais ilustres ventos da Terra:
– Mistral, com seus cabelos de agulha, e os seus frios de dedos
[finos,
– Simum, com arrepiadas, severas e longas barbas de areia
[quente,
– Harmatã, em fúrias gloriosas e torvelinhos, trazidos da Costa
[da Guiné,
Representante das margens do Nilo credenciou-se Cansim,
E Garbino, enviado das praias catalãs.
Vieram as Monções das margens do Oceano Índico,
Os ventos da Tundra siberiana vieram. . .
E os Alísios desceram do Equador, clandestinos,
Num grande transatlântico.
Chegaram ainda os ventos da América:
– Barinez, respirando doçuras de rios azuis, afluentes do
[Orenoco,
– Pampeiro, eremita e solidão de horizontes sub-andinos,
– Minuano, assobiando longamente a tristeza ritmada das
[coxilhas..
Também os ventos nordestinos se acharam presentes:
O Nordeste e o Sudeste; os ventos Banzeiros,
O Aracati das praias cearenses,
O vento Terral, velho boêmio das madrugadas.
Ventos, muitos e todos, ventos de todos os desertos,
De tempestades selvagens, de escuramente outonos. . .
Nesse congresso em tantas veemências se afirmaram
Quanto em glória e rebeldia se exprimiram. . .
Com açoites e eloqüentes rajadas falou Harmatã;
Com citações de Esopo e de La Fontaine
Comparou as vantagens da energia do sol e a do vento,
Descreveu com minúcia os modernos fornos solares
E admitiu o emprego futuro de ventos magnéticos.
Depois que Cansim relembrou o seu feito guerreiro
Envolvendo em altas nuvens de areia as legiões do rei Cambises
– Isto, há mais de dois mil anos –
Garbino repetiu com sopros noturnos e vagarosos
A velha história do abandono e desprezo dos ventos
Agora, solitários, vagando por todos os quadrantes.
A assembléia inteira levantou-se amotinada;
Um vendaval sem freio, um furacão,
Percorreu aquelas instâncias de planície tranqüila;
Uma onda de revolta se ergueu contra os motores,
Contra os ventiladores e os túneis de vento.
Mas apesar daquele tumultuoso debater de línguas meteóricas
Podia-se ouvir muito bem a voz lamentosa do Nordeste:
– Eu que, há trezentos anos, desembarquei das velas do almirante
[Loncq
Na praia de Pau Amarelo,
Que tremulei nas flâmulas e nas bandeiras das naus de D. Antônio
[de Oquendo
Aqui estou, nesta várzea, reduzido a professor de meninos:
Hoje vivo ensinando a empinar papagaios. . .
Voltando a calma, em alentos de aragens murmuradas,
Terral contou como ajudava as plantas nos amores:
– Levando nas dobras do seu manto o pólen das anteras,
Velivolvendo e suspirando entre ramagens.
Por fim, sucederam-se festas, danças de roda. . .
Músicas e cantos de longes mares tempestuosos,
Rodopios, volteios, caprichos, remoinhos, piões e parafusos. . .
– Com sestros de capoeira exibiram-se o vento Banzeiro e o
[Sulão.
Barinez leu uma mensagem de Romulo Gallegos,
Minuano disse um poema de Augusto Meyer.
E já pelos dias finais daquele mês todos partiram. . .
Erguendo o seu vôo sobre as nuvens varzinas
Regressaram, um após outro,
Para as noites e as tormentas das suas terras natais.
O último que se pôs a caminho foi o vento Aracati:
– Cortou uns talos de chuva
Com eles fez uma flauta
E se foi, tocando e dançando,
E se foi pela estrada de Goiana.
( Poesias Completas-Joaquim Cardozo-Civilização Brasileira s/d)
Joaquim Cardozo, engenheiro,matemático, dramaturgo, dominador de vários idiomas, nasceu em Recife e faleceu em Olinda -1897-1978.Amigo de João Cabral, sendo este último o responsável pela publicação dos seus primeiros poemas 1947 (Pequena Antologia pernambucana). Cardozo tem leves marcas de João Cabral, esse aproximar da existência humana , temática da morte e sua forma de por um homem em sua terra como estrangeiro. Homem de engajamento político o que custou -lhe perseguições e mudança de domicílio.
Foi um dos tantos poetas pernambucanos inseridos dentro da chamada poesia modernista ao inserir-se dentro de uma nova lexicografia e valorização do regional, mesmo que ultrapassando-a. Sua participação como engenheiro lhe insere ao mesmo tempo na arquitetura modernista:
Arquitetura Nascente
Planos de sombra e sol. Colmeias.
Hexágonos.Prismas de cera.
Um ovo.Um fruto.Uma semente
...
( Poesias Completas-Joaquim Cardozo-Civilização Brasileira s/d)
Como podemos ver Joaquim poetou com as formas, fez a tradução semiótica do volume, espaço para sua poética fonemática. .Em Arquitetura Nascente & e Outros poemas ele delineia essas traduções e oferece a : "Oscar Niemeyer arquiteto-poeta-a Manuel Bandeira.João Cabral de Melo Neto e Thiago de Melo arquitetos da poesia
O poeta transitou entre o rural e urbano, pois guardava intimidade entre estes dois meios ( como engenheiro, calculista e topógrafo). Adentrou , como engenheiro, o nordeste e Brasil . Criou um espécie de Geopolítica poética do Nordeste e destacadamente do Recife
Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Maxime,
Cais do Abacaxi. Gameleiras.
Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.
Tanta gente apressada, tanta mulher bonita;
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um camelô gritando: – alerta!
Algazarra. Seis horas. Os sinos.
Recife romântico dos crepúsculos das pontes,
Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem dos fidalgos
holandeses,
Que assistem agora ao movimento das ruas tumultuosas,
Que assistirão mais tarde à passagem dos aviões para as costas do
Pacífico;
Recife romântico dos crepúsculos das pontes
E da beleza católica do rio.
( Poesias Completas-Joaquim Cardozo-Civilização Brasileira s/d)
Joaquim Cardozo foi também um poeta escultor na sua ação de engenheiro e deixou suas marcas a quatro mãos com Niemeyer, junto a este tem as obras :
do Conjunto Pampulha, em Minas e, em Brasília, o Palácio da Alvorada, a Catedral, a cúpula do Congresso Nacional e o Itamarati, entre outras.
Ao me debruçar para a escritura deste texto, entre outros , consultei a obra de Raquel Brandão Serro, sua dissertação de Mestrado na UNB. Lá, ela finaliza nas conclusões com o parágrafo abaixo que passo aqui a expor:
Enfim, é necessário comentar que não há fracasso do poeta na luta contra a
reificação. A poesia de Joaquim Cardozo consegue realizar a missão
desfetichizadora da arte, pois reelabora os conteúdos extraídos da vida, dando-lhes
uma configuração que supera o imediatismo e o pragmatismo da cotidianidade. Ao
ler uma poesia, o leitor se coloca esteticamente em confronto com a realidade e, por
meio da superação, ainda que momentânea da heterogeneidade superficial da vida
cotidiana, faz questionamentos acerca do núcleo humano e de sua individualidade. Raquel Brandão Serro( https://bit.ly/2nTtdPH)
Bibliografia do Poeta:
Publicou os seguintes livros: Poemas (1947); Pequena antologia pernambucana (1948); Signo Estrelado (1960); Coronel de Macambira (1963); De uma noite de festa (1971); Poesias Completas (1971); Os anjos e os demônios de Deus (1973 );O capataz de Salema, Antonio Conselheiro, Marechal, boi de carro (1975); O interior da matéria (1976); Um livro aceso e nove canções sombrias (1981, póstumo). Recentemente- 2017 a CEPE-Pe, lançou Teatro de Joaquim Cardozo:Obra Completa.