Patricia Maês
Conhecer autores ao vivo,
dialogar, sentir de perto a presença, por vezes afeta a percepção para as
considerações críticas, ao menos para mim. Daí advindo elucubrações sobre
a pessoa, do corpo presente, aferições várias e congeminações várias sobre
a obra do entrevistado, daí ascende o imaginário que pescamos da sua presença.
Muitas vezes não resulta em nada, o que não foi o caso. Sublinhe-se ainda
que a autora é musicista e atriz. Esta matéria foi adiada por meses,
talvez um ano, por questões editoriais de uma dada revista, que colaborava
e que hoje já não circula.
Patrícia Maês passou-me um
ar de plenitude e de uma escritora que parecia ficar escondida no sorriso, na
postura, no som afetivo das palavras e no girar dos olhos, do corpo e de muito de
afeto; assim devem aqui minhas considerações ser uma maionese frutal da presença da autora, e meu imaginário face à leitura da obra.
Como todo real é simbólico,
viva a doce mentira da Literatura, portanto Tempos de Olivia - 2016, Curbzac,
Recife PE - sua última obra, deixou-me um cheiro de mistério, que se
desenrola a partir de uma espécie de crise criadora de uma dada
escritora, claro, a personagem da obra, e ali se desenrola uma espécie de
relato genético da criação, em que ascende a ansiedade, os questionamentos
do estar, ser e para quê dizer?
Há uma espécie de diário
existencial, o que faz a obra interessante pois ficamos com a dúvida - se é que
fica de fato - se é uma biografia camuflada ou uma ficção. Bom, eu opto que
toda obra tem um pé no imaginário de vida do sujeito mesmo com as
palavras envergadas e tempos despistados; não criamos do nada, mas fiamos a
malha literária liquidificando tudo. Eis uma obra a se ler com tato e com
faro apurado.
A literatura e funções
Sim, qualquer forma de arte tem função. Algumas manifestações constroem universos paralelos na subjetividade de quem aprecia, enriquece de referências para que se pense em si mesmo e no mundo. Outras são capazes até de destruir o que já há de subjetividade em uma pessoa, dependendo da violência com que uma linguagem muito pobre é imposta a essa pessoa e com que insistência. Esse é o caso da cultura de massa do momento, que é tão destituída de qualquer poesia e beleza que só colabora para dessensibilizar e empobrecer a capacidade cognitiva daqueles que estão expostos a ela. É tudo uma grande desconstrução, lamentavelmente.
A Escrita Início
Desde sempre escrevi minhas impressões sobre as coisas, fiz diários. Quando criança vivia cercada de livros e achava tudo aquilo muito interessante, sabia que podia significar diversão. Lia crônicas de Fernando Sabino, meu primeiro ídolo, e rolava no chão de tanto rir. Ele falava muito de seus amigos escritores nessas crônicas, e contava de seus encontros à tarde para um café, onde conversavam sobre o que faziam. Era o Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Hélio Pelegrino, e eu ficava tão fascinada com as histórias que imaginava que cresceria, iria morar no Rio como eles, e faria parte desses encontros. Eu nem atinava que com o tempo passando eles envelheceriam e morreriam. Depois acho que uma coisa definitiva foi ler, ainda na infância, o Érico Veríssimo. Peguei o livro “Música ao longe”, do meu irmão, e além de ter me identificado com a personagem jovem, percebi naquele final em que uma conclusão fica suspensa no ar - porque o autor não precisava dizer mais nada - o quanto era bonito lidar com essa sutileza, usar a linguagem escrita para sugerir tanta coisa às outras pessoas, pela simples criação de uma atmosfera através das palavras. Vi que era uma coisa poderosa.
Música participe.
Sim, tudo o que vi nesses anos de formação foi muito decisivo, tanto na literatura como na música. Eu tinha acesso à discos de música erudita ao mesmo tempo que à música popular de todos os gêneros. Com isso fui criando naturalmente um discernimento entre o que tocava mais profundamente e o que não causava grandes alterações em mim. Na adolescência eu já escolhia com muito bom gosto meus caminhos, o que queria ir atrás e descobrir. As referências das minhas escolhas musicais são totalmente responsáveis pela construção do meu universo estético, e isso interfere na hora de escrever.
Ficção, o conto e o pulo
Gosto da agilidade do conto, e fui experimentando esse tipo de texto ao mesmo tempo em que escrevia um romance, como uma espécie de trabalho paralelo para ter à mão coisas que me dessem um retorno mais imediato que o romance. Assim foi feito o livro “O céu é meu”.
Acho difícil responder o que
não se projeta da autora na minha ficção, já que tudo o que escrevo de alguma
forma me pertence, se não como experiência, pelo menos como modo de olhar as
coisas da vida. O que posso dizer é que talvez não goste de fazer nada muito
escancaradamente autobiográfico. Isso me incomodaria, pelo menos por enquanto.
Meus autores mais importantes
são Guimarães Rosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Goethe, Clarice
Lispector, Proust, Virgínia Woolf, Lygia Fagundes Telles, Doris Lessing, e como
já disse, o Érico Veríssimo. Fiz uma espécie de homenagem à Doris Lessing em
Tempos de Olívia. O nome da mãe de Olívia é o nome da filha da personagem
principal de “O verão antes da queda”, então Olívia é neta daquela mulher. E
como autor vivo, para mim o maior é o Milton Hatoum.
A tessitura - e pontos poéticos
"quero escrever sob os céu se abrindo e dando aos quebradores as máximas de pedras as máximas da santidade..Olívia pag 131 "
Eu reconheço que há muita
poesia na minha prosa, e acho que eu tento equilibrar isso um pouco para não
transformar minha escrita em uma coisa hermética, algo assim. Por isso pode
parecer que às vezes estou mergulhando em um pensamento totalmente poético e de
repente fujo disso. Mas tem também muito a ver com minha formação musical. Eu escrevo
como se estivesse fazendo música, sinto a melodia no tamanho das frases, nas
pausas, e então é natural que eu mescle tudo com poesia, afinal também tem
minhas referências das canções.
Escrevi Tempos de Olívia ao
mesmo tempo em que escrevia contos, e apesar do conto oferecer um retorno mais
imediato, porque ele pode ser mostrado, o romance me dá mais prazer. Gosto de
lidar com o desenvolvimento da história no tempo, e o envolvimento com aquele
universo durando, as personagens se transformando, fazendo parte dos meus dias.
*Patricia
Maês é paulistana, do bairro da Aclimação, SP. Com formação musical, foi
violinista em diversas Orquestras Sinfônicas em São Paulo nos anos 80 e 90, e
lecionou violino. Atriz, participou do elenco no Centro de Pesquisas Teatrais
de Antunes Filho. Dramaturga, realizou a montagem do espetáculo “Os ratos
soltos na casa”, no qual além de autora foi também atriz. É letrista, parceira de vários compositores mineiros. Autora
do livro de contos “O céu é meu”, em 2013, e do romance “Tempos de Olívia”, em
2016, ambos publicados pela Editora Cubzac. Patricia está em processo de escrituração de um um novo romance.
Fotos de “Os ratos soltos na casa” https://www.facebook.com/media/set/?set=a.102669463089035.5936.100000379454907&type=3&l=c3f103fe44
Patricia Maês
Dramartugia
Os ratos soltos na casa – Peça teatral – 2007
O diário possível de Francesca Woodman – Peça teatral – 2015 (inédita)
Cinema
Leila e Lui – Roteiro longa metragem – 2001Bibliografia
O céu é meu – Contos – 2013
Tempos de Olívia – Romance - 2016
Olímpia – (romance inédito)
Olímpia – (romance inédito)