REDES

sábado, 7 de novembro de 2015

A melodia às avessas de Samarone Lima

publicado por  REVISTA BRASILEIROS

Confraria do vento




De Crato a Recife, conheça o poeta da memória e da música silenciosa
“Todo poema tem a missão de provocar no leitor algo que o incomode, que o faça se perder (...). Como diz Juarroz:  ‘A poesia é o maior realismo possível’. Ela salta o nome das coisas, para nomeá-las de outra maneira. Desnorteia. Puxa o tapete”
“Todo poema tem a missão de provocar no leitor algo que o incomode, que o faça se perder (…). Como diz Juarroz:
‘A poesia é o maior realismo possível’. Ela salta o nome das coisas, para nomeá-las de outra maneira. Desnorteia. Puxa o tapete”
Samarone Lima é um cavalheiro, jovem-antigo, pesca fatos como jornalista e embrulha palavras com sua poesia. Seu lirismo se debruça sobre os mais diversos acontecimentos e os transforma em versos, embebidos de uma política do subjetivo sobre a qual alisa sílabas, dá contorno à palavra e consistência ao poético.
O professor e crítico literário Lourival Holanda escreve no posfácio do primeiro livro de poesias de Samarone, o duplo A Praça Azul & Tempo de Vidro (Editora Paés, 2012): “Na agreste figura dele, a poesia surpreende como a floração de um mandacaru… O poema de Samarone vai na contramão do consensual e, porque um hino à memória, guarda o mel dos momentos mágicos num processo de retenção sem pressa… E assim o poeta reconstrói sua delicada geometria de esplendores…”.
Sama nasceu, em 1969, no Crato (CE), mas desde 1987 vive em Recife. Tem trabalhado em diferentes projetos literários, como os livros-reportagem  (1998) e Clamor (2003), que estão sendo adaptados para cinema, e os livros de crônicas Estuário (1995) e Trilogia das Cores (2013). Só recentemente passou a publicar sua obra poética. Seu livro mais recente é O Aquário Desenterrado(Editora Confraria do Vento, 2014). Samarone recebeu a Brasileiros em uma livraria em Recife, onde batemos o papo a seguir.

Brasileiros – Fazer poesia é um ato político?
Samarone Lima – A literatura é sempre um ato político. E, se for sutil, abre mais espaços em pensamentos fechados. A palavra sempre me abriu caminhos. Como sempre publiquei muito as crônicas no meu blog (estuario.com.br), a quantidade de leitores era enorme. Fui publicando os poemas de forma quase clandestina em outro blog (quemerospoemas.blogspot.com). Era um problema existencial. De um lado, eu não queria muito mostrar os poemas. De outro, me lamentava ser conhecido apenas como cronista, jornalista. O fato de um leitor ter me encontrado e instigado a mostrar a poesia foi determinante. Devo isso ao amigo Arsênio Meira Jr., grande amante e conhecedor de poesia.
Brasileiros – Um de seus temas é a solidão na infância, a adolescência, as…
S.L. – … As muitas coisas. A solidão da infância, as dezenas de casas onde vivi, do Crato, no Ceará, passando pelo Maranhão, depois Fortaleza, Recife, São Paulo. Tentei apenas decifrar meu mundo de forma poética. A poesia pode também ser memorialista, mas não tem uma linha reta como na prosa.

Brasileiros – Você tem um memorial poético bem exposto na sua poesia… mãe, primos, etc.
S.L. – No meu primeiro livro duplo, temos as duas vertentes. A Praça Azul traz poemas soltos, com aparições da memória. Em Tempo de Vidro, fiz uma espécie de ritual da memória, indo aos antepassados, passando por mim, chegando novamente aos velhos. Em O Aquário Desenterrado, deixei que tudo viesse da forma mais pura, aberta. Cito nomes de tios, falo dos primos, do meu pai, dos irmãos. Me senti muito bem acompanhado. Nós e nossas dores, alegrias, fracassos, como uma grande constelação.

Brasileiros – O poeta tem o que se chama inspiração ou essa é uma palavra oca?
S.L. – Acredito que tenho, sim, dias mais inspirados. A escrita sai quase de uma fonte cristalina, basta se agachar, juntar as mãos e beber dela. Mas há dias duros, de luta mesmo, de frio, cansaço, solidão. Neste caso, recorro aos diários. Tenho dezenas de cadernos, que sempre me trazem alguma surpresa, uma frase, um tema. Cadernos velhos são meus fertilizantes.

Brasileiros – Quais autores brasileiros são para você um ponto de partida ou de chegada?
S.L. – Sendo meio óbvio, Murilo Mendes e Jorge de Lima. Mas tenho minha ramificação poética com outras fronteiras. Roberto Juarroz e Juan Gelman (argentinos), T.S. Eliot (norte-americano/inglês) e o abismo que é o Vicente Huidobro (chileno).

Brasileiros – Você tem uma relação mística, sagrada, com o exercício da poesia?
S.L. – Sim, creio, porque a palavra, em sua raiz original, tem o sagrado e o dom. Eu realmente trato a poesia como algo sagrado. O dom é outro aspecto, que tem o mistério rondando. Nunca sei de onde um poema vem, nem para onde vai. Tento esse exercício da poesia com as coisas cotidianas, os sobressaltos, impasses, desenganos, frustrações. Não é por acaso que meus parentes são personagens de vários poemas, eu mesmo apareço e me deixo desnudar. Vou construindo uma poesia que sirva para dar conta da minha vida, mas tentando ir sempre ao encontro do leitor.

Brasileiros – E qual seria uma definição de poesia para você?
S.L. – Poesia, para mim, é o descolamento silencioso, rastejante da palavra em relação ao objeto contemplado. Um descolamento da palavra de seu significado habitual. Eu busco essa renúncia. Não apenas para sentir-me completo, mas também para conservar a tradição milenar de entender a poesia como uma espécie de música quase silenciosa. Uma melodia às avessas. Como diz um poeta que me é caro, o argentino Roberto Juarroz, a poesia é um “visionária e arriscada tentativa” de levar o homem ao espaço do impossível, que às vezes se parece também com o espaço do indizível. É meu testemunho, minha obsessão. De novo Juarroz: “Uma peregrinação de meu destino através da linguagem”.

Brasileiros – Você vê seus versos pelo buraco da fechadura, como diria Nelson Rodrigues?
S.L. – Meus versos não são próprios (exceto um ou outro) para serem lidos em voz alta (não cabem na “declamação” porque isso guarda um elemento teatral). Há algo de contido, até porque tinha uma timidez assombrosa em mostrá-los. Quem me salvou do anonimato poético foi o amigo Arsênio Meira Jr., que fez uma seleção do primeiro lote que publiquei silenciosamente na internet (quemerospoemas.blogspot.co). É um despojamento, um desnudamento. Já tive oportunidade de fazer algumas raras leituras, mas prefiro em voz baixa, quase um sussurro, até porque me emociono quando vou ler. Essa emoção que me leva ao engasgo, é o que tento levar ao leitor. A poesia que me comove e que tento escrever se move pela completude amorosa, compreendendo, sobretudo, a memória e o exílio das minhas desarmonias, que são muitas.
Poema inédito

Manual de espera e solidão
Como no silêncio sem rastros
De um animal desvairado
Com seu cheiro difícil de esquecer
de tão próximo.

Ou como o espaço que lhe damos
Entre os ossos
Dessa ausência doentia
De tudo o que se quer.

Como se aquilo que se perde
Não virasse outro abismo –
O de ter sido.

E mesmo assim, se promulga a voz
Do absoluto desejo.

Tão imaculado, tão limpo, tão puro
Que sequer precisa de um nome
Para saber-se vivo.
Brasileiros – A relação entre prosa e poesia?
S.L. – Bem, enquanto a prosa tem um sentido lógico, definível, a poesia é alógica, evoca sentidos vários, não tem medida, exceto aquela que enxergamos. Talvez por isso os meus versos tenham demorado tanto a serem publicados. Eu desejava que eles tivessem a força de um filho há muito esperado, e que depois segue seu caminho. Eles ainda são muito duros, mas até a dureza tem algo de contido. A Praça Azul & Tempo de Vidro foi o livro possível, mas que resultou em uma espécie de alívio. Fiz minha inauguração. No final de 2013, veio O Aquário Desenterrado. Vi que estava com a alma mais livre, que podia dizer de forma mais intensa o que me era caro. As minhas contradições, memórias, minha vida feitas de tantas casas, tantas cidades, vivências. Um desaprumo que a poesia me possibilita refazer. Desejo apenas seguir nesta jornada pela poesia, sem nenhuma pressa.

Brasileiros – A busca pela completude amorosa é a qualquer preço?
S.L. – Não. Há condições. Logo no primeiro poema de O Tempo de Vidro, isso soa claro, como neste trecho: “Quando voltei/Aos seios de minha mãe/Morri de sede./Minha parte no mundo/Era destinada ao desconhecido/Que sempre fui”. Isso não é nem uma introdução de poema, isso é uma recomendação a mim mesmo. Lá, já nas origens, tudo se configurava. No meio do espanto, me vi escrevendo cada vez mais poesias, fazendo um diário de minha própria trajetória, tentando me reconhecer e me perdoar. Não sei se consegui, porque o perdão é uma tarefa para a vida inteira.
Todo poema tem a missão de provocar no leitor algo que o incomode, que o faça compreender, ou mesmo se perder, pois afinal de contas, perder-se também requer um roteiro, um caminho, um mapa necessário para subirmos novamente a montanha. Como diz Juarroz: “A poesia é o maior realismo possível”. Ela salta o nome das coisas, para nomeá-las de outra maneira. Desnorteia. Puxa o tapete, escancara o coração. Deve nos fazer pensar. Não lembro agora o autor de uma frase belíssima (não sei se foi o Jean Cocteau), que perguntou o seguinte: “– Se sua casa estivesse pegando fogo, o que você salvaria primeiro?”. Eis a resposta: “– O fogo”. Assim entendo e vivo a poesia. Uma urgência enlaçada pela afeição desesperada.
*Arsênio Meira de Vasconcellos Junior é bacharel em Direito, ocupa um cargo público e é um viciado em poesia e incentivador da poesia brasileira.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Francisco Julião: da literatura à revolução camponesa







Líder das Ligas Camponesas, o pernambucano tinha também um forte lado literário, como mostram dois estudiosos de sua obra, que falam à Brasileiros sobre Julião



Francisco Julião Arruda de Paula, nascido no Engenho Boa Esperança, agreste pernambucano, em 16 de fevereiro de 1915, teve um juventude de classe média, até certo ponto abastada. Sua entrada para a Faculdade de Direito era uma tendência entre aqueles que não só queriam a vida de bacharel ou carreira jurídica, mas que também tinham afinidades com o mundo da cultura, especialmente a literatura. No seu caso, prevaleceram a literatura e a militância, na contramão das origens burguesas.
Ainda estudante de direito, já advoga para os menos favorecidos: camponeses, prostitutas etc. Sua luta política vai se afirmando e, em 1945, lança o manifesto literário Carta aos Foreiros de Pernambuco, em que como dá voz aos cidadãos explorados, sublinhando as questões do foro e do cambão (a palavra “cambão“ expressa o dia de trabalho que o foreiro dá ao patrão sem receber nada em troca). Três meses depois, estava pronto para a criação das Ligas Camponesas, maior e mais significativo movimento de massas da vida republicana até então, nas quais desenvolve intensas reflexões sociológicas, antropológicas e econômicas, ligando-as a questões da cultura popular como a literatura de cordel, que ele declama para os camponeses, decodificando as metáforas do poder ali contidas.
Com o golpe de 64, as Ligas são dizimadas, seus líderes presos, torturados e assassinados. Julião é capturado e em 1965 parte para o exílio no México, de onde só voltaria em 1979, com a anistia. Decepcionado com os rumos da luta no Brasil, volta ao país de Zapata em 1986, onde acaba morrendo, em 1999.
O lado escritor

Conhecido principalmente pela sua histórica atuação política, Julião é um escritor esquecido. Embora não tendo uma obra extensa, ela é significativa para o momento político que viveu. Dois nomes buscaram enfatizar essa verve: Vandeck Santiago, jornalista do Diário de Pernambuco, com passagens pela VejaJornal do Brasil e Folha de S. Paulo, e cinco livros publicados, dentre eles o premiado Francisco Julião – Vida, paixão e morte de um agitador (Edição da Assembleia Legislativa, PE, 2001) e, mais recentemente, Cláudio Aguiar, romancista, dramaturgo, ensaísta e poeta, autor de Francisco Julião –uma biografia (Civilização Brasileira, 2013). Ambos pernambucanos como o foi o Julião. Conversamos com os dois:
Vandeck Santiago:
Interpretação dos cordéis
“Um dos mais famosos folhetos produzidos no Nordeste, A Chegada de Lampião no Inferno, é analisado por Julião como ‘um exemplo típico de literatura e caráter ideológico’. Segundo ele, o inferno aí descrito – com vigia, cerca, portão, depósito de algodão, vidraça e casa de ferragens – não é outra coisa senão ‘a fazenda do latifundiário’. Lampião, por sua vez, ‘representa o próprio camponês que deseja conquistar tudo aquilo’”.  “Outro combate célebre na literatura de cordel, A Eleição de Lúcifer e a Posse de Lampião, evidenciaria, para ele, ‘a revolta dos camponeses contra as eleições’. A maioria deles não votava, porque não havia ainda o direito do analfabeto ao voto. Os que votavam o faziam quase sempre seguindo a recomendação do coronel do lugar. Em A Eleição… Lampião contesta o resultado de um pleito no inferno e sai matando todos os diabos que encontra pela frente, findando por tomar posse do governo. ‘A ideia de inferno’, dizia Julião, ‘o camponês sempre associa a de latifúndio’”.

Produção literária
“A militância política de Francisco Julião sufocou uma vocação dele que, saudada por críticos e escritores nacionais nos anos 1950/1960, hoje é praticamente desconhecida – a de escritor de ficção. São de sua autoria dois livros no gênero: Cachaça, de contos, lançado em 1951 (quatro anos antes do movimento das Ligas), e Irmão Juazeiro, romance, de 1961. As obras receberam elogios de nomes como Gilberto Freyre, Fábio Lucas e Roberto Simões”.

“Além desses dois livros de ficção, ele lançou Que são Ligas Camponesas (1962); Até quarta, Isabela (1964); Brasil: Antes y despues, 1968 (este nunca publicado no Brasil; foi lançado no México); Cambão, a face oculta do Brasil (1968), publicado originalmente no México e que teve uma edição brasileira em 2009. Em formato de cartilhas ou folhetos de cordel, ele publicou no Brasil, no período em que estava atuando nas Ligas Camponesas: Guia do Camponês; ABC do Camponês; Cartilha do Camponês; Carta de alforria do Camponês e Bença, mãe. Ele escreveu também a letra do “Hino do Camponês” (1961), gravada depois com parceria do maestro pernambucano Geraldo Menucci. Ao voltar do exílio, ele gravou o LP “Julião, verso e viola” (1981), com três longos poemas em forma de poesia de cordel. Nesse disco (praticamente desconhecido, porque foi censurado), ele foi acompanhado ao violão pelo irmão do Betinho, o compositor e violonista Francisco Mário. Gilberto Freyre e Francisco Julião sempre estiveram em campos opostos nas questões políticas e ideológicas. Freyre, por exemplo, apoiou o golpe de 1964. Mas os dois eram amigos: tinham afinidades intelectuais e frequentavam ambientes comuns da intelectualidade pernambucana. “
Claudio Aguiar:
Julião e a literatura
“Julião, antes da fama como politico, cultuou os gêneros da poesia, do conto e da prosa. A poesia perdeu-se devido aos efeitos danosos do exílio. Escaparam o livro de contos Cachaça e o romance Irmão Juazeiro. Ambos alcançaram relativo sucesso, embora os contos tenha tido maior sorte. O prefácio de Gilberto Freyre atende, talvez, ao sentido sociológico e antropológico de que se revestem as histórias marcadas pelo conhecido pendor que tem o povo brasileiro pela aguardente. A fatura de Julião como contista e romancista é positiva e, estimo que, não fora o seu envolvimento com a política e a defesa dedicada a uma causa edificante – a defesa dos camponeses brasileiros – estaríamos diante de um talentoso escritor brasileiro. Isso, porém, não reduz o mérito de sua obra conhecida.”

A literatura como instrumento da luta política
“Não creio que no caso de Julião se possa afirmar que ele usou a literatura como arma política. A razão é simples: sempre houve nele a vocação literária antes de acordar nele o líder político. A política, ao contrário, cresceu tanto em sua vida que o tempo foi pouco para ele dedicar-se às letras como autor. O recurso por ele utilizado na produção de panfleto, às vezes, recorrendo ao cordel, é procedimento velho e adotado desde as épocas mais remotas dentro do próprio costume português, quando, por exemplo, nos lembramos do caso do sapateiro Bandarra, que cantou a vinda de D. Sebastião numa espécie de epopeia popular subordinada ao recurso da expressão dos árabes, então dominadores de boa parte de Portugal.”

Obras inéditas 
“Há uma grande produção dispersa em jornais, revistas, anais legislativos e ampla correspondência ativa. Esse material merece ser pesquisado e preservado, pois nele podem ser identificados alguns aspectos importantes de seu pensamento politico e registro de um tempo rico de nossa história recente. Disponho de alguns textos inéditos que futuramente poderão ser divulgados. Quando estive no México pesquisando o tempo de exílio de Julião, uma de minhas primeiras preocupações foi coletar toda sua colaboração publicada nessa importante revista Mexicana. O valor desse periódico, para dar uma ideia, só pode ser comparável à revista O Cruzeiro. Eu não apenas recuperei toda a colaboração, que prosseguiu sem interrupção por mais de dez anos, mas a organizei por temas e assuntos e elaborei estudo de análise para publicar, em breve, em volume especial, sob o títuto de Escritos Políticos do Exílio. Trata-se de um repositório de elevado nível, dado que ele como profundo e perspicaz intérprete de seu tempo, estava bem informado do que se passava nas Américas, na Europa, na Ásia e na África, sem falar nos temas brasileiros de vários matizes.”

*Stella Maris Saldanha, nasceu em Goiás, mas reside no Recife onde atua como jornalista e atriz. É também professora da Universidade Católica de Pernambuco. Publicou o livro Transgressão em 3 Atos – Nos abismos do Vivencial, em parceria com os jornalistas Alexandre Figueirôa e Cláudio Bezerra. É diretora e roteirista do documentário Alexina, memórias de um exílio, também em parceria com Claudio Bezerra. Este trabalho foi vencedor do VII Concurso de Roteiros para Documentários Rucker Vieira, da Fundação Joaquim Nabuco e TV Brasil.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Poeta cantante

Poeta cantante

publicado pela REVISTA BRASILEIROS






Poeta cantante Cantor, compositor e cineasta, o chapeleiro maluco da madrugada Alceu Valença lança ótimo livro de poesias na praça

Alceu Valença foto Imirante.com

“Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde
De um domingo azul
Azul era Belle de Jour…
(Belle de Jour)

Como poeta, suas letras, nas canções, se estatelam dentro e fora do Brasil, e fazem o povo cantar e poemar. Alceu, um pernambucano, de São Bento do Una, nascido em 1946, veio para Recife e bacharelou-se em Direito pela UFPE. Trouxe consigo uma bagagem forte de sua história entre cegos de feira, emboladores, poetas de cordel, enfim, amalgamou sua verve poética. Utilizou também elementos da nova cidade, claro – daí sua obra extensa, lírica, nas letras das músicas e agora no seu primeiro livro de poesias, que se alumia com o mesmo ritmo de suas canções: O Poeta da Madrugada, lançado pela Chiado Editora, de São Paulo.
Aos quarenta anos de vida artística, o cantor, compositor e poeta Alceu também desfila no cordão dos cineastas, haja visto seu longa-metragem A Luneta do Tempo, de 2009, que traz os mesmos adubamentos temáticos de suas canções.
Interessante dizer que seus versos mais se alumiam diante dos arranjos, por ele feitos ou por terceiros, dando-lhes cor nordestina de ritmo e força popular.

O prefácio de seu livro foi feito com a batuta de outro poeta da língua portuguesa – José Eduardo Agualusa, angolano –, que diz: “O livro percorre ainda uma preciosa geografia de afetos, abraçando Olinda, Recife, o Rio de Janeiro e Lisboa. Passeando pela capital portuguesa, o poeta recorda a terra natal misturando, como diz Lavradio e Livramento. É neste território da Língua Portuguesa – o quinto Império vaticinado por Pessoa e reiterado por Agostinho da Silva – que Alceu se reconhece e se comove – e nos comove…”.
E vamos pra cima da poesia de Alceu:
Estou montado no futuro indicativo
já não corro mais perigo.
Nada tenho a declarar.
Terno de vidro, costurado a parafuso, 
Papagaio do futuro
Num para-raio lunar… 
(Papagaio do Futuro)

E sempre com seus cheiros, diz ele:
Quando te lembras
Do cheiro da minha carne
Cheiro de bares
cheiro de mares
Do Bar do Trevo
E tuas ventas
Sentem cheiro da saudade… 
(Cheiro de Saudade)

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor colaborador da ECA-USP, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).
Tags: 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Palavras de Brasileiros: da poética à geopolítica




O intelectual e poeta baiano Luiz Alberto de Moniz Bandeira é indicado para o Nobel de Literatura
Em tudo o que escrevi – poesia ou prosa – existe uma unidade em que a comunidade de propósitos e a práxis se entrelaçaram…
Luiz Alberto de Moniz Bandeira, nascido em Salvador, Bahia, em 1935, é bacharel em Direito, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo, professor e conferencista. Entre mais de 20 obras, destacamos: Presença dos Estados Unidos no Brasil – Dois Séculos de HistóriaO Governo J. Goulart – As Lutas Sociais no Brasil (1962-1964), e os livros de poesia Verticais (1956), Retrato e Tempo (1960) e Poética (2007).
Moniz, de família política, do Direito e do Jornalismo, mora na Alemanha, em Heidelberg, com sua mulher e filho, onde é cônsul honorário. Indicado pela União Brasileira dos Escritores (UBE) ao Nobel de Literatura deste ano, tem como um dos eixos de sua obra as relações internacionais, principalmente aquelas que envolvem Brasil, América Latina e Estados Unidos.
Foto: Reprodução/ube.org.br
Foto: Luiz Alberto de Moniz Bandeira – Foto: Reprodução/ube.org.br

Brasileiros falou com ele: “Minha obra poética é pequena. Comecei a escrever versos (e prosa) aos 14, 15 anos. Convivi com todos os poetas, inclusive o grande simbolista Arthur de Salles, José Luiz de Carvalho Filho, Elpidio Bastos e outros, e me transferi para o Rio de Janeiro com 18, 19 anos. Mantive relações de amizade com Augusto Frederico Schmidt, Manuel Bandeira (que apresentou meus livros na Academia Brasileira de Letras), Carlos Drummond de Andrade e outros. Comecei a publicar no A Tarde e no Diário da Bahia, aos 16 anos. Niomar Moniz Sodré, prima, viu meus poemas, pediu-me para publicar no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, aos 17 anos. Schmidt indicou-me para o Serviço de Documentação do Ministério da Educação. Verticaisem 1956, foi publicado aos 20 anos. A Editora Progresso, da Bahia, publicou Retrato e Tempo, em 1960. Em 1961, publiquei Ode a Cuba, com a Editora Germinal, traduzida para o espanhol por Felix Pitta Rodrigues, para a Revista Bohemia, de Havana. Traduzi Caim, de Lord Byron, e Poemas do Cárcere, de Ho Chi Minh”.
Florisvaldo Mattos, amigo, poeta, forma- do em Direito pela UFBA, autor da orelha de Poética, diz: “Eu e Moniz fomos contem- porâneos, de 1952 – um jovem poeta, escrevia e declamava, a compor o perfil de ativo militante de contendas. Vem da aristocracia portuguesa e baiana, na qual desponta- va inclusive os Garcia D’Ávila, da Casa da Torre. Talvez aí esteja a sua vocação pela ciência política”.
Em prefácio à Poética, diz Mário Hélio Gomes de Lima: “Não, não há distinção entre o Moniz lírico daquele que une de modo tão original, quanto preciso, os heróis da restauração pernambucana com os guerrilheiros do Vietnã. As lutas do passado e do presente se encontram”.
O poeta hoje
O poeta hoje não cantará heróis nem símbolos À dor dos séculos os mortos despertaram Incendeiam-se mares, florestas e montanhas, e marcha pela madrugada o exército dos sem rostos.
O poeta hoje não cantará heróis nem símbolos. Traz no peito a angústia das máquinas. Travam-lhe a garganta baionetas sem lua. Rompe nas suas mãos um sol feito de sangue e os cavalos da fome puxam o carro da aurora.
O poeta hoje não cantará nem símbolos.
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).



  • Paulo Vasconcelos
    É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A boca sonora do Brasil

Publicado pela Revista Brasileiros 
 O Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro, traz um universo fascinante de palavras
Pois é, palavra é o que nos rodeia, a toda hora, a todo instante, e que pode ter o efeito de um trovão. Autores resgataram em nossa literatura a fala popular: José Lins do Rego, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Ariano Suassuna, Raimundo Carrero e Zé da Luz, entre outros, sem falar nos cordelistas, desbravadores de nossa língua.
Para montar o Dicionário do Nordeste (CEPE, 2013), obra volumosa, de 796 páginas, Fred Navarro pesquisou esses e outros autores, no uso inclusivo de suas obras. Todavia, para além do registrado na literatura, apurou a recorrência das palavras capturando-as em campo e sistematizando-as na área lexicográfica, semântica. O resultado é o retrato da boca sonora do Brasil.
Foto: Ingimage
Foto: Ingimage
 Diferentemente de seu livro anterior, Assim Falava Lampião (Estação Liberdade,1998) Navarro acresce detalhamento de variáveis sistêmicas aos verbetes, como convenções, definição de outros dicionários, classificação gramatical, siglas de Estados, etc. O prefácio é do gramático da Academia Brasileira de Letras, Evanildo Bechara.
Aluada. adj. PB. Menstruada, de boi, com as regras.
Depois deste verbete, colocamos alguns outros, soltos, tomados de empréstimo de Navarro. São palavras que têm significado afetivo para mim, pois fazem parte da minha “história pessoal”. Dou as definições:

Aviar
. Como forma de apressar: Avia Maria, vamos, Maria!
Ancho. Fulano tá todo ancho, cheio de si.
Frocado. Pessoa toda cheia de si, empertigado.
Ingicar. Engicar, implicar: Oia, tais ingicando, né?
Ingresia. Coisa não clara, ininteligível: Que ingresia é essa que tais dizendo?
Latomia. Barulho: Esses cachorros estão numa latomia!
Librinar. Neblinar: Eita começou a librina.
Mandchuria. Antiga zona do meretrício de João Pessoa.
Pei-buf. Toma lá da cá: Aí, ele – pei-buf! – falou.
Peitica. Implicação, repetição: Tais com uma peitica, só fala nisso.
Passo para Fred, estas, para findar:
Pilacacete. Pílula Alka Seltzer.
Assustado. Festa feita de improviso. Campo Grande, PB.
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Rosil ou Capitão Zé Lagoa um mestre da MPB .

PUBLICADO PELA REVISTA BRASILEIROS.

Rosil  de Assis Cavalcanti.( 1915-PE-1968-CG. PB)

Muito se fala de Jackson do Pandeiro, na música Nacional, mas, não tanto de Rosil Cavalcanti- os dois estiveram centrados no cenário da MPB , em que Elba, Lenine Alceu ,Gal ,Luiz Gonzaga e tantos outros gravaram.
Ele  fez rádio em J .Pessoa. PB, onde criou a dupla com Jackson do Pandeiro-Café com Leite-mas  é em Campina, PB, que se afirma, na Rádio Borborema no Forró  de Zé Lagoa,  programa de rádio, atuando com humor, e falando como seu povo e critica social.
Ele, contudo, ficou esquecido na sua terra natal, Macaparana,  PE, ou mesmo, em Campina Grande-PB, onde adotou-a, fez seu nome no  São João, em C.G.PB,mas não é mencionado no parque do povo, um dos maiores forródromos do Brasil, diz Ana Tratai, sobrinha e herdeira dos seus direitos.

José Telles, Recife-Pe, jornalista, estudioso da MPB afirma :”… pelo volume, qualidade e originalidade de sua obra, é um dos cinco mais importantes compositores que definiram o forró, termo que engloba os muitos ritmos da região nordestina. Está ao lado de Humberto Teixeira, Zé Dantas, Onildo Almeida,e Miguel Lima, no time de autores que através de Luiz Gonzaga, Marinês ou Jackson do Pandeiro, criaram um repertório básico para a música do Nordeste… http://bit.ly/15ixQBo
“Convidei a comadre Sebastiana
Pra cantar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: a, e, i, o, u, yJá cansada no meio da brincadeira
E dançando fora do compasso
Segurei Sebastiana pelo braço
E gritei, não faça sujeira
O xaxado esquentou na gafieira
E Sebastiana não deu mais fracasso
Mas gritava: a, e, i, o, u, y(Sebastiana)
Continua Teles -J.do Comércio –Recife.Pe “Um rápido passeio pela música de Rosil Cavalcanti para lamentar o atual estágio do forró, onde se contam nos dedos, autores que não se limitam ao xote romântico. Em Rosil há desde o lúdico ao lírico: Na base da chinela, e Aquarela Nordestina. A primeira é um exemplo do forró malicioso. Chinelar, ou chinelada é um eufemismo nordestino, hoje pouco usado, para o ato sexual: “Jogaram no salão pimenta bem machucada/e o baile da Gabriela acabou na chinelada”.A segunda recorre à estiagem para cantar a paisagem da região: o Nordeste imenso, quando o sol calcina a terra/não se vê uma folha verde na baixa ou na serra/juriti não suspira, inhambú seu canto encerra/não se vê uma folha verde na baixa ou na serra”. http://bit.ly/15ixQBo
E diz Rosil,como sociólogo,sim.. no Coco Social-
Ele é pernambucano, do canavial... 
Veio pro salão, é social. 

O diplomata canta baixo na surdina 
O financista gosta e faz anotação, 
Banqueiro financia, pois vale um milhão… 
 
Jurista de renome aconselha o povo 
O almirante diz: ele é nacional 
Ibrahim Sued esforço não mede 

E diz o coco é bom; é social “.
Mas ainda prova mais em Meu Cariri:
No meu Cariri/quando a chuva não vem/não fica lá ninguém
somente Deus ajuda/se não vier do céu/chuva que nos acuda
macambira more/chique-chique seca/juriti se muda…


Conversando com Rômulo Nobrega –C.G.PB ,o mesmo nos promete uma biografia de Rosil e difunde-o com matérias sobre o mesmo –leiam mais e ouçam http://bit.ly/14ZxVLs----- http://bit.ly/15NAdOE

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

No meio do caminho tem um anjo torto







Não é preciso data, semana, tempos para falar de poesia quando o poeta é Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Um pássaro flautista no quintal caçoa de meu verso modernista” (…) (A Paixão Medida, 1980)
Também poderá anjo brasileiro voar sobre montanhas de minas? Haveria de abrandar-se entortando-se na escrita.
Eta vida besta, meu Deus!” (Alguma Poesia,1930)
Não precisamos de datas, semanas, tempos para falar de poesia, quando o poeta é Drummond. Ele não é só mineiro e carioca. Ele é brasileiro.
Carlos gritou o sentimento do mundo no jornal, no livro, em seus passeios a pé. Ele é o poeta que nos ensina a sentir a palavra e seus ganchos. Ele falou do amor, da indefinição do homem, da política e outras assertivas humanas. Eis um poeta do mundo, do Sentimento do Mundo.
Precisamos lê-lo. Melhor que criar o dia “D” para molhar as palavras no ferropoético do Brasil e nunca se esquecer dos brasileiros e da sua vida…
Lutar com palavras é a luta mais vã… Mas lúcido e frio… E tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida.” (O Lutador, 2008)
Nenhum poeta foi tão múltiplo absurdo, férreo geopolítico e de antevisões de um Brasil, seja em sua poesia, contos, crônicas, seja no gênio jornalístico em que anexou, apurou e depurou sua poesia. Carlos arquitetou as palavras no simples e ligou o passado, o presente ao futuro, sem jamais desaquecer o amor e as minas humanas que estão em toda parte do Brasil, dos Josés, Marias, Luizas e Raimundos.
Carlos era Andrade Itabirano (MG) e viu as missas, as rezadeiras, o erótico, o vestido, os políticos, o consumo, braúnas, cavalos, estribos, murais… O doido, carabina, pedra, enxoval, gota da água, a banda e malas.
Carlos viu o bonde, o papel como coisa, casos comuns no sinuoso da vida e que se vira para a chamada existência: o caminho e suas pedras, o lugar, as faces, a praça, o leite, o assassinato, etc.
Drummond disse e conjugou tomar, amar, queimar, capinar, varrer, galopar, ensardinhar, morrer, nascer, ir, desmandar. Adjetivou e adverbiou torto, azul, ratos, mansinho, incomunicável, etc.
Necessitamos do poeta na sua vertente político-social para ver o Brasil mais de perto.
Hino Nacional
Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio, 
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil. (…)
Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros, 
assimilaremos finas culturas, 
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina, 
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico. (…)
Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e 
                                                             tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos…
se bem que seja difícil compreender o que querem 
                                                             esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de 
                                                             seus sofrimentos.
Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo, Ed. Record, 2001, 12a edição)
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).
Tags: